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Amazon – Abominada, detestada e amplamente usada
PublishNews, 08/04/2014
Amazon – Abominada, detestada e amplamente usada

Esta semana a Amazon anunciou (nos EUA) o lançamento de um acessório de streaming de programas de televisão, para competir com a Apple e outros fabricantes desse tipo de coisas. Mais barato. E soube-se também, extraoficialmente, que a loja brasileira vai começar a vender livros físicos nas próximas semanas. A empresa nem confirmou nem comentou a notícia sobre a filial brasileira, como é seu hábito. Jamais faz isso e sempre parte para os fatos consumados.

Já escrevi por aqui alguns posts comentando determinados aspectos da operação “amazoniana”. Depois de ler, em inglês, The Everything Store- Jeff Bezos and the Age of Amazon, do Brad Stone, soube também que a tradução brasileira acabou de ser lançada, pela Intrínseca (olhem só, a edição brasileira é mais barata que a original na loja Kindle, o que não é algo muito frequente), eu resolvi consolidar algumas observações.

No discurso inaugural da London Book Fair, esta semana , o autor Anthony Horowitz (autor de uma série infanto-juvenil muito popular em inglês, com alguns títulos em português, e de um romance em que faz renascer Sherlock Holmes), disse que eles são “realmente uns cretinos do mal, que eu abomino e temo, mas que, é claro, uso o tempo todo”. Talvez tenha dado, com a frase, uma definição sucinta do sentimento de muita gente que trabalha e pensa sobre a indústria editorial. Os clientes que não são dessas categorias simplesmente “usam o tempo todo” a Amazon.

Como Brad Stone deixa bem claro no livro, Bezos é um sujeito implacável, extremamente detalhista e controlador, planeja muito bem o que faz e dificilmente recua. Seu objetivo, declarado, é realmente se tornar o maior varejista do mundo. Esmagando a concorrência, com uma tremenda vocação monopolista.

Jeff Bezos trabalhava em uma corretora de valores de Nova York com um perfil altamente tecnológico. Lá começou a planejar a criação da Amazon, disposto a explorar ao máximo as possibilidades tecnológicas para o desenvolvimento do que viesse fazer.

Dick Howorth, que foi presidente da ABA, convidado para um dos Encontros de Editores e Livreiros da CBL no começo dos anos 2000, comentou na ocasião (arrependido) que deu aulas para Bezos no curso que a associação mantém para formação de futuros livreiros. Certamente Bezos já sabia de algumas características do mercado editorial, mas o curso reforçou e explicitou melhor algumas delas: a) as editoras financiam os livreiros. Como, aliás, de certa maneira todas as indústrias financiam os vendedores de seus produtos, já que os desenvolvem e fabricam antes de vendê-los. Mas a indústria editorial possui uma diversidade de produtos imensa, inexistente em qualquer outro segmento industrial; b) a pretexto de que as livrarias necessitam manter grandes estoques dessa variedade enorme de títulos, desde há várias décadas, as editoras estabeleceram um sistema de permissão de devoluções dos itens não vendidos, o que alivia de forma notável as necessidades de capital de giro. Em 1925, a Simon&Schuster se tornou a primeira editora a oferecer aos livreiros “o privilégio” de devolver livros não vendidos por crédito.

Outro aspecto importante do raciocínio de Bezos, segundo Brad Stone: para ele livros “eram commodities puras; o exemplar de um livro era idêntico ao mesmo livro vendido em outra loja, de modo que os compradores sempre sabiam o que estavam querendo. Naquela época, havia apenas dois distribuidores primários de livros, Ingram e Baker & Taylor, assim um novo varejista não teria que contatar individualmente milhares de editoras. E, mais importante, havia três milhões de livros disponíveis no mundo inteiro, muito mais que uma superloja Barnes & Noble ou Borders poderia estocar”.

Bezos decidiu iniciar seu projeto de modo a explorar o mais amplamente possível essas características.

Outra característica de Bezos é seu horror a impostos. A história da Amazon é pontilhada de batalhas contra o pagamento de impostos, em particular o IVA. Disso decorreu a escolha de Seattle para sede da companhia. O estado de Washington, no noroeste dos EUA, é sede de grandes empresas de tecnologia. A Microsoft está em Redmond, por exemplo. Mas é um estado com uma população relativamente pequena. E, na época, era praticamente inexistente o pagamento de impostos para transações via Internet com vendas para moradores de outros estados. Ou seja, a Califórnia e toda a Costa Leste, onde se concentra a população dos EUA, não pagariam impostos quando comprassem pela Amazon. O nome, aliás, é uma amostra das ambições megalômanas de Bezos: o maior rio do mundo emprestaria seu nome para a maior loja do mundo!

Mas sua grande sacada foi de uma simplicidade genial: iria vender à vista o que comprava a prazo, sem nenhum risco. Tinha que investir no atendimento, na logística. E “enganchar” os clientes oferecendo sempre o menor preço possível. Menos do que qualquer concorrente.

A venda por cartão de crédito, à vista, gera um fluxo de caixa permanente depois que se esgota o prazo do primeiro pagamento da operadora para a loja. O raciocínio de Bezos era sempre conseguir que os fornecedores lhe entregassem os livros com a maior rapidez possível. Ele manteria em estoque apenas, e tão somente, a quantidade de itens que girasse no prazo entre o pedido ao distribuidor, ou editora, e a entrega do produto no depósito da Amazon. Por isso, quem compra na Amazon (livros físicos ou qualquer outra coisa), vê na descrição do produto uma quantidade ridiculamente baixa de itens em estoque, mesmo dos best-sellers. A Amazon só estoca o estritamente necessário para cobrir esse intervalo. No entanto, seu catálogo oferece sempre a maior seleção de produtos de cada categoria.

Diz Brad Stone: “Amazon se gabava do que chamava de ciclo operacional negativo. Os fregueses pagavam com seus cartões de crédito quando os livros eram despachados, mas a Amazon acertava as contas com os distribuidores apenas a cada alguns meses. Com cada venda, a Amazon depositava mais dinheiro no banco, proporcionando um fluxo contínuo de capital para financiar suas operações e expansões”. E mais: “ao contrário dos varejistas de tijolo e cimento, cujos inventários se espalhavam por centenas ou milhares de lojas pelo país, a Amazon tinha um website e, naquele momento inicial, apenas um depósito e um estoque”.

Essa estratégia permitiu a Bezos se gabar de ser uma loja “centrada no cliente”, pelo preço e pelo serviço. Na verdade, eram os primeiros passos para a criação de um verdadeiro ecossistema, no qual os clientes entram pela comodidade, preço e serviço. Mais adiante, com o lançamento do Kindle, esse esquema se reforça. O Kindle usa um sistema que havia sido desenvolvido pela Palm, o Mobi, adquirido pela Amazon, ao qual se acrescentou um DRM próprio. Dessa maneira, os livros eletrônicos comprados na Amazon só podem ser lidos nesses aparelhos ou em apps da loja. Os demais varejistas de e-books adotam o formato e-pub, que pode ser lido em qualquer aparelho (menos no Kindle).

Os investimentos em tecnologia são maciços e constantes, apesar do preço baixo cobrado do consumidor final. O que gera um “ciclo virtuoso” à la Amazon. Quanto mais a empresa cresce e fatura, mais valorizadas suas ações. Dessa maneira, nem precisam mostrar lucros contábeis, já que a constante valorização do investimento deixa os acionistas perfeitamente satisfeitos.

Certamente a estratégia teve muitos percalços. Acompanhar o crescimento das necessidades de logística, garantir a satisfação dos clientes é e sempre foi uma tarefa hercúlea, com sucessivas mudanças e aperfeiçoamentos de sistema, inclusive de manuseio do estoque, e acusação de exploração brutal dos trabalhadores temporários na época das festas de fim de ano.

A legislação americana não permite manipulação por parte das editoras no desconto oferecido aos varejistas pelas editoras. Mas, como antes, Bezos aproveitou o que já existia. A chamada “publicidade cooperativa”, mecanismo pelo qual as editoras pagam pelo menos parte dos custos promocionais dos livros. A Amazon usa despudoradamente seu poder para obrigar, principalmente as pequenas e médias editoras, a pagar adicionais pelo uso do botão de comprar com um clique, a presença nas listas de recomendados, etc. Esses recursos entram no overhead geral da empresa e permitem a manutenção dos preços baixos.

As histórias contadas por Brad Stone em seu livro são fantásticas. O crescimento para outras categorias de produtos, as disputas esmagadoras com fornecedores, a briga (paulatinamente perdida) pela não cobrança de impostos. Finalmente, a disputa com os editores que adotaram o “modelo de agenciamento” com a Apple, caso em que o Departamento de Justiça dos EUA fez o trabalho pela Amazon.

Se a Amazon vende mais barato, presta um grande serviço aos seus clientes, qual o problema?

Na verdade, vários. Que podem ser sintetizados em uma formulação mais geral: o processo de acumulação capitalista sem limites e regras conduz à destruição dos modelos produtivos. É um motor de progresso, sim. Mas pode também ser muito perigoso. O exemplo recentíssimo da crise financeira – peculiar em muitos aspectos, é certo – é o exemplo mais atual e dramático disso.

A indústria editorial, além de estar sujeita a essa mesma dinâmica, tem a peculiaridade de expressar a diversidade cultural da humanidade. A sede monopolista da Amazon ameaça esse sistema mais geral. Isso, por si só, exige um determinado grau de regulamentação no funcionamento da indústria.

Ora, a tendência nos EUA é sempre a desregulamentação geral. E se a empresa oferece melhores preços para os clientes finais, azar dos outros.

As autoridades europeias, apesar da inclinação para seguir o modelo dos EUA, mantêm fortes restrições a essa desregulamentação geral, e em particular na indústria do livro. Em vários países as leis que regulam os preços finais continuam em vigor e foram, ou estão sendo estendidas, ao livro eletrônico. E as práticas laborais da Amazon já resultaram em greves e em ações governamentais na Alemanha. Além do protesto generalizado pelo fato da empresa dos EUA se beneficiar das isenções ficais de Luxemburgo para fazer o que os demais varejistas caracterizam como concorrência desleal e ilegal. Vamos ver no que dá.

Assim, meu amigos, cuidado: o monstro é sedutor e muito eficiente. Se deixarem, papa tudo e todos.

Felipe Lindoso é jornalista, tradutor, editor e consultor de políticas públicas para o livro e leitura. Foi sócio da Editora Marco Zero, diretor da Câmara Brasileira do Livro e consultor do CERLALC – Centro Regional para o Livro na América Latina e Caribe, órgão da UNESCO. Publicou, em 2004, O Brasil pode ser um país de leitores? Política para a cultura, política para o livro, pela Summus Editorial. Mantêm o blog www.oxisdoproblema.com.br. Em sua coluna, Lindoso traz reflexões sobre as peculiaridades e dificuldades da vida editorial nesse nosso país de dimensões continentais, sem bibliotecas e com uma rede de livrarias muito precária. Sob uma visão sociológica, ele analisa, entre outras coisas, as razões que impedem belos e substanciosos livros de chegarem às mãos dos leitores brasileiros na quantidade e preço que merecem.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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