O editor-empreendedor e a qualidade da literatura infantil brasileira
PublishNews, Renata Nakano,* 23/06/2016
Em artigo para o PublishNews, Renata Nakano pergunta como ficam os modelos de negócios para os livros infantis sem os programas de governo

Nos últimos 12 meses, diferentes editoras que trabalham com literatura infantil e juvenil (LIJ) anunciaram o encerramento de suas atividades. Outras tantas, quando não fecharam o departamento de LIJ, diminuíram consideravelmente o número de lançamentos na área. Com a crise e os cortes dos programas de governo, o modelo de negócios operado por parte delas se tornou insustentável.

De modo bastante resumido, e ignorando setores como o porta a porta, os modelos de negócios de LIJ seguiram na última década dois caminhos: o das pequenas e o das grandes empresas, com alto poder de investimento e uma máquina de divulgação escolar. Ambas atuam em três canais: escolas, livrarias e governo.

Sem capacidade para investir em uma equipe de divulgação escolar com a capilaridade necessária para um país de dimensões continentais, as pequenas editoras chegam ao mercado escolar por meio de empresas parceiras que realizam distribuição e divulgação de seus títulos... e dos títulos de outras dezenas de pequenas casas editoriais. Ou seja: concorrem com as grandes, que possuem grandes equipes de divulgação.

Na livraria, é ainda mais complicado. Os pais, sem maior envolvimento com a formação leitora, escolhem o óbvio nas prateleiras – em geral os autores consagrados de literatura adulta que publicaram para crianças ou aqueles autores de quem foram leitores quando crianças –, e as crianças brasileiras, as que passam mais de cinco horas por dia assistindo televisão, em geral selecionam o que lhes é familiar, as obras licenciadas, os livros da Peppa, das princesas da Disney, dos heróis da Marvel.

Temos ainda a clássica dificuldade da lombada: um livro infantil, quando sai da exposição de capa do lançamento, vai para a estante, e sua lombada, fininha, desaparece. Ou seja, para as pequenas editoras que focam em qualidade literária e arriscam lançando projetos mais transgressores, há pouco espaço nesse canal.

Porém, por anos elas proliferaram e se multiplicaram, seguindo um modelo que muitas editoras grandes repetiram em seus departamentos de LIJ. Com a regularidade nos programas de compra de livros do governo, como o Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), editais possibilitaram concorrência quase igualitária entre grandes e pequenas. E a relação entre livros inscritos em editais e livros selecionados demonstravam claramente a viabilidade do negócio.

No PNBE 2014, por exemplo, editoras como a Brinque-Book e a Jujuba conseguiram atingir um índice de acerto de 1 a cada 3 livros inscritos. Outras grandes, que inscreviam seus títulos usando diferentes CNPJs, conquistaram muito espaço na lista, porém a relação entre investimento e retorno foi pequena, como a do grupo Ediouro, que inscreveu aproximadamente 120 livros e teve 12 selecionados (índice de acerto: 1/10), ou a LeYa, que inscreveu 52 livros e teve 2 selecionados (índice de acerto: 1/26).

Assim, sem o alto investimento em divulgação, essas pequenas editoras se desenvolveram em um modelo de negócio sustentável e decisivo para o amadurecimento qualitativo das obras de LIJ lançadas no Brasil.

Tendo como selecionadores equipes qualificadas de grandes centros brasileiros de estudo de LIJ, obras mais ousadas e transgressoras passaram a se tornar viáveis. Escritores e ilustradores puderam se dedicar quase exclusivamente ao labor literário. Cursos na área surgiram. Na última década, o Brasil viveu um grande salto qualitativo.

Com a suspensão de programas como o PNBE, o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) e o Programa Estadual do Livro de São Paulo, vivemos um momento difícil para a área. Estruturas formadas nesse modelo tendem a reduzir e mesmo a desaparecer se não se adaptarem à nova realidade.

Daí surge a dúvida: como continuar esse trabalho qualitativo, que tanto elevou a qualidade da literatura infantil brasileira, neste novo cenário? Se não há mais o governo, por onde seguir? Se a penetração nas escolas através de divulgação escolar pelas editoras pequenas está insustentável, quais seriam os outros caminhos para se chegar ao leitor? E nas editoras grandes, como viabilizar a publicação de obras ousadas para o mercado escolar em estruturas por vezes mais engessadas – pela própria natureza de grandes empresas? Como tornar eficiente o diálogo de personagens com formações tão distintas quanto o editor-técnico e o gestor?

Editores, habitualmente categorizados como profissionais de perfil “criativo”, pouco falam em criatividade nos processos de produção e gestão. Respeita-se demais a máxima: “É assim que o mercado funciona”. Nos momentos de crise, porém, é necessário levar a criatividade do editor ao modelo de negócio.

São 40 milhões de crianças brasileiras, mais de 20% da população, grande parte na escola. Há o desafio do analfabetismo funcional, que atinge um quarto da população brasileira. Como desafio, oportunidade: um mercado a explorar. Há o crescimento na última década de 71% da massa de renda da classe média, representada por 56% da população, com aumento no poder de consumo e na disposição a investir na educação de seus filhos.

Ao editor brasileiro, não falta coragem e engajamento. É preciso colocá-los lado a lado com sua criatividade na busca por inovação. Não inovação da tecnologia, ao que se costuma associar essa palavra. Mas inovação nos modelos de gestão, produção, marketing, divulgação. Se o caminho não é mais pelos tradicionais mediadores (governo e escola), como chegar às crianças? Seria o relacionamento direto com os pais o novo caminho a explorar? Como se trabalhar de modo eficiente nas redes sociais, criando um canal de relacionamento direto com o público? Se a importância da relação entre afeto e leitura é consensual entre especialistas sobre a formação de leitor, como desenvolvê-la junto à marca? Há volume para um foco segmentado em escolas e livrarias específicas? É sustentável uma equipe de divulgação com formação mais qualificada? E os mercados além do eixo Rio-São Paulo, carentes de editoras e livrarias, como explorá-los? E os eventos de literatura, como trabalhá-los e desenvolvê-los para gerar maior retorno? Por fim, os clubes de assinatura, é possível trabalhá-los sem os transformarmos em escoo para fundos de estoque? Se os canais tradicionais estão saturados, onde está o chamado “Oceano Azul”, os mercados inexplorados?

É preciso unir dois profissionais: o editor e o empreendedor. É preciso que eles sejam um. No clichê do editor idealizado, que deseja desenvolver um catálogo de significância, um catálogo transgressor, um catálogo formador de leitores... é preciso sustentabilidade. O público existe. Como chegar a ele?


* Renata Nakano atua há 16 anos no mercado editorial. Possui MBA em Gestão de Negócios pelo IBMEC, é mestre em Literatura pela PUC-Rio e bacharel em Comunicação Social pela UAM. Foi cofundadora da Edições de Janeiro, criada em janeiro de 2014, onde desenvolveu uma linha de negócios de livros infantis e juvenis. Em 2012-13, desenvolveu a linha de infantis da Casa da Palavra, braço editorial da multinacional LeYa. Com alto índice de aprovação em programas de compras governamentais, seus livros conquistaram prêmios de importantes instituições da área, como FNLIJ, BN e o Prêmio Jabuti, e discutem temas complexos e contemporâneos, como as diferenças sociais, o abandono de menores, o individualismo, a discriminação de minorias. Como pesquisadora, foi premiada, em 2009, com bolsa da International Youth Library em Munique, biblioteca de maior acervo de LIJ do mundo.

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