London Calling
PublishNews, 05/11/2014
London Calling

O escritório do PublishNews tem algo de mágico, não dá para explicar, parece que um ‘Deus do Karma Bom da Vila’ mora naquele prédio. No meu último dia, eu fechei a porta daquele QG entupido de livro e pensei "Quando eu estabilizar minha vida em Londres eu crio uma coluna e volto pro time".

Eu pisquei e onze meses se passaram. Se estabilizar em Londres é difícil, gente! E, em minha defesa, eu tentei escrever sobre a briga marrenta Amazon-Hachette, mas a cada revisão uma nova carta aberta e raivosa aparecia na internet, até que o CEO da Kobo entrou na história pelo Twitter e eu vi que já não estava entendendo mais nada (acabo de ver no meu e-mail que o agente Andrew Wylie entrou na briga agora).

Mas vamos então a London Calling. A ideia é trazer as novidades, tendências e “bafos” do mercado editorial da terra do bebe George (não mais a ‘Terra da Rainha’). Nessa primeira coluna eu queria fazer um pot-pourri do que vi de mais interessante esse ano.

Eu particularmente achei 2014 ‘morno’ em termos de novidades para o mercado britânico. Livrarias reclamando, mercado internacional se consolidando, Amazon brigando com todo mundo, livro YA explodindo mundo afora, enfim, o de sempre. Mas vale a pena relembrar algumas coisas.

Consolidações

Depois do terremoto vulcânico da fusão Penguin Random House em 2013, este foi um ano de mais consolidações (no Brasil inclusive) e mundo afora:

Hachette comprou Perseus e distribuidora Ingram. HarperCollins comprou Harlequin, chegou na Alemanha - vejam o CEO Pannel com o CEO aqui. A Bonnier comprou a Igloo books. Wylie Agency se juntou a Carmen Balcells. Com certeza eu esqueci alguma. Teve até consolidação dentro de consolidação com os departamentos infantis da Penguin Random House e na Hachette (inception?)

Não há como ou porque evitar a tendência de consolidação. Talvez no futuro veremos uma única mega editora PanPenguinHarperHachetteCollinsRandomSimonHouseMacmillanSchuster. Não sei. Só sei que ela estará brigando com a Amazon.

Mas, se as grandes estão amalgamando, sempre há um vácuo criado, onde entram the brave ones. Talvez seja uma mistura de achismo e otimismo da minha parte, mas a cada ano que passa, mais leitores acordam para a literatura estrangeira por aqui – aliás, não sabia que existia tantas editoras que publicavam traduções no Reino Unido.

Digital

2014 era para ter sido o ano da explosão do modelo de assinatura de e-books. O CEO da HarperCollins diz que o modelo está dando muito certo e algumas iniciativas se aventuram agora no mercado infantil. Sempre existem alguns percalços: acusações de pirataria, um preço ainda não muito camarada para alguns, etc. Mas parece que vai bem sim, afinal, adivinha quem resolveu entrar na jogada? All in all, o modelo está lá ainda, naquele limbo “deu certo, mas ainda não está dando super certo”, tão típico do mercado editorial – e de start-ups em geral.

Aliás, como anda a onda de livros por assinaturas das telecoms por aí, gente?

Livrarias

Outra tentativa de coluna esse ano foi quando eu fui para a abertura da Foyles, em junho. A Foyles eh uma livraria tradicional que se mudou para um prédio novissimo e chiquérrimo, onde ficava a renomada escola de artes Central St Martins. A abertura fermentou o eterno caso de amor que os ingleses têm com livrarias. Para o lançamento fizeram uma semana de debates, um dos quais era sobre o futuro das livrarias.

Empolgada, lá fui eu para a nova linda e livraria em Charing Cross, a rua mais tradicional de livrarias em Londres. Subi no elevador high-tech e tirei meu moleskine genérico da bolsa. A empolgação morreu assim que ouvi os debatedores falando de "cheiro do livro" e perguntando quem na plateia não comprava livros pela Amazon por questões morais (três pessoas mentiram).

A BAMB - Books Are My Bag continua firme e forte (ao contrário das bolsas da campanha, que sempre rasgam). O engajamento é realmente incrível, atores e personalidades famosos fazem parte dos entusiastas e a semana da campanha – com direito a Super Thursday – foi realmente algo que movimentou a cidade. Até o James Patterson esse ano resolveu Make it Rain nas livrarias independentes aqui (como fez nos EUA em 2013).

De fato, a situação livreira não parece tão trágica mais. Até a Waterstones, por exemplo, conseguiu trocar a imagem de livraria da sangria de demissões em massa para organizadora de sleepover após o episódio hilário do #WaterstonesTexan: um turista americano ficou preso dentro de uma livraria da rede e recorreu ao Twitter para pedir ajuda. O Twitter, obvio, amou a historia e ninguém dormiu aquela noite.

Para o Natal, a sempre corajosa (ou utópica, dependendo do ponto de vista) editora Faber & Faber vai lançar uma pop-up store. Eu acredito que vai ser um sucesso porque, se tem uma coisa que essa cidade hipster ama, sao coisas pop-up (eu assisti Brasil x Colômbia num bar pop-up dentro de uma ponte, chamado Fat Ronaldos. Para mim isso é a definição de hipster).

Finalmente, o e-commerce continua crescendo. Novas livrarias online de médio e grande porte apareceram por aqui esse ano, como a Great British Bookshop e a Best Little Bookshop – claramente, a próxima inovação do setor será arranjar nomes mais criativos. Porém, o que eu considerava a grande ideia do ano, a My Independent Bookshop da PRH lançada na Feira de Londres, ainda não decolou com força total.

Flipside

Esse ano teve também a segunda edição da Flipside, que a Socorro Acioli cobriu aqui. Foi um evento super gostoso e eu recomendo a todos que estiverem pelas bandas ano que vem. Eu confesso que fui a pouquíssimas mesas (por motivos nerds de: obsessão amadora com óperas, que me fez passar a maior parte do festival caminhando pela praia de seixos e vento frio de Aldeburgh, absorvendo o ambiente que foi pano de fundo de Peter Grimes, ópera sobre um pescador louco e assassino. Muito legal).

Só o cenário do festival já vale a pena, são vários lapsos espaço-temporais: famílias inglesas comendo coxinha, ao som de forró, em uma fábrica de cevada transformada no pós-guerra em centro de música clássica, na paisagem pantanosa do rio Alde.

O que eu achei mais original foi a “Translation Slam”, onde as tradutoras Zoe Perry e Lucy Greaves saíram do mundo abstrato da teoria da tradução e colocaram a mão na massa, comparando com lupa suas traduções de um texto do Daniel Galera. Eu sai de lá com a certeza de que nunca vou conseguir usar a vírgula corretamente, em nenhuma das línguas.


E agora?

E em 2015? Veremos uma volta do modelo de agencia? Uma onda de festivais literários virtuais? Fica para a próxima coluna. Estou no Twitter e acompanhando o PublishNews pelo Facebook. Adoraria ouvir sugestões, comentários, dúvidas e “Alôs!” dessa terra que me mata de saudades.


Até a próxima, ou, como dizem os ingleses: TTFN (“ta ta for now”)

[04/11/2014 22:00:00]