Não ao porte de armas, sim ao porte de livros
PublishNews, Raquel Menezes*, 18/03/2019
A editora Raquel Menezes faz um apelo: ‘precisamos de uma união de todos para que uma política de porte de livros vença a instauração de um ambiente em que o porte de armas seja uma triste realidade’

Lamentavelmente, quando a maioria dos votos úteis elegeu um defensor do uso das armas presidente do Brasil, enxergando a liberação das armas como uma eficiente estratégia de salvação da nação – pelo menos no que diz respeito à segurança –, uma espécie de autorização da tragédia de Suzano é assinada. Não obstante dizer, é claro, a referida tragédia choca, inclusive, aos que são a favor do porte de armas. No entanto, para estes é inexistente a percepção de que um episódio trágico como este não pode, de modo algum, ser percebido isoladamente. Citar os dados de tragédias como estas nos EUA é exercício frequente nas reflexões sobre o desarmamento; podemos, porém, fazer referência ao próprio Brasil para analisar e pontuar a discussão. Nosso país, apesar de uma história (desde enquanto colônia) violenta e números altíssimos de mortes por uso de arma de fogo, não tem muitos casos de atentados como vimos em Suzano esta semana. Podemos considerar que, até o ocorrido em Realengo, Zona Oeste do Rio de Janeiro, em 2011, não tínhamos tido o espaço da escola como cenário para tragédias como essa. A onda de conservadorismo que vem encobrindo o Brasil tem em suas franjas uma forte carga de violência.

Conhecemos, infortunadamente, diversos casos de violência contra professores e agressões entre os próprios alunos, mas um acontecimento como o de Realengo e, agora, o de Suzano, são casos que precisam ser pensados a partir do incentivo a práticas violentas. Por conseguinte, o triste episódio há de ter que nos fazer acender uma luz para olhar o espaço da escola com o respeito e a necessidade de preservação inerentes (ou que deveriam sê-lo), a ambientes de formação e práticas de cidadania. Não será com blindagem ou detector de metais, menos ainda com a troca de educadores por vigias, mas sim com os esforços voltados um processo reeducacional e psicológico de nossos alunos. Trabalhar, assim, o empoderamento das nossas crianças, por meio do reforço da autoestima. Convidar as nossas crianças e jovens ao mundo mágico da imaginação, reforçando suas capacidades criativas. É este o melhor modo de aperfeiçoar o aprendizado e afastar a violência das escolas, não reformulando o currículo com a retirada de disciplinas, ou ainda com a propagação de uma escola sem partido, cujo partido, na verdade, é o conservadorismo e a alienação. O investimento público em livros e em práticas a favor da leitura é indispensável para esta reeducação e reestrutura.

Se aprendemos com Foucault que o sujeito é sempre o resultado de uma prática, noutras palavras, que o sujeito é sempre fabricado, a ampliação de ações pró-livro e leitura reverberará, obviamente, em mais livros e em mais leitura. Logo, a propagação de uma política que apoia o armamento, como temos visto na história recente do nosso país, constituirá sujeitos violentos. Cenário perfeito para a barbárie e a calamidade se estabelecendo. A equação é bem fácil de ser montada, visualizada e entendida, apesar de parte significativa do poder público estar de olhos fechados para esta situação.

O que precisamos é de um MEC fortíssimo e atento para que nossos alunos tenha um ensino de qualidade, em que o respeito ao outro seja sua base de ensino. Infelizmente, o que temos visto é um ministério inconsistente e esdrúxulo, que, entre outras incompetências, não consegue cumprir seu compromisso com o edital do PNLD Literário. Esse cenário acentua a crise do setor editorial, mas, obviamente, terá reflexos nos alunos e nos trabalhos dos professores neste ano letivo, o que, certamente será refletido nos próximos anos também – já que a educação se faz ao longo de um processo.

Blindagem e segurança podem ser difíceis de ser bloqueadas, mas não são, no entanto, intransponíveis. Por outro lado, ações educativas, tencionado a melhoria do desempenho escolar, e, obviamente, investindo em leitura, estão entre os principais pilares de um trabalho de prevenção à violência em todos os níveis, tanto no espaço doméstico como em casos semelhantes ao atendado em massa cuja notícia nos assolou esta semana. Professores devem estar armados de livros e de boas condições salariais para educar os alunos, não de armas de fogo, como sugerido esta semana por um deputado. Opiniões como a deste político democraticamente eleito fazem com que a assertiva de Darcy Ribeiro sobre a crise da educação se tratar de um projeto seja, dia após dia, atualizada para uma realidade inexorável.

Não há nenhum dado original neste artigo, nem mesmo uma ideia que não tenha sido pensada. A falta de originalidade deste texto, portanto, me faz pensar que não sou a única otimista a acreditar que, com esforço, podemos mudar o cenário horroroso que nos é apresentado enquanto futuro de pátria – palavra que tem sido muito usada e pouco respeitada. É preciso, no entanto, que não sejam equipes de párias (se me permitem o trocadilho) néscios que assumam as lideranças das áreas de educação e cultura. Forçosamente precisamos de uma união de todos os que pertencem ao mundo livreiro para que uma política de porte de livros vença a instauração de um ambiente em que o porte de armas seja uma triste realidade.


* Raquel Menezes é formanda em Letras pela UFRJ, onde também conclui o doutorado. Editora da Oficina Raquel e presidente da Libre – Liga Brasileira de Editores. É mãe do Dioniso, para quem deseja um mundo sem armas e com muitos livros.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do PublishNews

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