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O que se passa com as Bienais?
PublishNews, Henrique Farinha, 09/10/2015
Para Henrique Farinha, o modelo de Bienais está esgotado e precisa ser repensado com urgência

Para Henrique Farinha, público adolescente que lota as Bienais deveria ser encarado como 'segmento de entrada' | © Bienal do Rio
Para Henrique Farinha, público adolescente que lota as Bienais deveria ser encarado como 'segmento de entrada' | © Bienal do Rio
Depois de um recesso, cá estou eu de volta para falar de um assunto que ronda as cabeças de todos no mercado: essas são as Bienais que queremos? É conhecida minha postura crítica em relação ao formato vigente. Meu artigo do ano passado sobre a Bienal-SP repercutiu muito. Quando Luis Torelli assumiu seu mandato na CBL, convidou-me a fazer parte da comissão da edição de 2016. E eu aceitei. Por quê? Porque penso ser uma causa. Muito além de criticar e assistir passivamente, é preciso colaborar. Ou ao menos tentar. Vi receptividade para isso. Só não assumi ou fiz força por cargo nenhum. Faço parte da comissão, participo das reuniões, dou ideias quando julgo oportuno e ajudo no que for possível, mas mantenho a minha independência e a exercerei sempre que necessário.

O modelo criado pela Bienal-SP e reproduzido em muitos locais está claramente esgotado. Carece de muitas coisas. As mais importantes, das quais inúmeras outras decorrem, como a precariedade da organização de grande parte dos eventos, e que mais me incomodam são as seguintes:

  • Posicionamento inadequado. Viraram eventos que atendem principalmente aos que vendem infantis, infanto-juvenis e saldos. A indústria é muito mais do que isso e, a cada edição, há mais dificuldade em se ocupar os espaços disponíveis. Grandes editoras, mesmo com catálogos dessas linhas, fazem contas e dizem “não, obrigado”. Sem posicionamento devidamente ajustado e atraente, é muito mais difícil, por exemplo, contar com patrocinadores de longo prazo. Consequentemente, recorre-se ao velho recurso tupiniquim de passar o pires entre estatais e ministérios. Isso será cada vez mais difícil nos próximos anos e ninguém quer associar sua marca a um evento marcado por descontos, sem abranger um público mais diversificado e com real poder de compra de uma gama bem maior e representativa de produtos e serviços.
  • Foco em descontos. Não significa que não devam ser concedidos, mas quando se concentra apenas nisso, e em qualquer mercado, a mensagem ao consumidor é: “Não valorizo o meu produto e vc não precisa fazê-lo”. Esse é um ponto que, creio eu, morrerei insistindo... Os leitores de infanto-juvenis vão para verem seus autores-celebridades do momento e comprarem barbadas, e não para conhecerem o que a indústria tem a oferecer. Não sou contra a invasão adolescente, muito pelo contrário, todavia esse é um segmento de entrada. Costumo dizer que quem hoje toma os melhores Bordeaux já se embebedou com os vinhos alemães “da garrafa azul” dos anos 1980/90, os Liebfraumilch e Zeller Schwartze Katz. Ou seja, é importante tê-los e trabalhá-los como um dos públicos atendidos, mas é o primeiro degrau do mercado e o mundo não gira em função dessa vertente ora majoritária. De um lado, ouço pessoas dizerem: “Ir à Bienal? Para ver o quê? Só tem confusão, desconforto e compro com desconto na internet”. De outro, escuto muitos que organizam dizerem: “Ah, bobagem pensar nisso... Bienal é assim e pronto, para que inventar moda?!”. Ah, certo... Não podemos repensar e buscar soluções para abranger mais gente?
  • Rachas políticos. O calendário de Rio e São Paulo é definido assim. Um ano num lugar, outro noutro. Uma Bienal de cada entidade. No mercado editorial, os egos e vaidades muito acima da conta impediram o encerramento da política “café com leite”, que a República Nova enterrou em 1930... Dizer que “não há mercado” para eventos anuais em cada uma das duas maiores cidades brasileiras hoje em dia fere o bom senso e não me convence de jeito nenhum. O ano tem doze meses e dá perfeitamente para encaixar as duas, uma no primeiro semestre e outra no segundo. A Bienal de Recife rachou e resultou em dois eventos. O primeiro, em agosto, pelas informações disponíveis, foi uma catástrofe. E a Bienal propriamente dita, que vai até 12 de outubro, está menos ruim até agora, se é que é isso que se deseja. A Bienal de Salvador foi abatida em plena tentativa de decolagem. Não apenas por eles, mas principalmente por conta deles. Essas intempéries de humores geram mais bate-bocas do que resultados, e a contrapartida é a desunião e a criação de barreiras para reavaliação e mudança, isto é, serve para manter tudo como d’antes.
  • Falta visão de longo prazo. Prevalece a seguinte equação: imediatismo, arrecadação e operacionalização a qualquer preço “porque não há tempo”. Realmente, nunca haverá tempo quando se trata do evento de um ano para o outro, quando a organização depende da eleição de uma nova diretoria da entidade responsável e quando não se busca além do que já é feito. Para que mexer? Esse é o lema disseminado. E eu não me conformo com isso. Na Bienal-SP, há uma clara tentativa de mudar. Falamos nisso na última reunião da comissão, em 06/10. Temos pleno conhecimento de muito do que há por fazer. O problema é quebrar a inércia e evitar o argumento eterno da falta de tempo. A questão é: se não der na próxima edição, não podemos fazer na de 2018? Ou de 2020? Ou de 2022? Por que não repensamos o modelo paralelamente às necessidades de curto prazo, transformando a Bienal numa unidade de negócios dentro da entidade para tratá-la profissionalmente, identificando o que há para mudar e planejando as alterações para cada edição, reposicionando-a aos poucos, independentemente de quem comandará a entidade? Vamos romper a visão operacional e política e atuar como agentes ativos do mercado, ou manteremos nosso comodismo, reclamando sem agir ou agindo sem transformar, cobrando dos dirigentes eleitos como se não fôssemos os reais culpados dos problemas? Quem não se expõe e participa dificilmente verá alguma mudança concretizada. Esperar que os outros façam ou surja o Messias a nos salvar é quase uma tradição nacional, e sabemos de cor o que acontece.

Nós estamos com a palavra e detemos o poder de rever, reformular e ir além. Cabe-nos avaliar e decidir o que queremos. A hora é agora. Este artigo, assim como o anterior, não pretende trazer soluções, e sim provocações. O objetivo é instigar, e não dar a última palavra ou esgotar o assunto. Espero tê-lo cumprido e que venha o debate. Até a próxima coluna!

Henrique Farinha, economista pela FEA-USP, pós-graduado em administração e marketing pela FGV-SP e mestrado em marketing por concluir na PUC-SP, fez carreira no varejo e entrou no mercado editorial em 1996. Passou por grandes editoras como diretor editorial e diretor-geral. Atualmente, é presidente e publisher da Editora Évora, que publica os selos Évora e Generale. Em sua coluna, Farinha vai tratar de temas de gestão – e, de preferência, polêmicos - ligados ao mercado editorial. Finanças, marketing, aquisições, programas de governo, enfim, tudo aquilo que nos afeta e não há visão consensual, mas uma enorme vontade de analisar, opinar e abrir discussão.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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