Em um momento de tanta polarização no Brasil, a política não poderia deixar de estar presente no Fliaraxá, o festival literário que em sua quinta edição agita as Gerais de Dona Beija em Araxá até o próximo domingo (18). Mas trata-se de um evento mineiro, em uma cidade mineira, organizado pelo agitador lítero-mineiro Afonso Borges. Portanto, a discussão política no festival é mais discreta, elegante, respeitando os limites da mineirice.
Mas a mesma mineirice que exige discrição também exige coragem e que se diga o que tem que ser dito. Por isso, o próprio Afonso, ao mediar na última quinta-feira (15), a mesa Cinema e Literatura entre os escritores João Paulo Cuenca e Luiz Ruffato, não titubeou ao lançar o seguinte petardo em forma de pergunta ao autor de Eles eram muitos cavalos: “Se você fosse fazer hoje seu discurso na abertura da Feira de Frankfurt de 2013, o que você mudaria?”

O escritor cataguasense tampouco mediu palavras: “hoje eu acrescentaria como é viver em um país onde há dois golpes juntos e poucas pessoas reagem a este golpe contra a Dilma Rousseff”. Depois dos aplausos continuou: “veja bem, não estou dizendo isso porque amo a Dilma, mas absolutamente porque foi um golpe. Um golpe claro, um golpe vestido de legalidade, mas sem nenhuma legitimidade. E, de novo, o segundo golpe, que foi ontem – e não que eu ache que o Lula não tenha que pagar se ele fez alguma coisa, ele claramente tem –, mas o que houve foi evidentemente uma tentativa de fazer com que ele não possa ser candidato em 2018.”
Ruffato ainda enfatizou sua posição: “de novo, não estou defendendo o Lula, não votei no PT. Acho que o PT cometeu erros horríveis. Mas, no meu ponto de vista, o que aconteceu com a Dilma foi um golpe claro”.
Em seguida, o moderador perguntou ao carioca Cuenca como seria seu texto se fosse ele a redigir o discurso em Frankfurt. O carioca, autor de Descobri que estava morto, respondeu: “Eu assino embaixo do texto do Luiz.” A seguir lembrou que naquele evento alemão de 2013, Marta Suplicy, então ministra da Cultura, e o vice-presidente Michel Temer representavam o governo brasileiro, e que o político pemedebista também discursou. “O discurso de Temer foi um desastre, foi uma sucessão de constrangimentos; foi uma vergonha”, afirmou Cuenca.
Em outros momentos, o momento político também mostrou sua cara, como quando Frei Betto mencionou Che Guevara e alguém da plateia gritou “Assassino!”. O escritor então explicou que respeitava a opinião da pessoa, mas que exigia que a sua também fosse respeitada. O espectador então argumentou outra vez que Che seria um assassino. Ao que Frei Betto respondeu: “há democratas que só são democratas consigo mesmos e não respeitam a opinião alheia”.
Era comum também depois de quase todas as mesas, ouvir um grito de “Fora Temer”, seguido de aplausos – e todos seguiam para a sessão de autógrafos. Era o máximo que a etiqueta mineira talvez permitisse, e o mínimo que o espírito de Minas talvez exigisse.