Somos nós na indústria que precisamos saber programar
PublishNews, 12/03/2015
Algo que afeta todas as indústrias é o problema de conseguir sistemas que conversem um com o outro. Como indústria estamos bastante atrasados nisso.

Tenho uma confissão horrível: Ainda uso meus dedos para fazer contas mentais. Depois de duas décadas no mundo comercial posso fazer contas de “vendas menos custo das vendas igual a margem” dormindo, mas me pergunte quanto é 14 mais 27 e vou contar nos dedos, só para ter certeza. Então por causa desta fraca capacidade natural, junto com um diploma na área de artes (arqueologia, e não do tipo estatístico e analítico, mas o vago “juntando estes pauzinhos temos um antigo rito de passagem”), vocês nunca iriam pensar que eu acabaria me tornando uma programadora profissional de Ruby on Rails aos 40 anos.

Sim, eu completei minhas dez mil horas. Desde 2011 passei uma média de oito horas por dia treinando e programando em SQL, Ruby, Rails, Javascript, CSS e HTML.

Posso ser inútil em aritmética, mas, dá para ver, adoro padrões. Sou pianista e artista. Gosto de palavras, simetria e brevidade. Escrever códigos trabalha vários dos centros de prazer no meu cérebro. E adoro sentir que estou fazendo algo importante, criando algo do nada. Além disso, a inerente dificuldade de escrever bons códigos é uma fonte de muito orgulho.

Também sou alguém que é razoavelmente cabeça-dura e determinada, que não aguenta fazer uma tarefa chata mais de uma vez - e sou uma editora independente, que não é um conjunto da população conhecida por sua grande riqueza. Entre ter que encontrar alguém que, por £ 150 mil, transforme minhas ideias em código, ou simplesmente ler aqueles livrões técnicos e investir algumas horas, a decisão não é difícil.

A principal razão para gastar tanto tempo aprendendo a codificar, no entanto, foi o desejo de resolver um problema urgente. Desde que confundei a Snowbooks em 2003, quis um sistema para me ajudar a gerenciar o negócio da forma que eu achava necessária – com todos meus dados em um lugar, com a ausência de duplicações, com o mínimo de esforço possível para entrada de dados– para me resgatar do caos organizativo. Sempre quis que computadores fizessem o trabalho duro para mim, assim posso ficar com a parte editorial, como o design de capa ou imaginar novas formas de vender livros. Em outras palavras, quero ser uma criadora, não uma administradora.

Quem entra no mercado para passar seus dias digitando metadados em planilhas e PubWeb e templates de InDesign AI?

Os sistemas integrados que cobrem metadados, ONIX, produção, royalties, contratos, direitos, permissões, agendamentos – tudo, na verdade – existem, mas você terá que vender sua casa para poder comprá-los. Então estive programando meu próprio sistema que é tudo isso e mais, e depois de quatro anos de desenvolvimento ativo, com uma equipe crescente de programadores, ele está maravilhoso. Deem uma olhada em Bibliocloud.com para ver os frutos de nosso trabalho.

Dez mil horas depois, tenho dedos mágicos! Consigo pensar numa ideia para um app, ou um site, ou um pequeno programa que me ajude a automatizar uma tarefa chata ou recebo um pedido para o Bibliocloud, e voilà – digito o código. Sem necessidade de fazer um briefing para outras pessoas. Sem reuniões para chegar a um acordo sobre orçamentos. Sem nenhuma discussão para se desconectar. Sem necessidade de explicar minha ideia para um desenvolvedor que levará a muita frustração dos dois lados porque estamos falando idiomas diferentes. Eu simplesmente vou e escrevo o código. E desfruto dos resultados

Agora eu ocupo esta zona onde conheço muito sobre edição comercial e sobre código.

Aos programadores, eu diria isso.

Vocês deveriam saber mais sobre edição. Existem muitos apps porque seus criadores achavam que o código ficaria legal. O código provavelmente é legal, mas você caminha pelos corredores das feiras do livro e vê que ninguém está fazendo fila no stand que apresenta mais uma plataforma de entrega de e-books. O modelo de SaaS “pode programar que eles aparecerão”, só funciona, obviamente, se você fizer algo que as pessoas realmente estão precisando. Então:

- Comece uma microeditora.
- Tente vender um livro para uma livraria grande
- Escolha uma gráfica de acordo.
- Escreva um contrato que não confunda seus autores.
- Tente atualizar a tabela de metadados do Ingram

Vai terminar sua primeira semana como editor com centenas de ideias para soluções que responderão a problemas reais. Completely Novel e Valobox são bons exemplos disso. A equipe conhece todos os detalhes reais de trabalhar com autores, gráficos, etc, por administrar a plataforma de autopublicação Completely Novel. Significa que o empreendimento deles, Valobox, foi desenvolvido, desde o começo, com um bom conhecimento da indústria – e isso fica evidente.


Para os editores, eu diria isso.

Existem muitas ideias para que um pequeno – ou grande – programa melhore o processo editorial. Nossa indústria está construída sobre dados:


- Metadados descritivos
- Dados de vendas vindos de muitas fontes
- Dados de leitores
- Dados de campanha online
- As palavras que publicamos e a forma como estão estruturadas em conjuntos maiores de conteúdo

Está tudo lá esperando para serem encurraladas, exploradas e arranjadas em padrões que nos ajudem a editar melhor. E se não aprendemos a usar todas as ferramentas técnicas que existem, então quem é de fora vai construir coisas sozinhos. Estamos vendo isso agora, e pelas coisas que estão construindo, apesar de serem interessantes, são apenas uma sombra do que poderiam ser pois eles não conhecem o mercado editorial como nós.

Você não precisa ir tão longe quanto eu. Aprender o fundamental seria suficiente para que você tenha uma conversa decente com um desenvolvedor. Os benefícios são claros: você vai saber o que é tecnicamente possível, mais ou menos, assim economizará tempo e energia. Você será capaz de saber se o desenvolvedor está respondendo de forma sensível a suas especificações, e vai saber o suficiente para ser capaz de olhar para a proposta dele ou dela e a estimativa de custo, e ver se é razoável. Mas aposto que este bichinho vai mordê-lo.


Algo que afeta todas as indústrias é o problema de conseguir sistemas que conversem um com o outro. Mas o problema está resolvido! Só a indústria do livro não resolveu. Como indústria estamos bastante atrasados nisso. Há todas essas planilhas e arquivos CSV e pastas FTP que mesmo as grandes empresas ainda usam para transferir dados de forma lenta e frágil, entre distribuidor, e-commerce, metadados, royalties, direitos, CRM e outros aplicativos editoriais. As APIs modernas são convenções claras e bem documentadas para conseguir que os aplicativos conversem entre si. É preciso uma manhã para escrever uma JSON API curta e simples, e um mês para testar e fazer a iteração. Mas só existe umas poucas APIs de livros bem-mantidas por aí – por exemplo a Product Advertising API da Amazon, do Goodreads, do Google, uma ou duas das grandes editoras (e a do Bibliocloud, claro).

Esta é a oportunidade para dar um basta na implacável terceirização de habilidades

Como indústria, realmente corremos o risco de limitar nosso escopo de sermos intermediários.

Geralmente não escrevemos os livros, nem revisamos, nem diagramamos, tiramos fotos, desenhamos as ilustrações, criamos os e-books, programamos os apps, imprimimos o papel ou enviamos os livros. Nossa indústria esteve terceirizando tudo que podia durante anos. Com o código, temos uma chance de retomar o controle.


A questão é que somos nós na indústria que precisamos saber codificar. Você não sabe quantos livros mais poderá vender, quantos outros leitores pode envolver, quanta justiça pode fazer ao texto do autor, até ter o conhecimento técnico para criar as novas ferramentas e novos aplicativos que ninguém pensou antes.

Por onde começar? Você pode fazer o curso gratuito de Rails na Codeacademy.com. No final conseguirá programar sua própria versão do Etsy. Ou pode comprar um livro por $ 49 – The Rails Tutorial de Michael Hartl – e passar um dia por semana com ele pelos próximos seis meses. No final de seis meses, terá escrito o Twitter. Sim: você terá conseguido escrever sua própria versão do Twitter. Com suas próprias mãos.

Acho incrível que exista tanta oportunidade para o mercado do livro, e tanta escassez de habilidades para aproveitá-la, com um apetite aparentemente muito pequeno para mudanças. Faça de 2015 o ano em que você vai aprender a programar – para o bem da nossa indústria.

[11/03/2015 21:00:00]