Um eletrodoméstico de fracasso
PublishNews, Alessandra J. Gelman Ruiz*, 25/06/2016
Uma paródia de Alessandra Ruiz ao artigo 'Um e-book de fracasso'. O resultado é um texto curioso e divertido que nos remete ao surgimento do televisor

Fiz uma releitura do artigo "Um e-book de fracasso", publicado no PublishNews no último dia 21/6, apenas substituindo termos (com uma certa adaptação) e mantendo a redação do texto original para mostrar a comparação. E se o autor – ou você – acham que a televisão NÃO é um rádio com imagens... That's my point! Eu também não acho que o e-book é apenas o mesmo livro físico em forma digital para ser lido em um e-reader (apesar de isto ser possível também!). Ele ainda vai evoluir muito. Assim como no seu começo a TV era feita de programas de rádio televisionados – e evoluíram até o inimaginável para aquele tempo – muita água ainda vai rolar no mundo do livro digital.

Da mesma maneira, acredito que, assim como a televisão não acabou com o rádio e nem o substituiu, o livro digital também não vai acabar com o livro físico e nem substituí-lo. Ambos vão mudar, adaptar-se e sobreviver. Exatamente os três verbos da... evolução! Por isso, vamos abrir a mente e não fechar, por favor! E nem matar ou condenar à morte e ao fracasso o embrião de uma inovação apenas porque não entendemos a totalidade de seu potencial. E muito menos desincentivar a leitura em qualquer forma que ela possa existir.


Um eletrodoméstico de fracasso

O atual modelo de programas de televisão (nesta primeira metade do século XX em que estamos) foi originalmente proposto por empresas emissoras, como CBS e BBC por exemplo, para alimentar aparelhos eletrodomésticos, que em um primeiro momento vinham sendo vendidos com um visor pequeno e de má qualidade (em que só se viam chuviscos, diga-se de passagem), sobre o já estabelecido rádio, e agora, num segundo momento, foi adotado por outras empresas, como a própria RCA (importante gravadora!), que ousa vender televisores separadamente dos aparelhos de rádio. Agora, os programas para televisores vêm sendo adaptados para diferentes empresas emissoras e para diferentes operações comerciais, gerando essa diversidade mundial de distribuidores e vendedores desse modelo de programação televisiva, mais conhecido por televisão – ou TV até – , e que tem o formato de um programa de rádio como ponto de partida.

Até aí, imagino, muitos deverão estar de acordo, porém essa curtíssima história dos programas de televisão permite também um outro olhar sobre o significado desse modelo de entretenimento auditivo acrescido de imagens.

O fato é que esse formato nada mais faz do que transferir, se não de todo, boa parte da tarefa dos produtores de conteúdo para rádio, além de locutores, cantores, jornalistas e artistas de radionovelas, para as mãos de poucos, e na maioria conglomerados estrangeiros, agentes de negócios. Ou seja, excetuando a criação de conteúdo (o que não ocorre com os radialistas amadores, que trabalham com independência) e o talento dos profissionais do rádio, todo o resto passa para as mãos de outras empresas que não aquelas que geraram o produto.

E por isso, sobretudo por isso, é que o modelo atual de televisão não sairá jamais do seu patamar. Não há como. Desde a fabricação de seu mais indicado suporte físico para a transmissão do entretenimento (no caso as televisões com telas quadradas e imagem em tons de preto, branco e cinza, e assemelhados), até a forma de recolhimento e gerenciamento das vendas, terminam por alijar boa parcela de uma indústria de décadas que é o rádio, que embora tenha sido afetada pelas mudanças tecnológicas, ainda não foi comprovada sua superação ou obsolescência.

É de se acreditar em novos formatos, como a tal TV em cores, que dizem virá em breve, e aparelhos maiores e com mais nitidez, sem tantos chuviscos e chiados, e até transmissões ditas "ao vivo", em que se pode assistir exatamente ao mesmo tempo o que está acontecendo em algum local do mundo, o que parece em primeira análise extraordinário. Tudo isso seria muito mais eficaz em trazer a televisão para o ouvinte (ou talvez melhor chamá-lo de teleouvinte?). Mas nesses casos, seria até bizarro pensar na possibilidade de as pessoas ficarem sentadas diante do seu aparelho eletrodoméstico durante horas de seu precioso dia, apenas para ver uma transmissão ao vivo. E se algo der errado, se houver algum problema com a imagem que ocorre justamente naquele momento? A pessoa teria perdido seu tempo e não conseguiria ver nada, porque aquele episódio que está acontecendo em tempo real não vai ser repetido. E ainda que haja a possibilidade de ser gravado e transmitido posteriormente, qual seria então a vantagem do tal "ao vivo"?. Vantagem bem discutível essa.

Que me perdoem os mais afoitos, mas o modelo da televisão é um fracasso, e não passa de uma versão requentada para dizer que o rádio poderia ser mais interessante porque é possível ver pessoas de verdade falando e se movimentando, além de apenas ouvi-las. E, em consequência disso, seria uma opção mais rentável. O que é uma besteira das grandes. O passar dos anos mostrou claramente: os produtores de programas de televisão, assim como os donos das emissoras, e até os anunciantes, ao se depararem com o custo de se fazer um entretenimento com imagem, assustam-se. É muito maior e mais complexo, e com efeitos para o aumento da audiência ainda muito duvidoso. Me parece que em breve irão se aperceber do engodo que é a tal televisão. Além disso, os clientes desse novo eletrodoméstico, os amantes do rádio e até as pessoas que gostam de novidade, ao verem os preços dos televisores, também assustam-se: pagar mil, 2 mil e até 5 mil dólares por um aparelho? Quem estará disposto a isso? Mercado nada promissor.

Um outro raciocínio que pesa nesse precipício é que o rádio teria deixado de ser atrativo para o mercado financeiro. O estranho mercado radialista, sempre dado a transmissões de alcance nacional, notícias importantes, com anunciantes satisfeitos, mostraram aos investidores que o rádio jamais seria como o teatro, o cinema, a ópera, os concertos, com suas bilheterias tão "rentáveis" (sic).
E aí está, muito possivelmente, o principal problema do modelo de televisão existente e que ainda provocará muita conversa em torno de sua inutilidade e desserviço à cultura, ao jornalismo e ao entretenimento. Sua invenção, em verdade, não foi necessariamente para democratizar a informação, o jornalismo, a diversão, a arte, a educação, e a cultura, foi antes para atiçar os barões da especulação acionária, a exemplo do pré-histórico jornal, que gerou fortunas e afundou os tão românticos folhetins de bairro.

A boa nova é que os amantes do rádio não caíram no engodo do descartável, e o ouvinte ou espectador, o principal alvo disso tudo, não se deixará levar pelo afã novidadeiro e tecnológico. Prova maior é a estagnação das vendas de televisores e o fato de que os principais defensores do fim do rádio hoje assumem: a tal televisão é nada mais do que uma opção à escuta de programas diante da transmissão desses programas com imagens, e jamais o substituirá.

[Texto originalmente publicado no Facebook da autora.]


Alessandra J. Gelman Ruiz é publisher e editora, com curso de especialização em Publishing pela Universidade de Yale. Atua há 23 anos no mercado editorial, com passagens pelas editoras Alaúde, Gente e grupo Autêntica / Gutenberg. Atualmente, trabalha com aquisições no grupo Sextante. Ministra cursos sobre mercado editorial na Universidade do Livro e na Casa Educação, inclusive no MBA em Book Publishing. Sua especialidade são livros de trade nacionais e estrangeiros, tanto de ficção quanto de não ficção, assim como a a elaboração de projetos editoriais e a descoberta de novos talentos brasileiros.

[25/06/2016 18:28:00]