República não resiste aos cupins do Guanabara
PublishNews, Carlo Carrenho, 07/3/2017
Livraria República, localizada no campus da UERJ, fecha as portas no Rio. O livreiro Glaucio Pereira atribui sua falência à crise do Estado que vem atingindo drasticamente a universidade fluminense

Cartaz que explicava as portas fechadas da Livraria República, no campus da UERJ, durante vários dias de fevereiro
Cartaz que explicava as portas fechadas da Livraria República, no campus da UERJ, durante vários dias de fevereiro
Desde o início de fevereiro, a Livraria República encontrava-se com as portas fechadas no hall dos elevadores da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Não que isso fizesse muita diferença, uma vez que a última aula realizada na tradicional universidade fluminense aconteceu no dia 22/12. O motivo das aulas não voltarem: a total falência do Estado do Rio de Janeiro, que não tem repassado os recursos devidos à universidade, causando a suspensão de serviços básicos e o não pagamento de salários e bolsas.

Já a Livraria República estava fechada, segundo um cartaz colado no local, devido a uma dedetização e descupinização. Mas, passado o Carnaval, descobriu-se que os cupins eram outros – e que habitavam muito mais perto do Palácio da Guanabara do que se imaginava ­– e, ainda mais triste, que a livraria nunca mais abriria as suas portas.

Em um comunicado em forma de artigo enviado ao PublishNews, Glaucio Pereira, proprietário da Livraria República, comentou as causas do seu fechamento. “A Livraria República não quebrou em função de má gerência, de crise econômica, de irregularidades no mercado livreiro, de concorrência das novas mídias ou das máquinas de fotocópias em cada um dos dez andares da UERJ – ela quebrou pela incompetência do governo [estadual] que agora se afunda na crise e leva inocentes junto”, explicou o livreiro.

Para Glaucio Pereira, foi a incompetência do governo estadual fluminense que levou sua Livraria República à falência. | © Divulgação
Para Glaucio Pereira, foi a incompetência do governo estadual fluminense que levou sua Livraria República à falência. | © Divulgação

O fechamento da loja que funcionava no campus da UERJ é uma péssima notícia para os editores, particularmente aos que editam livros científicos e universitários. “A notícia do fechamento da Livraria República nos atinge com a força de um golpe fatal, e é mais do que lamentável, triste ou outros mimimis afins. Para as editoras, como a minha, que trabalham com o público universitário, ter uma livraria dentro de uma universidade do porte da UERJ era a garantia de que nossos livros chegariam aos professores e alunos das mais diversas áreas”, lamenta Cilene Vieira, diretora da casa editorial Vieira & Lent. “Talvez não seja tão grave para editoras de outros segmentos, que lamentam mais o fechamento de lojas de rede em shopping, por exemplo, mas nesse caso temos que considerar os milhares de leitores, alunos e professores da UERJ, que tinham na livraria um porto”, conclui a editora.

Ítalo Moriconi, professor do Instituo de Letras da UERJ também lamenta o fim da Livraria República. "O fechamento da livraria é como a mutilação de um membro. Aquele ponto do Queijo, a livraria ali localizada, sempre foram um referencial de encontro da UERJ, encontro entre colegas, encontro com os livros e, particularmente, com as obras universitárias", declarou Moriconi, que dirigiu a Editora da UERJ entre 2008 e 2015. "É uma perda lastimável para a universidade", sacramentou.

Segundo Glaucio Pereira, a livraria vinha bem até 2014. Inaugurada em 2010, desfrutava da circulação diária no andar térreo da UERJ que ultrapassava 30 mil pessoas nos dias letivos. “Vendíamos uma média de 180 livros por dia e ainda tínhamos a renda da papelaria e do serviço de café e lanchonete dentro da loja”, recordou o livreiro. “Em 2016, as greves dos funcionários da UERJ, que não recebiam os salários do governo estadual, paralisaram a universidade por cerca de sete meses e o faturamento do ano foi equivalente a apenas dois meses dos outros anos”, continuou. “No curto tempo em que a universidade funcionou, tivemos alunos e professores desmotivados, e os professores, nossos principais clientes, estavam pouco propensos a gastar com livros, inseguros quanto ao recebimento dos próximos salários”, lamentou e concluiu.

Durante a greve, Glaucio recorreu a empréstimos bancários, confiante no potencial da livraria e acreditando que a situação se reverteria depois das Olimpíadas. Ele chegou a vencer a licitação para ocupar o espaço por mais dez anos e tinha planos de construir um bistrô na lateral da loja. Em dezembro do ano passado, conseguiu um acordo com os bancos, mas como a UERJ não reiniciava as aulas, o livreiro resolveu jogar a toalha. A direção da universidade publicou um comunicado em 23/2 explicando o motivo da decisão.

A falência da Livraria República, para alguns, é resultado também da crise que vem afetando a educação como um todo e que extrapola os atuais desafios econômicos do mercado de livros. “Acho que o caso do fechamento da livraria da UERJ ultrapassa os muros lamentativos das editoras e é uma mostra de uma grave crise educacional que atinge em cheio o acesso a livros fundamentais para formação de milhares de alunos”, afirma Cilene Vieira.

O café da Livraria República, a qual comercializava até 180 livros por dia na UERJ em dias de aulas | © Facebook
O café da Livraria República, a qual comercializava até 180 livros por dia na UERJ em dias de aulas | © Facebook

A editora Quartet, também propriedade de Glaucio Pereira, está acompanhando a livraria e também fecha suas portas. O livreiro ainda está renunciando aos cargos de presidente da Associação Estadual de Livrarias do Rio de Janeiro (AEL) e de diretor-secretário da Associação Nacional de Livrarias (ANL). Vale lembrar que, em 2016, durante sua gestão na AEL, a entidade organizou o 1º Festival das Livrarias do Rio e iniciou a edição do Guia das Livrarias Cariocas, livro que será lançado em breve com a lista das 205 livrarias que existem hoje no Rio. No ano passado, Glaucio também participou da elaboração do Plano Municipal do Livro Leitura e Biblioteca do Rio de Janeiro como representante da cadeia produtiva do livro. Entre suas reivindicações estavam a isenção de ISS para produtos relacionados ao livro e a isenção de IPTU para as livrarias.

Apesar de tudo, Glaucio ainda vê de forma positiva as oportunidades do mercado, mas lamenta a falência do Estado. “Em 2016, apesar da crise, foram inauguradas seis novas livrarias no Rio de Janeiro, o que mostra que há espaço para o livro e para novas iniciativas. Mas competência, empreendedorismo e criatividade não são suficientes quando se tem o governo para quebrar a sua firma”, sacramenta o livreiro.

O fechamento da Livraria República reforça as muitas dúvidas que existem sobre o futuro das livrarias independentes, as quais tem exigido do mercado reformulação e mudanças. Mas, neste caso, há ainda uma pergunta que não quer calar e que vai além do mercado editorial: Será que a UERJ seguirá o mesmo caminho da Livraria República? Ou conseguirá sobreviver aos cupins do Palácio Guanabara que vem há anos dizimando o Estado do Rio de Janeiro?

[07/03/2017 11:02:46]