Chuteiras de papel em Frankfurt
PublishNews, 11/10/2013
Escritores se juntam em Frankfurt para uma pelada

Meu pai foi jogador de futebol. Se alguém nasce para alguma coisa, ele nasceu para ser jogador. Nos anos cinquenta ser jogador quando menino não era animador como hoje. Os garotos desafiavam suas mães, saindo sorrateiros para os campos de várzea. Meu pai chegou a jogar na Portuguesa e no São Paulo, seu time do coração, quando tinha uns 18 anos.

Meus avós árabes o reprimiam, não antevendo as possibilidades financeiras que rondavam o sobrado da família, em Santana, zona norte da cidade.

Numa manhã de domingo, empresários foram pedir aos meus avós para liberarem o meu pai, havia um convite oficial do Verona, da Itália, que queria levar ele e mais dois garotos que se destacaram aos olhos do clube italiano. Iria com mais dois amigos, um deles o Sérgio Clerice, o outro não lembro. Enquanto os homens explicavam a proposta, meus avós em lágrimas enxotaram os visitantes, meu pai apenas ouviu atrás da porta os insultos, de dentro do seu quarto, que estava trancado.

José Tahan tinha um apelido, era Zito. Assim como o capitão santista, esse outro Zito, o meu pai, foi impedido pela arbitragem de seus pais a ser o que ele desejava na vida.

Ironicamente, passou a trabalhar com sapatos no lugar das chuteiras, acabou virando representante comercial, mas sempre jogador.

Meu pai era um jogador viciado, o que causou sérios problemas para ele, seus pais e depois à sua família, incluindo aí os seus filhos e esposa.

As histórias de meu pai com a bola e seus mistérios sempre me assombraram, e o gosto por pelo futebol me foi transmitido por ele. Víamos juntos jogos do São Paulo, ele sofrendo, eu sofrendo duas vezes, vendo ele e o jogo.

Um dos jogos mais sofridos e emocionantes para nós foi a final do Brasileiro de 86, um Guarani e São Paulo épicos, com gols na prorrogação, na casa do adversário e vitória nos pênaltis. Meu pai tirou o som da TV e colocou a narração do rádio junto com a imagem. O drama aumentou com a intensidade do José Silvério. Zito olhava para a tela, ouvia os gritos do narrador e eu olhava tudo meio zonzo, aos 14 anos.

Fiquei duplamente feliz ao final da partida, fomos campeões e o meu pai sobreviveu, foi um alívio.

Essas histórias estavam guardadas e nunca pensei tanto nelas como nesses tempos. Elas voltaram em campo por conta de um convite recebido há alguns meses. Vou participar hoje, junto com outros escolhidos, da primeira seleção brasileira de escritores.

Jogaremos em Frankfurt, no ano em que o Brasil é o país homenageado do evento, contra uma seleção alemã batizada de Autonama.

Nós, o Pindorama, (gostei do nome) treinamos uma vez, enquanto os gringos jogam juntos há mais de 6 anos.

Mesmo assim será uma noite mágica, na qual as lembranças de cada jogador, daqui e de lá, entrarão em campo para viver uma outra vida, fora do papel, da ficção ou da reportagem. Seremos jogadores de futebol.

Meu pai morreu em 2007, confesso que a sua compulsão pelo jogo errado, o de azar, nos separou. Mas as emoções se misturam às vésperas dessa noite mágica. Queria que ele me visse jogando, tendo ao meu lado como treinador o mesmo treinador que liderou o São Paulo naquela partida de 86, o Pepe, o Canhão da Vila, o primeiro autor da minha editora e um grande amigo.

Boa sorte ao Pindorama, depois conto como foi!

José Luiz Tahan é atacante, editor, livreiro da Realejo e organizador da Tarrafa Literária.

tahan@realejolivros.com.br

[10/10/2013 21:00:00]