Dia 23 de abril – dia de São Jorge, Santo Guerreiro – é cheio de efemérides. O Rio de Janeiro comemora esse que é um de seus santos (São Sebastião, o das flechadas, é o padroeiro oficial da cidade), mas internacionalmente a data está se consolidando como Dia Internacional do Livro e do Direito do Autor.
A coisa começou na Catalunha, Espanha. O santo guerreiro divide com o Rio essa devoção. Já há várias décadas foi se criando em Barcelona a tradição de presentear o amado ou amada com um livro e uma rosa nesse dia. As livrarias montam bancas especiais e oferecem as flores, e tudo isso realmente embeleza ainda mais Barcelona, pois além do padroeiro e do livro, o Dia de Sant Jordí é o dia dos namorados na Catalunha.
Em 1995, por instância dos espanhóis, a UNESCO aproveitou o ensejo de que a data lembrava também o falecimento de Cervantes, Shakespeare e de outro escritor catalão, Josep Pla, e declarou o dia como destinado à celebração internacional do Livro e do Direito do Autor.
Essa história de efemérides é curiosa. Multiplicam-se os “dias do” pelo mundo afora, em uma pobre emulação dos feriados, nos quais se oficializa a comemoração do modo mais “prático”: sem trabalhar. As efemérides que não são feriados deveriam lembrar alguma coisa importante para a vida dos cidadãos.
Na verdade, tal como algumas leis, algumas “pegam” e outras não. Dia das mães, dia dos pais e mesmo o dia das crianças conseguiram se transformar, graças ao empenho dos comerciantes, em pretexto para a “empurração” de presentes nos queridos homenageados.
Infelizmente, em relação ao livro, nenhuma das várias datas comemorativas colou. E são muitas. A movimentação começa em março:
- 12 de março, Dia do Bibliotecário;
- 14 de março, Dia do Vendedor de Livros e também Dia Nacional da Poesia, em homenagem a Castro Alves;
- 18 de abril, Dia Nacional do Livro Infantil e Juvenil, em homenagem a Monteiro Lobato;
- 25 de julho, Dia do Escritor. É verdade que hoje tem muito livro que dispensa a intervenção de um suposto criador, mas a data foi criada por Jorge Amado em comemoração a algum congresso organizado pela UBE (não sei que seção), lá pelos anos 1960;
- 21 de setembro, Dia da Bibliodiversidade. Instituída pela Aliança Internacional de Editores, uma organização dos editores independentes que existe pela América de fala espanhola e também no Canadá;
- 29 de outubro, Dia oficial do Livro no Brasil. A data foi instituída para lembrar a fundação da Biblioteca Nacional, com a transferência da Biblioteca Real, que veio na bagagem de D. João VI.
A pretexto do Dia Internacional do Livro e do Direito do Autor, a IPA – Associação Internacional de Editores, dá início no dia 23 de abril ao ano em que uma cidade é escolhida como Capital Mundial do Livro. Este ano é Bangkok, a 13a cidade a receber o título, depois de Madri (2001), Alexandria (2002), Nova Déli (2003), Antuérpia (2004), Montreal (2005), Turim (2006), Bogotá (2007), Amsterdã (2008), Beirute (2009), Liubliana (2010), Buenos Aires (2011) e Ierevan (2012). A capital mundial do livro que começa seu “reinado”em 2014 é Porto Harcourt, na Nigéria.
A iniciativa da comemoração foi da IPA, mas a ela se uniram a IFLA – Associação Internacional das Associações de Bibliotecários e a UNESCO. Um júri de representantes dessas associações se reunirá em algum momento do verão na sede da UNESCO para escolher qual a Capital Mundial do Livro de 2015.
Dentre todas as comemorações do Dia do Livro, acho que essa que se celebra hoje é realmente a mais interessante, e por duas razões.
A primeira é a inclusão do direito autoral associado ao livro. Nestas épocas de defensores da gratuidade, é sempre bom lembrar que há quem viva de escrever. Ainda que algumas pessoas escrevam de graça (e aqui estamos todos nós blogueiros, facebuquistas e congêneres jogando água nesse moinho), a defesa do direito do autor, tanto na integridade da obra produzida quanto na justa remuneração por sua divulgação, é algo essencial para a manutenção da bibliodiversidade, da produção criativa que exige dispêndio de tempo e profissionalização. Por isso, essa menção é importante.
A segunda razão é precisamente a vinculação da data com a institucionalização da escolha de uma cidade como Capital Mundial do Livro.
As candidaturas a essa posição são encaminhadas sempre por uma coligação que inclui todos os segmentos e interessados no livro e na leitura, demonstrando que, pelo menos naquele ano, a cidade desenvolverá um amplo e criativo programa de estímulo à leitura. Já escrevi um post sobre o assunto comentando que Porto Harcourt, a homenageada do ano que vem, foi capital da província separatista da Biafra e sofreu horrores com a guerra civil. Recuperou-se e apresentou com sucesso sua candidatura, mostrando que buscou não apenas a recuperação econômica, como também a recuperação social e cultural.
E lamentava que, em vez de candidaturas para olimpíadas e campeonatos mundiais, nenhuma cidade brasileira jamais houvesse apresentado sua candidatura.
Esse, sim, seria um motivo para uma verdadeira comemoração.
Felipe Lindoso é jornalista, tradutor, editor e consultor de políticas públicas para o livro e leitura. Foi sócio da Editora Marco Zero, diretor da Câmara Brasileira do Livro e consultor do CERLALC – Centro Regional para o Livro na América Latina e Caribe, órgão da UNESCO. Publicou, em 2004, O Brasil pode ser um país de leitores? Política para a cultura, política para o livro, pela Summus Editorial. Mantêm o blog www.oxisdoproblema.com.br. Em sua coluna, Lindoso traz reflexões sobre as peculiaridades e dificuldades da vida editorial nesse nosso país de dimensões continentais, sem bibliotecas e com uma rede de livrarias muito precária. Sob uma visão sociológica, ele analisa, entre outras coisas, as razões que impedem belos e substanciosos livros de chegarem às mãos dos leitores brasileiros na quantidade e preço que merecem.
** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.
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