‘Ajudar a proteger a democracia’ é papel do editor, diz CEO da Macmillan
PublishNews, Leonardo Neto, 11/10/2018
Em Frankfurt, John Sargent foi sabatinado por jornalistas dos principais veículos de cobertura da indústria editorial do mundo

Rüdiger Wischenbart e John Sargent durante o CEO Talk de Frankfurt | Leonardo Neto
Rüdiger Wischenbart e John Sargent durante o CEO Talk de Frankfurt | Leonardo Neto
O imponente e moderno Frankfurt Pavilion, espaço erguido para celebrar os 70 anos da Feira do Livro de Frankfurt, serviu de palco para o CEO Talk desse ano. A programação, já tradicional no calendário de editores e frequentadores da feira, é realizada pelo consórcio formado pelos principais veículos de comunicação do mundo, incluindo o PublishNews, Publishers Weekly (EUA), buchreport (Alemanha), Bookdao (China) e Livres Hebdo (França). O convidado desse ano foi John Sargent, CEO da Macmillan, que foi sabatinado por profissionais desses veículos mediados pelo consultor austríaco Rüdiger Wischenbart.

No começo desse ano, John protagonizou uma batalha contra a Casa Branca ao publicar Fogo e fúria (no Brasil publicado pela Objetiva), do jornalista Michael Wolf. O livro trata dos bastidores do governo de Donald Trump, que pediu o impedimento de sua publicação. Na época, Sargent veio a público dizer que a medida era um “claro esforço do presidente dos EUA em intimidar um editor para que ele interrompa a publicação de um livro importante sobre o funcionamento do governo”.

O assunto obviamente chegou ao palco do CEO Talk. Sargent foi enfático que é função do editor defender a liberdade de expressão, mesmo que isso signifique enfrentar o líder da maior economia do mundo.

John reconheceu que o primeiro pensamento que teve ao receber a notificação com o pedido de suspensão da publicação do livro foi a de “venderemos pilhas e pilhas de livros” (o que de fato aconteceu). “Num primeiro momento, pensei que era uma decisão apenas comercial continuar com o processo de lançamento do livro, mas depois entendi que era uma decisão que ia além disso. Liberdade de expressão é o próprio fundamento da democracia. A nossa função não é só a de vender livros, mas também a de ajudar a proteger a democracia. As tentativas de Trump de bloquear o livro não eram aceitáveis para nós, para qualquer funcionário e não deveria ser aceitável para qualquer cidadão dos EUA, independentemente de como ele tenha votado”, disse.

“Se você pensar sobre o que acontece no mundo quando uma ditadura chega, ou quando uma democracia falha, a primeira coisa que acontece é o governo reprimir a imprensa sobre qualquer coisa que seja negativa ao governo. Eu me perguntei se estava exagerando com isso e concluí que não estava”, concluiu.

Sargent voltou ao assunto quando Carlo Carrenho, que representava o PublishNews no debate, contextualizou o atual cenário político brasileiro e perguntou qual seria o papel do editor como defensor da democracia. O editor voltou a dizer que o compromisso do editor deve ser com o “fluxo livre das ideias e que a liberdade de expressão é fundamental na democracia”.

Carlo Carrenho, representando o PublishNews, faz pergunta a Sargent | Leonardo Neto
Carlo Carrenho, representando o PublishNews, faz pergunta a Sargent | Leonardo Neto

O futuro

Sargent falou ainda sobre o futuro do livro e declarou à plateia e entrevistadores que não sente medo dele. “Sempre aparece um estudo dizendo que as pessoas não leem mais. Mas mesmo assim, as pessoas continuam lendo. Se você pegar os livros digitais, por exemplo, os estudos dizem que eram os jovens que gostam de tecnologia os que mais se adaptariam a eles. Mas são as mulheres de meia idade as que mais consomem livros digitais”, comentou.

Nem a internet deve preocupar? Sargent diz que não. “Há coisas que realmente podem ser feitas melhor na internet. Livros de viagem, por exemplo, lutam porque a internet pode dar ao leitor melhores respostas. Esse tipo de publicação tem caído globalmente. O foco é fazer aquilo que somos bons e que a internet não dá conta de resolver de forma eficaz: ficção e não ficção. Os livros continuam sendo a melhor tecnologia para distribuir esse tipo de conteúdo”, disse.

Mas a leitura de livros de ficção não estaria ameaçada pela crescente popularidade de plataformas de streaming de vídeos e suas séries? Ao contrário, defendeu. “Eles [as plataformas] estão ansiosos em nossos escritórios, procurando por aquele novo livro que poderia se tornar uma série de TV”, disse.

Indústria global

Carrenho quis saber também se Sargent estava contente com o ritmo com que editoras se tornam globais. Ao contrário de plataformas como Storytel (Suécia) e Wattpad (Canadá), que têm conquistado o mundo de forma muito rápida, editoras vão em um ritmo mais lento, segundo a avaliação do fundador do PublishNews. Sargent pontuou que filmes e música são globais por natureza. Por isso, plataformas como Netflix e Spotify conquistaram o mundo com muito mais facilidade. Para as plataformas de tecnologia, continuou Sargent, esse processo é ainda mais rápido. “A maioria das pessoas está interessada em livros em sua língua materna, escritos sobre seus países de origem”, disse. “O conteúdo que produzimos globalmente é natural? Existem muitos países no mundo onde é difícil competir em escala. Nós não somos a Random House”, finalizou.

[11/10/2018 05:26:00]