Como será a indústria do livro em 2025 ou a 'Era da vulnerabilidade'
PublishNews, Raíssa Pena*, 27/03/2019
Raíssa Pena, do Catarse, escreve seu primeiro artigo para o PublishNews e já alerta: 'Este não é um artigo sobre a crise das livrarias. É sobre boas práticas que já estão funcionando e são o futuro do mercado editorial'

As cinco previsões de Margot Atwell sobre a indústria do livro - feitas na última Feira do Livro de Londres - encontram muita ressonância no cenário brasileiro. Assim como ela, sou diretora de Publicações de uma plataforma de crowdfunding (Catarse) e tenho uma perspectiva sobre o assunto que envolve tecnologia e comunicação. Sem essa dupla não se vai muito longe.

Minha experiência como repórter me fez entender logo cedo que não era mais possível fazer jornalismo impresso como antigamente. Aliás, fazer até dava, difícil era vender porque, sim, conteúdo editorial é produto e depende do interesse do leitor para circular.

O mercado de livros está demorando um pouco mais para reconhecer o papel central do leitor no fluxo produtivo. Pensando nele, editoras como a Aleph têm conseguido botar de pé eventos off-line de sucesso, como as Feiras Intergalácticas (cheias de títulos com desconto) e os Encontros Intergalácticos, em que os editores falam sobre os lançamentos com a presença de convidados. Este ano, dezenas de editoras de diversos segmentos se organizaram na chamada Coesão Independente e vão realizar sua primeira feira, Choque Literário, no próximo dia 6 de abril em São Paulo. Até a gigante Companhia das Letras começa a estreitar esse relacionamento por meio de eventos mais segmentados como a Flipop (boa, Diana Passy!).

Trata-se de estratégias de comunicação eficazes para manter o engajamento dos leitores e para que eles comecem a associar os livros que amam às editoras enquanto marcas. Com o tempo, essa mudança de perspectiva transforma clientes em fãs - como já acontece com tantas lovemarks que ganham nossa atenção e nosso dinheiro todo mês, como Spotify e Netflix.

Outros dois movimentos apontados por Margot que me chamam a atenção são a descentralização geográfica do mercado e o trabalho remoto. Ótimas feiras como a e-Cêntrica (Goiânia) e a Dobra (Londrina), eventos como a Flima (Serra da Mantiqueira) e editoras de peso como a Autêntica e a Letramento (ambas em Belo Horizonte) movimentam cada vez mais leitores e dinheiro para além do circuito Rio-São Paulo, onde há custos mais brandos e mercados ainda por explorar.

Sobre trabalho remoto, posso falar de cadeira - literalmente. Desde 2017, quando assumi a comunidade de Publicações do Catarse, converso com centenas de editores, autores, designers e jornalistas do Brasil e do mundo (obrigada, Prêmio Jovens Talentos!) diretamente do vilarejo de Macacos, onde moro, a 26 km de Belo Horizonte. De vez em quando, um editor me pede desculpas por seu gato ter passado em frente à câmera durante uma videoconferência (muitos editores têm gatos!), rimos um pouco e o trabalho continua. Uma das editoras mais promissoras que conheço, a Wish, também tem equipe remota (entre São Paulo e Fortaleza) e tece uma comunicação tão envolvente com seus leitores que já lhes permitiu arrecadar mais de R$ 340 mil para financiar nove títulos pelo Catarse. O trabalho remoto é mais barato, poupa tempo de deslocamento, pode ser metrificado e oxigena o ecossistema, ao permitir que profissionais de outras regiões do país integrem o mercado. Se organizar direitinho, todo mundo produz. E ainda sobram horas no dia para, sei lá, ler um livro.

O uso de dados fornecidos pelos consumidores, bem apontado por Margot Atwell como um dos grandes ativos da Amazon, é outra ferramenta crucial para tomadas de decisão assertivas. Enquanto você lê esse texto, estão no ar no site do Catarse mais de dois mil projetos de publicações (entre quadrinhos, poesia, ficção, jornalismo, design). Só no ano passado, essa comunidade de criadores e apoiadores de conteúdo editorial movimentou mais de R$ 6 milhões. Autores e editoras que colocam campanhas de financiamento coletivo no ar têm acesso a um leque de dados importantes, como a origem e as taxas de conversão dos apoios, gráficos que traçam o comportamento dos visitantes da página e outras informações fornecidas pela própria base de leitores. A partir dessa inteligência de dados (regida, claro, por uma política de privacidade e por Termos de Uso) é possível traçar ações mais objetivas, mensurar resultados e extrair informações preciosas. Também é possível colher dados de outros canais, como as redes sociais da marca (o Facebook, por exemplo, disponibiliza um painel cheio de insights valiosos para as fanpages). Vai se dar bem quem souber combinar a expertise de cada ser humano da equipe com essas informações extraídas do mar de dados da internet.

Acrescento às previsões de Margot Atwell uma das minhas tendências de negócios preferida: a vulnerabilidade como valor. Estão na frente as marcas que conseguem se relacionar de forma clara e transparente com cada comunidade que forma o ecossistema do livro (leitores, livreiros, booktubers, imprensa, podcasters, professores, designers, programadores etc). É preciso assumir-se vulnerável para pedir opinião, colher feedbacks de qualidade, entender as dores e comportamentos dos leitores e evoluir no ritmo das mudanças sociais. Vale "errar rápido", pedir desculpa, testar, prototipar, experimentar e seguir evoluindo. Só não vale ficar parado.

Bônus: no dia 11 de maio, o Kickstarter (maior plataforma de financiamento coletivo americana onde Margot trabalha) vai realizar a conferência The Next Page: Creating the Future of Publishing. Dá pra se cadastrar e assistir ao vivo e de graça uma série imperdível de palestras com profissionais que estão transformando o mercado.


* Raíssa Pena é jornalista, designer gráfica e diretora de Publicações do Catarse. Coautora do livro Casa e chão: Arquiteturas e histórias de Belo Horizonte, financiado coletivamente em 2016, e vencedora do Prêmio Jovens Talentos da Indústria do Livro em 2018.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do PublishNews

[27/03/2019 09:22:00]