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Direito Autoral e acesso aos livros
PublishNews, 06/08/2013
Direito Autoral e acesso aos livros

O portal americano sobre mercado editorial Publishing Perspectives publicou no dia 2 de agosto uma matéria muito interessante, sob o título “O Copyright faz os livros desaparecerem?”, que aborda um estudo feito por Paul J. Heald, da University of Illinois (com uma grande equipe de colaboradores), no qual o professor de direito examina dados estatísticos sobre a presença de títulos de livros no mercado, vendo a diferença entre os que estão ou não ainda sob a proteção das leis de direito autoral.

O artigo foi escrito no contexto da pressão contínua dos “produtores de conteúdo” para a extensão do período de proteção pela legislação de direito autoral, que hoje é de 70 anos após a morte do autor (ou no máximo 95 anos da data de publicação para obras de encomenda, de autoria desconhecida, etc.). Essa pressão acontece há anos e já levou o aumento de 60 para 70 anos, alguns anos atrás. Uma das principais empresas interessadas no assunto é a que leva o nome de Walt Disney, que morreu em 1966 (e cujos direitos estão protegidos até 2035, ou talvez até 2061, em alguns casos). Os caras não querem perder o controle do pato, do rato e dos demais personagens em “tão pouco tempo”.

O artigo do prof. Heald é muito interessante. Usando dados estatísticos compilados de forma extensa (dados do ISBN, da Library of Congress e da Amazon – para os livros no mercado, assim como da Apple e outros sistemas de registros de músicas). Vou me concentrar aqui no caso dos livros. Mas vale a pena ler o artigo onde ele aborda o caso da música (o problema é semelhante), e nota que as músicas brasileiras estão em segundo lugar entre as mais baixadas da Internet.

O prof. Heald mostra que, depois de um período relativamente curto, boa parte dos livros sai de circulação (“deixa de estar na prateleira virtual de vendas”), são encontrados apenas em sebos e, certamente, nas bibliotecas que os adquiriram. O interesse das editoras volta a se manifestar quando os títulos passam para o domínio público.

A principal tabela elaborada pelo professor é esta:

O artigo contextualiza bem os números, assinalando que, há mais de setenta anos, certamente, não apenas a população era menor como número de títulos totais era também menor. De qualquer forma, o que chama a atenção é a queda abrupta do número de títulos editados e disponíveis hoje (na Amazon).Há uma curva ascendente do número de títulos no começo do século XX, que estão em domínio público, e uma queda abrupta a partir da década de 1920, cujos títulos ainda são protegidos. No caso, os 70 anos remeteriam precisamente a 1923. O número de títulos publicados no começo do Século XX, assinala o professor Heald, cuja pesquisa remonta até meados do século XIX, também está condicionado por fatores técnicos. O uso do linotipo, inventado em 1886 na Alemanha e generalizado no início do século XX, contribuiu fortemente para um primeiro aumento do número de títulos, pois substituiu a mais trabalhosa e demorada composição manual. Da mesma maneira, as atuais tecnologias digitais e os sistemas de print on demand provocaram outro aumento exponencial no número de títulos produzidos (nem todos comercializados, entretanto).

No entanto, assinada o prof. Heald, se a idade da publicação da edição original fosse o único fator considerado, haveria uma curva decrescente e relativamente suave do pico atual para trás. Isso se deveria ao fato de que a retirada de circulação dos livros e as reedições estão condicionadas pelo “amadurecimento” do reconhecimento do autor. Ou, em outras palavras, os títulos considerados “clássicos”, ou importantes, continuariam a ser editados, enquanto os descartáveis e de menor importância literária (o estudo se restringe aos títulos de literatura de ficção) naturalmente cairiam no esquecimento.

A curva mostra, entretanto, que não é isso que acontece. Os títulos em domínio público têm mais “vida” nas prateleiras que os “clássicos” ou obras mais recentes reconhecidas como longsellers.

A discussão toda envolve a argumentação dos defensores da extensão da validade dos direitos autorais, sustentando que a administração das obras, feitas pelos autores ou seus herdeiros, é a garantia da continuidade de sua disponibilidade para o público.

Os dados levantados, entretanto, mostram o contrário. Se os autores ou herdeiros de obras protegidas respondessem tão somente à demanda da “qualidade reconhecida” – o amadurecimento pelo tempo – a curva seria mais harmônica. Ao constatar que isso não acontece, o prof. Heald argumenta que a proteção acaba prejudicando a difusão de muitas obras.

Só para contrapor, o prof. Heald cita um mecanismo do YouTube (que eu não conhecia), pelo qual os detentores de direitos de vídeos ou músicas uploaded por qualquer pessoa (não detentora de direitos), pode ser retirada mediante uma simples demanda de quem prove ser esse detentor, mas que o YouTube oferece um alternativa, a da monetarização dos downloads desses vídeos. Dessa maneira, diz o prof. Heald, o YouTube criou uma espécie de mercado secundário, com custos de intermediação muito baixos, para essas obras.

No mercado editorial, como já escrevi por aqui, temos o fenômeno das “obras órfãs”, aquelas que supostamente ainda estão protegidas, mas das quais não se localizam os detentores – sejam esses os autores ou a editora original, que pode ter deixado de existir – impedindo assim a republicação desses livros (ou deixando que sejam aproveitados por piratas de variado pelame, como assinala sempre a Denise Bottmann em seu blog Não Gosto de Plágio).

O artigo do prof. Heald aprofunda essa questão.

A instituição do direito autoral, com suas limitações temporais, atende a uma dupla demanda. Em primeiro lugar, a dos próprios autores, que dela necessitam para viver na sociedade capitalista. A remuneração de seu trabalho de criação intelectual vem daí. Entretanto, a legislação sempre reconheceu que as obras intelectuais têm também uma dimensão que vai além, e cuja apropriação social também é importante. Essa é uma segunda demanda, a do valor social da obra, e daí a limitação temporal. Lembremos que as primeiras leis de proteção a estabeleciam por um período de apenas quatorze anos, renováveis uma vez. Esse prazo foi crescendo, e hoje os direitos passam para filhos e netos (às vezes até bisnetos) do autor. Temos aqui no Brasil exemplos recentes de como isso prejudica efetivamente a acessibilidade das obras de autores que já são considerados clássicos, e cujos herdeiros fazem exigências desproporcionais para permitir sua publicação (inclusive em antologias).

A combinação entre os direitos do autor e a acessibilidade da obra, portanto, abre um campo interessante de discussões. Será legítimo privar a sociedade de ter acesso a obras já publicadas, seja pelo desconhecimento do paradeiro do autor ou da editora, seja por ganância desmedida de herdeiros?

Os franceses já estão tentando equacionar essa questão, com o RELIRE, pelo menos no que diz respeito às obras órfãs, como escrevi aqui.

Soluções?

Só fruto de um extenso debate, que não está sendo travado por aqui. Talvez algum mecanismo de licenciamento compulsório (e oneroso), de modo a garantir a remuneração dos autores (e dos herdeiros) durante o período de proteção, mas sem vedar a republicação de obras esgotadas.

Agradeço, mais uma vez, a dica dada pela matéria do Publishing Perspectives, que sempre aponta para casos interessantes do mundo editorial internacional.

Felipe Lindoso é jornalista, tradutor, editor e consultor de políticas públicas para o livro e leitura. Foi sócio da Editora Marco Zero, diretor da Câmara Brasileira do Livro e consultor do CERLALC – Centro Regional para o Livro na América Latina e Caribe, órgão da UNESCO. Publicou, em 2004, O Brasil pode ser um país de leitores? Política para a cultura, política para o livro, pela Summus Editorial. Mantêm o blog www.oxisdoproblema.com.br. Em sua coluna, Lindoso traz reflexões sobre as peculiaridades e dificuldades da vida editorial nesse nosso país de dimensões continentais, sem bibliotecas e com uma rede de livrarias muito precária. Sob uma visão sociológica, ele analisa, entre outras coisas, as razões que impedem belos e substanciosos livros de chegarem às mãos dos leitores brasileiros na quantidade e preço que merecem.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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