Sou escritora há mais de 20 anos, autora de mais de uma dezena de livros. Entre eles, obras infantis, poesia, crônicas, contos, textos técnico-didáticos, entre outros. A batalha é longa e lenta. Menos quando acontece uma polêmica.
Meu poema “Ciuminho básico” ganhou até capa de jornal sensacionalista, na semana corrente, em razão de ter sido distribuído acidentalmente para crianças, em uma escola da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Descuido, azar, falta de letramento literário, digital, etc. Tudo no mesmo imbróglio. E tudo porque eu participaria de um lindo festival literário, que funcionou e deu certo.
Os jornais, especialmente os televisivos, acharam de me classificar de “sórdida” e de me acusar de incitação à violência. Os redatores dessas pérolas não seriam aprovados no ENEM. Uma das habilidades necessárias a um bom leitor é relacionar o título ao texto, coisa que foi negada ao meu poema.
O leitor tem o direito de gostar ou não. O escritor está livre para escrever, publicar e ter sua obra circulando pelo mundo, especialmente em tempos de web e de redes sociais. Hoje, sou uma escritora “de poemas eróticos”. Pura descontextualização. Eu não estaria menos orgulhosa se fosse, mas a verdade é que, de todos os meus poemas, que tratam de amor, desamor e outras questões, apenas alguns empregam palavrões. Inclusive em meu próximo livro. Tomara que haja espaço bacana para ele nos jornais.
Escrevi sobre uma sarcástica mulher ciumenta, que deseja proteger seu homem das outras, coisa, aliás, impossível na vida real. Os palavrões estão cuidadosamente aplicados. Como uma ciumenta furiosa chamaria as partes do corpo? Por seus nomes científicos? Chegaremos logo a isso, se depender da imprensa e das coerções que a escola sofre, quando o assunto é a aula de literatura.
Agradeço antecipadamente pelos leitores que sabem o que são poemas, eus líricos e livros inteiros. Sou professora e quero crer que formaremos cidadãos que lidem com as palavras de maneira mais consciente, inclusive podendo escrever e sacudir a vida, como meu poema fez. Também quero acreditar que tudo isso não seja apenas o afã da mídia para desqualificar, sempre, tudo o que é público, especialmente a escola, incluindo posições políticas e o costumeiro tratamento irresponsável que dão aos temas da educação e da cultura.
Ana Elisa Ribeiro nasceu em 1975, em Belo Horizonte, onde vive. Trabalha no CEFET-MG, onde gosta de incentivar os alunos a ler e a escrever. É autora de várias obras, entre eles a coletânea de poesias Anzol de pescar infernos (Patuá, 100 pp., R$ 35) e o livro de crônicas Meus segredos com Capitu (Jovens Escribas, 166 pp., R$ 30), ambas finalistas do Prêmio Portugal Telecom de 2014. Também é conhecida como mãe de um perspicaz garoto de 10 anos chamado Dudu.
Livro grátis
Clique aqui para baixar gratuitamente o livro Fresta por onde olhar, que traz uma coletânea de poemas de Ana Elisa Ribeiro, incluindo uma versão light de "Ciuminho Básico". A versão que causou furor nas Gerais pode ser lida no blog de Antonio Miranda.
Nota do editor
A escritora mineira Ana Elisa Ribeiro virou o pivô de uma polêmica quando um poema seu de conteúdo erótico foi equivocadamente distribuído para alunos da 5ª série de uma escola municipal de Santa Luzia (MG). O texto foi indicado aos pré-adolescentes em função da participação da escritora no II Festival Literário de Santra Luzia, realizado nos dias 29 e 30/4. Ana Elisa foi convidada por ser autora de livros paradidáticos, como por exemplo o divertido O e-mail de Caminha (RHJ Livros, 112 pp., R$ 33). Quando alguns pais leram o poema, a reação foi digna de uma pequena inquisição. O caso virou denúncia na prefeitura da cidade, ganhou capa de jornal e foi parar em noticiários televisivos. "Se em um jornal das 10 horas da noite a gente não pode reproduzir o poema, vocês imaginem então o que está escrito ali", declarou a apresentadora da RedeTV. "Uma pessoa normal nem leria isto", afirmou a mãe de um dos alunos. Tais julgamentos, claro, foram feitos fora de contexto e sem um mínimo de bom senso literário. O PublishNews convidou Ana Elisa Ribeiro para expressar como se sentiu diante de toda a polêmica da forma predileta de qualquer escritor: por meio de um texto.