Uma primavera em plena crise
PublishNews, Leonardo Tonus*, 25/02/2016
Leonardo Tunus conta como foi levantar o Printemps Littéraire Brésilien, festival literário que acontece em março, em Paris

Resido na França há mais de 25 anos e sou professor de literatura brasileira na Universidade da Sorbonne desde 2001. Introduzir a leitura de obras de autores brasileiros contemporâneos em minha prática de sala de aula sempre foi uma de minhas prioridades desde o início de minha carreira de docente aqui na França, sobretudo se levarmos em conta a frágil penetração de nossa literatura nas diversas esferas públicas da sociedade francesa.

Se o público francês que se interessa por nossa cultura e literatura pode hoje contar com uma grande variedade de autores, estilos e gêneros literários traduzidos, e até há pouco tempo inexistentes no mercado editorial francês, muito esforço ainda há de ser feito nomeadamente no que tange à formação de novos leitores.

Dentre os inúmeros caminhos que busquei trilhar durante minha prática de docência, a inserção de autores de língua portuguesa em sala de aula sempre ocupou um lugar de destaque. Adriana Lisboa, Lídia Jorge, Ana Maria Machado, João Almino, Márcio de Souza, Ferréz, Ana Martins Marques, Rodrigo Ciríaco, Carol Bensimon, Elvira Vigna, Luiz Ruffato, Tatiana Salem Levy, Antonio Carlos Secchim, estes são alguns dos convidados, entre outros, que tive o prazer e a honra de receber na Universidade da Sorbonne desde 2005 e que trouxeram aos meus estudantes (muitos deles iniciantes em português) uma outra visão da lusofonia, do Brasil contemporâneo e de nossa produção literária.

Para além destes inúmeros encontros, debates e mesas-redondas, criei em 2010 o blog Etudes Lusophones, um espaço alternativo de promoção da cultura lusófona e que hoje conta com mais de 200 mil visitas e a publicação de textos de autores brasileiros, moçambicanos, angolanos e portugueses já consagrados ou que ainda não dispõem de grande visibilidade no cenário das letras.

Foram estas duas dinâmicas que me levaram a imaginar a realização de um evento anual que viesse formalizar uma prática iniciada há mais de dez anos e cujos resultados são perceptíveis a vários níveis: o interesse crescente pelos cursos de português em minha Universidade; uma melhor inserção de meus estudantes no mercado profissional francês vinculado ao mundo lusófono; uma maior visibilidade da literatura brasileira na Europa em espaços pouco abertos às nossas letras nacionais.

Em 2014 nasceu o Printemps Littéraire Brésilien, que desde a sua criação visa a promover e a ampliar a formação dos estudantes inscritos nos cursos de português mediante uma participação colaborativa.

Desde a escolha dos autores às mediações dos debates, passando pela leitura das obras e até à confecção dos programas, estudantes, escritores, professores, instituições culturais, editores, agentes literários atuam conjuntamente na realização deste evento.

Não tenho palavras para agradecer os inúmeros colaboradores das diversas edições do Printemps sem os quais este evento não existiria. Não citarei aqui nomes por temer esquecer alguém. Prefiro, no entanto, evocar ao ambiente agradável dos encontros, os laços de amizade que se constituíram desde 2014, a enriquecedora experiência cultural em torno da língua portuguesa num espaço de ensino francês, os debates interessantíssimos realizados durante o evento, bem como seus inúmeros desdobramentos em cafés por Paris.

Em suma, evoco aqui as característica de um evento que desde o seu início buscou valorizar recursos que constituem, em minha opinião, o âmago da literatura: seus recursos humanos.

Para a próxima edição do Printemps, que acontece entre os dias 21 e 31 de março, homenagearemos, entre outras, a literatura de língua portuguesa para crianças e jovens que, de altíssima qualidade, ainda é pouco conhecida na França.

Para além das atividades em sala de aula, serão organizados em Paris encontros, leituras, lançamentos de livros, exposições e ateliês em espaços institucionais (Embaixada do Brasil na França, Fundação Gulbenkian, Maison du Brésil, Maison de l’Amérique Latine, Maison de la culture du Japon à Paris) e de ensino público (escolas primárias e de ensino médio). O estande do Brasil do Salon du Livre de Paris também receberá alguns autores convidados pelo Printemps para sessões de autógrafo.

Esta homenagem, sugerida aliás por uma de minhas estudantes em 2014, contará, por um lado, com a colaboração de Simone Paulino e Veronica Lessa, que aceitaram participar da organização do evento e a quem agradeço pelo entusiasmo e o profissionalismo.

Durante o evento lançaremos igualmente a antologia Olhar Paris, publicada pela Editora Nós, que reúne textos dos participantes das duas edições anteriores do Printemps Littéraire e cujas belíssimas ilustrações foram realizadas por Eloar Guazzelli.

Por outro lado, o evento vai expandir-se para além das fronteiras parisienses. Encontros paralelos acontecerão na Universidade de Leiden (Holanda), organizado pela professora Sara Brandellero; em Berlim, na Embaixada do Brasil, e em espaços culturais, sob a responsabilidade de Antonio Salvador (escritor e professor) e Luciana Rangel (jornalista e criadora do Círculo Literário de Berlim) e durante a Feira do Livro Infantil e Juvenil de Bolonha, graças à atuação de Verônica Lessa e do escritor Roberto Parmeggiani.

Em breve disponibilizaremos o programa definitivo desta 3° edição do Printemps Littéraire Brésilien pela mídia e pelas redes sociais. Mas desde já deixo aqui em aberto meu convite a todos os atores do livro no Brasil e no âmbito da lusofonia para que participem desta e das próximas edições do Printemps Littéraire Brésilien.

Vive le Printemps !


* Leonardo Tonus é Maître de Conférences, Coordenador do Departamento de Estudos Lusófonos na Université Paris-Sorbonne (França) e Coordenador do Programa de Intercâmbio PLI ( Programa de Licenciatura Internacional) com diversas universidades brasileiras. Membro do Conselho Editorial e do Comitê de Redação de diversas revistas internacionais, atua nas áreas de literatura brasileira contemporânea, teoria literária e literatura comparada, com pesquisas sobre imigração. Publicou vários artigos sobre autores brasileiros contemporâneos e coordenou (ou co-organizou) a publicação, entre outros, dos ensaios inéditos do escritor Samuel Rawet (Samuel Rawet : ensaios reunidos, 2008), do número 41 da Revista Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, da edição da Revista Ibéric@l, em torno da nova cena literária no Brasil e da Edição Especial da Revista Pessoa em francês, la Littérature Brésilienne Contemporaine. Condecorado chevalier em 2014 na ordem das « Palmes Académiques » pelo Ministério da Educação francesa, e, em 2015, Chevalier na ordem « Des Arts et les lettres », pelo Ministério da Cultura da França, foi nomeado Curador pelo Conseil National du Livre na França do Salon du Livre de Paris de 2015. Em Setembro de 2014 participou da Delegação Oficial brasileira no Salão do Livro de Göteburg (Suécia) e, em 2016, organizou a exposição « Oswald de Andrade : passeur anthropophage » atualmente em cartaz no Centre Georges Pompidou em Paris.

[24/02/2016 20:12:17]