Publicidade
Publicidade
Foi bonita a festa
PublishNews, 16/10/2013
Foi bonita a festa

Passada a feira, o que restou?

A festa foi bonita. A programação diversificada uma presença de público significativa. Não consegui acompanhar as atividades com os autores fora de feira, mas me consta que foram várias e bem recebidas pelo público. Também não consegui visitar os museus onde havia exposições de artistas brasileiros, mas também soube que estavam bonitas, bem organizadas e com presença de público.

A quantidade de traduções de autores brasileiros, principalmente – mas não exclusivamente – na Alemanha foi muito expressiva, e deve continuar ainda. Na medida em que continue o programa de bolsas de tradução. O programa da AmazonCrossing, anunciado já no final da feira, foi uma surpresa interessante. O braço editorial da Amazon já é a editora com mais títulos traduzidos para o inglês, sinal da determinação de Jeff Bezos de investir na área editorial, dando a volta na resistência de autores americanos e ingleses, temerosos da ausência de seus livros nas livrarias, seja nas grandes cadeias, seja nas livrarias independente. A Amazon afirma que distribui e distribuirá os títulos nas livrarias, mas isso vai depender da demanda dos leitores que por eles se interessarem e não quiserem aproveitar as facilidades para aquisição que o gigante do e-varejo oferece.

No âmbito mais geral, a palestra/entrevista coletiva de Markus Dohle, o chefão da Penguin Randon House foi muito significativa. Nada mais de guerras com a Amazon e os demais integradores de e-books, disse ele, mandando a pombinha da paz para Seattle. Afirmou a importância do livro impresso, notando a diminuição do crescimento dos e-books no mercado dos EUA e na Inglaterra. Mas ninguém sabe realmente qual será o destino das livrarias independentes, lá, aqui e alhures.

As duas empresas de rastreamento eletrônico de vendas, a GfK e a Nielson BookScan fizeram apresentações de seus produtos, com enfoques diferentes. É notável o fato do Brasil ser um dos poucos países onde as duas já rastreiam a venda de livros. Ambas faziam levantamento de um grande número de produtos vendidos no varejo, mas livros não.

A reduzida presença dos editores nessas apresentações pode ser explicada pelas agendas apertadas da Feira de Frankfurt, e estou curioso para ver quem estará presente na conferência que a GfK fará no começo de novembro, em S. Paulo, sobre as tendências de vendas no varejo, inclusive de livros. Continuo com a forte impressão de que os editores – e as livrarias – não compreendem a importância dos metadados e do tratamento estatístico das vendas. A riqueza dos dados para o planejamento estratégico e tático de vendas ainda não entrou realmente no campo de visão da indústria editorial brasileira, e a maioria das empresas ainda considera isso tudo como gasto e não como investimento. Vamos ver a evolução disso nos próximos meses.

O prof. Renato Lessa, presidente da Biblioteca Nacional, matizou mais a importância do programa de bolsas de tradução, afirmando sua boa relação “custo benefício”.

Mas...

Não há certeza de que o programa de promoção da literatura brasileira se firme como uma política pública. Ainda depende da vontade dos dirigentes da BN e do Ministério da Cultura.

Dois fatos foram significativos para mostrar a precariedade desse tipo de ações.

O primeiro foi a ausência de dirigentes da nova Diretoria do Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas (aliás, nem sei mais qual o nome oficial da repartição) na Feira. Supostamente devem estar se preparando para assumir as ações que a Fundação Biblioteca Nacional, através de seu presidente, afirma não serem de sua alçada: presença nas feiras internacionais e ações outras da área. Já comentei que não se tem notícias da continuidade do programa de bolsas de residência para tradutores nem do intercâmbio dos escritores.

Era de se esperar que os novos diretores da DLLLB estivessem em Frankfurt, quando nada para participar da avaliação e ver como a coisa funciona. O professor Castilho, secretário executivo do PNLL – e usuário de outros chapéus, como o da ABEU e o da própria Fundação Editora da UNESP – estava lá, mas não os dirigentes dos seus meios de ação dentro do MinC.

E, nos jornais, já se fala que as programadas presenças do Brasil nas feiras de Bolonha e Paris, por exemplo, teriam restrições no âmbito do governo. Não se fez – ainda nem houve tempo para isso – uma avaliação sistemática dos resultados de Frankfurt, mas já se fala que sem dinheiro das editoras não se vai fazer mais nada significativo. Escrevi sobre isso e repito: as editoras não têm grande interesse na venda de direitos autorais. Já deveriam estar apostando mais na venda de livros de formato eletrônico para a grande diáspora brasileira, esses milhões de brasileiros espalhados pelo mundo, que podem ter acesso aos e-books, mas nem isso é levado a sério.

Os Discursos

Comentei em outro post os discursos da abertura da Feira, e reitero minhas observações.

Cabe mencionar aqui o discurso do Paulo Lins na “transmissão do bastão”, no encerramento da Feira. Foi muito bonito e significativo. A distinção feita entre a constatação de que vivemos em uma sociedade racista – foi muito oportuna a menção que o Paulo Lins fez de o racismo ser uma constante no Brasil e nos países europeus – mas que a composição da lista dos escritores não refletiu nenhuma posição desse tipo, e sim expressou as “condições do mercado”.

“Tudo é mercado”, disse Paulo Lins. E, certamente, um dos critérios na elaboração da lista foi o posicionamento dos autores diante do mercado editorial. Seja por sua presença atual, seja no que os curadores consideraram como potencialidades de mercado. No mais, a análise da composição da lista necessariamente deve ter um toque panglossiano: é a melhor lista possível no mundo dos curadores. Outros fossem esses, a lista seria diferente. E sofreria a mesma crítica.

Tragédia e palhaçada foi a presença do Vice-Presidente Michel Temer. As gafes – grosserias – se sucederam. Depois de chamar Marta Suplicy de Ministra da Educação, Temer pespegou a presepada do discurso propriamente dito. Bem diz Paulo Lins que isso de querer bancar o poeta é algo perigoso.

Quanto ao discurso do Luís Rufatto, já o comentei e mantenho o que disse.

Mas acrescento duas observações.

A primeira sobre a reação das autoridades brasileiras, expressadas no comportamento do Temer e em comentários da Ministra da Cultura. Não entendi. A estrutura do discurso corresponde exatamente ao que o Lula sempre disse: depois de 500 anos de opressão “pela primeira vez na história desse país”, se fazia algo para mudar a condição da população mais pobre. Acho que deviam era faturar a coincidência do discurso do Rufatto com o do Lula, da Presidente Dilma e da propaganda oficial.

O segundo ponto a ser observado no discurso do escritor, e de forma negativa, foi o uso exclusivo da primeira pessoa do singular. É até compreensível que Rufatto quisesse destacar sua experiência pessoal. Mas é bom lembrar que essas angústias expressadas no discurso, a responsabilidade dos escritores diante de uma realidade angustiante, não é exclusividade dele.

A verdade é que a literatura brasileira contemporânea tem uma quantidade excessiva de escritores solipsistas. Fazem literatura de alto nível técnico, mas o que lhes importa é seu eu e sua experiência.

Rufatto faz parte de outra tendência, a dos escritores que olham o Brasil, se colocam dentro da nossa realidade para transcender a si e às suas experiências pessoais. Essa é a turma do Rufatto. Mas este, ao reduzir as suas preocupações ao nível individual, perdeu a oportunidade de afirmar que não está solitário, e que essa posição do escritor em um país no qual a expressão “capitalismo selvagem” não é uma metáfora, não se reduz a experiência individual, por mais dura que esta seja. Nem mesmo entre seus colegas de delegação. Muitos outros escritores e escritoras compartilham dessas preocupações, sejam lá quais sejam suas trajetórias individuais, e o discurso na primeira pessoa do singular de certa forma perde força ao se esquecer disso. Até porque essa experiência da transcendência da literatura inclui os leitores e mobiliza forças muito mais profundas em nossa sociedade.

Mas a festa foi bonita.

Esperemos que não traga ressaca.

Felipe Lindoso é jornalista, tradutor, editor e consultor de políticas públicas para o livro e leitura. Foi sócio da Editora Marco Zero, diretor da Câmara Brasileira do Livro e consultor do CERLALC – Centro Regional para o Livro na América Latina e Caribe, órgão da UNESCO. Publicou, em 2004, O Brasil pode ser um país de leitores? Política para a cultura, política para o livro, pela Summus Editorial. Mantêm o blog www.oxisdoproblema.com.br. Em sua coluna, Lindoso traz reflexões sobre as peculiaridades e dificuldades da vida editorial nesse nosso país de dimensões continentais, sem bibliotecas e com uma rede de livrarias muito precária. Sob uma visão sociológica, ele analisa, entre outras coisas, as razões que impedem belos e substanciosos livros de chegarem às mãos dos leitores brasileiros na quantidade e preço que merecem.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

Publicidade

A Alta Novel é um selo novo que transita entre vários segmentos e busca unir diferentes gêneros com publicações que inspirem leitores de diferentes idades, mostrando um compromisso com qualidade e diversidade. Conheça nossos livros clicando aqui!

Leia também
Em sua coluna, Felipe Lindoso dá seus pitacos sobre a Pesquisa Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro divulgada na última segunda-feira
Felipe Lindoso resgata a história do ISBN para analisar a mudança da operação do ISBN, que deve acontecer em março próximo
Em sua coluna, Felipe Lindoso chama atenção para a importância do acervo bibliográfico e documental das bibliotecas do Museu Nacional, que foram destruídas no incêndio do ano passado
Felipe Lindoso sai em defesa do casal de sebistas processado por Edir Macedo. 'Esse processo representa um atentado à liberdade de expressão tão grave quanto o veto a Miriam Leitão e Sérgio Abranches', defende.
Em sua coluna, Felipe Lindoso conta os bastidores que possibilitaram a inauguração de uma biblioteca infantil dedicada à língua portuguesa no Japão
Publicidade

Mais de 13 mil pessoas recebem todos os dias a newsletter do PublishNews em suas caixas postais. Desta forma, elas estão sempre atualizadas com as últimas notícias do mercado editorial. Disparamos o informativo sempre antes do meio-dia e, graças ao nosso trabalho de edição e curadoria, você não precisa mais do que 10 minutos para ficar por dentro das novidades. E o melhor: É gratuito! Não perca tempo, clique aqui e assine agora mesmo a newsletter do PublishNews.

Outras colunas
Aos autores consagrados, só posso dizer: desistam. Uma vez publicado, um livro não mais pertence ao autor
Novo livro de Carla Serafim se dirige diretamente ao coração, instigando-o a trilhar o caminho do amor-próprio
Uma obra corajosa surge, iluminando os bastidores da sociedade e propondo uma análise única sobre a Rede de Proteção Social
Seção publieditorial do PublishNews traz lançamentos das editoras Ases da Literatura e da Uiclap
A autora Larissa Saldanha compartilha sua história sincera e inspiradora, revelando como por muito tempo viveu sem compreender sua verdadeira identidade e propósito
Deve-se ler pouco e reler muito.
Nelson Rodrigues
Escritor brasileiro (1912-1980)
Publicidade

Você está buscando um emprego no mercado editorial? O PublishNews oferece um banco de vagas abertas em diversas empresas da cadeia do livro. E se você quiser anunciar uma vaga em sua empresa, entre em contato.

Procurar

Precisando de um capista, de um diagramador ou de uma gráfica? Ou de um conversor de e-books? Seja o que for, você poderá encontrar no nosso Guia de Fornecedores. E para anunciar sua empresa, entre em contato.

Procurar

O PublishNews nasceu como uma newsletter. E esta continua sendo nossa principal ferramenta de comunicação. Quer receber diariamente todas as notícias do mundo do livro resumidas em um parágrafo?

Assinar