Nos últimos 12 meses, diferentes editoras que trabalham com literatura infantil e juvenil (LIJ) anunciaram o encerramento de suas atividades. Outras tantas, quando não fecharam o departamento de LIJ, diminuíram consideravelmente o número de lançamentos na área. Com a crise e os cortes dos programas de governo, o modelo de negócios operado por parte delas se tornou insustentável.
De modo bastante resumido, e ignorando setores como o porta a porta, os modelos de negócios de LIJ seguiram na última década dois caminhos: o das pequenas e o das grandes empresas, com alto poder de investimento e uma máquina de divulgação escolar. Ambas atuam em três canais: escolas, livrarias e governo.
Sem capacidade para investir em uma equipe de divulgação escolar com a capilaridade necessária para um país de dimensões continentais, as pequenas editoras chegam ao mercado escolar por meio de empresas parceiras que realizam distribuição e divulgação de seus títulos... e dos títulos de outras dezenas de pequenas casas editoriais. Ou seja: concorrem com as grandes, que possuem grandes equipes de divulgação.
Na livraria, é ainda mais complicado. Os pais, sem maior envolvimento com a formação leitora, escolhem o óbvio nas prateleiras – em geral os autores consagrados de literatura adulta que publicaram para crianças ou aqueles autores de quem foram leitores quando crianças –, e as crianças brasileiras, as que passam mais de cinco horas por dia assistindo televisão, em geral selecionam o que lhes é familiar, as obras licenciadas, os livros da Peppa, das princesas da Disney, dos heróis da Marvel.
Temos ainda a clássica dificuldade da lombada: um livro infantil, quando sai da exposição de capa do lançamento, vai para a estante, e sua lombada, fininha, desaparece. Ou seja, para as pequenas editoras que focam em qualidade literária e arriscam lançando projetos mais transgressores, há pouco espaço nesse canal.
Porém, por anos elas proliferaram e se multiplicaram, seguindo um modelo que muitas editoras grandes repetiram em seus departamentos de LIJ. Com a regularidade nos programas de compra de livros do governo, como o Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), editais possibilitaram concorrência quase igualitária entre grandes e pequenas. E a relação entre livros inscritos em editais e livros selecionados demonstravam claramente a viabilidade do negócio.
No PNBE 2014, por exemplo, editoras como a Brinque-Book e a Jujuba conseguiram atingir um índice de acerto de 1 a cada 3 livros inscritos. Outras grandes, que inscreviam seus títulos usando diferentes CNPJs, conquistaram muito espaço na lista, porém a relação entre investimento e retorno foi pequena, como a do grupo Ediouro, que inscreveu aproximadamente 120 livros e teve 12 selecionados (índice de acerto: 1/10), ou a LeYa, que inscreveu 52 livros e teve 2 selecionados (índice de acerto: 1/26).
Assim, sem o alto investimento em divulgação, essas pequenas editoras se desenvolveram em um modelo de negócio sustentável e decisivo para o amadurecimento qualitativo das obras de LIJ lançadas no Brasil.
Tendo como selecionadores equipes qualificadas de grandes centros brasileiros de estudo de LIJ, obras mais ousadas e transgressoras passaram a se tornar viáveis. Escritores e ilustradores puderam se dedicar quase exclusivamente ao labor literário. Cursos na área surgiram. Na última década, o Brasil viveu um grande salto qualitativo.
Com a suspensão de programas como o PNBE, o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) e o Programa Estadual do Livro de São Paulo, vivemos um momento difícil para a área. Estruturas formadas nesse modelo tendem a reduzir e mesmo a desaparecer se não se adaptarem à nova realidade.
Daí surge a dúvida: como continuar esse trabalho qualitativo, que tanto elevou a qualidade da literatura infantil brasileira, neste novo cenário? Se não há mais o governo, por onde seguir? Se a penetração nas escolas através de divulgação escolar pelas editoras pequenas está insustentável, quais seriam os outros caminhos para se chegar ao leitor? E nas editoras grandes, como viabilizar a publicação de obras ousadas para o mercado escolar em estruturas por vezes mais engessadas – pela própria natureza de grandes empresas? Como tornar eficiente o diálogo de personagens com formações tão distintas quanto o editor-técnico e o gestor?
Editores, habitualmente categorizados como profissionais de perfil “criativo”, pouco falam em criatividade nos processos de produção e gestão. Respeita-se demais a máxima: “É assim que o mercado funciona”. Nos momentos de crise, porém, é necessário levar a criatividade do editor ao modelo de negócio.
São 40 milhões de crianças brasileiras, mais de 20% da população, grande parte na escola. Há o desafio do analfabetismo funcional, que atinge um quarto da população brasileira. Como desafio, oportunidade: um mercado a explorar. Há o crescimento na última década de 71% da massa de renda da classe média, representada por 56% da população, com aumento no poder de consumo e na disposição a investir na educação de seus filhos.
Ao editor brasileiro, não falta coragem e engajamento. É preciso colocá-los lado a lado com sua criatividade na busca por inovação. Não inovação da tecnologia, ao que se costuma associar essa palavra. Mas inovação nos modelos de gestão, produção, marketing, divulgação. Se o caminho não é mais pelos tradicionais mediadores (governo e escola), como chegar às crianças? Seria o relacionamento direto com os pais o novo caminho a explorar? Como se trabalhar de modo eficiente nas redes sociais, criando um canal de relacionamento direto com o público? Se a importância da relação entre afeto e leitura é consensual entre especialistas sobre a formação de leitor, como desenvolvê-la junto à marca? Há volume para um foco segmentado em escolas e livrarias específicas? É sustentável uma equipe de divulgação com formação mais qualificada? E os mercados além do eixo Rio-São Paulo, carentes de editoras e livrarias, como explorá-los? E os eventos de literatura, como trabalhá-los e desenvolvê-los para gerar maior retorno? Por fim, os clubes de assinatura, é possível trabalhá-los sem os transformarmos em escoo para fundos de estoque? Se os canais tradicionais estão saturados, onde está o chamado “Oceano Azul”, os mercados inexplorados?
É preciso unir dois profissionais: o editor e o empreendedor. É preciso que eles sejam um. No clichê do editor idealizado, que deseja desenvolver um catálogo de significância, um catálogo transgressor, um catálogo formador de leitores... é preciso sustentabilidade. O público existe. Como chegar a ele?
