Entrevista com Pablo Harari, diretor da uruguaia Ediciones Trilce
PublishNews, 20/03/2013
Em 2007, o Uruguai apresentou o ambicioso Plano Ceibal com o objetivo de diminuir a exclusão digital

Em 2007, o Uruguai apresentou o ambicioso Plano Ceibal. Com o objetivo de diminuir a exclusão digital, o Estado anunciou a entrega de mais de 400.000 netbooks modelo XO a 450.000 professores e alunos da escola primária. Nesta ocasião conversamos com Pablo Harari – diretor da editora Trilce e integrante ativo da Aliança Internacional de Editores Independentes – acerca do impacto que este e outros projetos de inclusão tecnológica terão no mundo editorial latino-americano.

Octávio Kulesz - Você poderia apresentar brevemente seu percurso profissional e o perfil da Trilce?

Pablo Harari - Sou co-fundador e diretor de Ediciones Trilce. Antes de fundar a editora em 1985, tinha trabalhado durante muitos anos na distribuição de livros na França. A Trilce publicou mil títulos e participa do movimento de editoriais independentes desde o final dos anos noventa.

Como diretor, participei de várias iniciativas nesse sentido – Editores Independentes, Biblioteca Intercultural, Aliança Internacional de Editores Independentes, entre outras. Sou também diretor suplente na Câmera Uruguaia do Livro. Trilce é uma editora voltada para ciências sociais e a literatura infanto-juvenil.

OK - Graças ao Plano Ceibal, o Uruguai foi um dos países latino-americanos mais ativos na tarefa de reduzir a exclusão digital. Qual é seu balanço desta iniciativa, com seus altos e baixos, cinco anos depois de sua implementação?

PH - Para dizer a verdade, quando falamos de educação, cinco anos não é um lapso que permita tirar conclusões definitivas. Sem dúvida, o fato de que todas as crianças da educação pública tenham um XO – computador portátil concebido especificamente para tal uso – repercutirá fundamentalmente na relação da criança com a ferramenta, pois este vai desenvolver as habilidades – e os vícios – que seu uso implica. Serão produzidas mudanças vinculadas com os hábitos de leitura – e escrita – assim como um condicionamento a novas maneiras de raciocinar e se comunicar.

Estudos recentes fazem mais referência aos resultados alcançados na integração social das crianças e suas famílias que aos efeitos na educação. Em relação à educação em si, pode-se constatar que há pouco material disponível para as classes e que a relação dos professores com os XO foi difícil – o sistema foi implementado sem envolver os professores – algo que deixa muitas tarefas pendentes para o futuro.

OK - Recentemente, o governo uruguaio começou conversas com editoras para obter livros de literatura infanto-juvenis para os computadores do plano. Você vê aqui uma oportunidade interessante para as editoras locais?

PH - Lamentavelmente, o Estado uruguaio não atribui recursos para a compra de livros a não ser em casos pontuais, excepcionais e com baixíssimas tiragens. As bibliotecas são um desastre e se alimentam de doações. Um projeto muito interessante – proveniente da educação pública – de criação de bibliotecas “mínimas” de literatura infantil e juvenil para 2.400 escolas, com um exemplar de 90 títulos diferentes, terminou abastecendo apenas umas 300 escolas com uns 50 títulos, por “falta de fundos” e com o argumento subjacente de que podiam ser substituídos por livros digitais.

Efetivamente, o Plano Ceibal – que não depende da educação pública – propôs a compra desses 90 títulos em formato digital com anterioridade à compra dos 300 exemplares, utilizando seus próprios recursos, para incluí-los em sua plataforma: assim, as crianças poderiam fazer o download durante um prazo determinado e com impossibilidade de imprimir ou copiar. Sem entrar na diferença que existe entre um livro tradicional e um livro digital nem em suas vantagens e desvantagens, o que podemos afirmar é que atualmente e em especial para a literatura infantil, não são substituíveis: o acesso a um e a outro deve ser complementar. Os editores e o Plano Ceibal colocaram desde o início que este Baúl de libros – este é o nome do site – significava um primeiro passo e que seria preciso aprender durante o caminho para as aquisições futuras.

No Uruguai não há nenhuma plataforma nacional de venda de livros digitais. Os pouquíssimos títulos que se encontram em Libranda não podem ser adquiridos no país; na Amazon se conta com os dedos de uma mão os livros de editoras uruguaias; as editoras não vendem livros digitais em seus sites; a venda de leitores eletrônicos é insignificante e só nos últimos meses disparou – de modo vigoroso – a venda de tablets. Em síntese: o mercado de livro digital no Uruguai é praticamente inexistente, de modo que a compra realizada pelo Plano Ceibal partia de “zero experiência”, tanto para o adquirente como para os editores.

Os problemas surgiram essencialmente em duas áreas: a) a tecnológica e b) a econômica.

a) Os editores ofereceram arquivos em PDF e o Plano Ceibal devia encontrar um formato adequado para os XO – era preciso levar em conta o tamanho específico do monitor, o processo de encriptação, o peso do arquivo, o período de uso, etc. Isto foi resolvido com dificuldades, mudando o formato dos livros para adaptá-los aos pequenos monitores, foi mantido o formato do arquivo PDF e criado um aplicativo – exclusivo para os XO – que permite desencriptar os livros depois de descarregados. Este aplicativo tem uma duração de três anos: depois o sistema apagará os livros dos XO. A manipulação levou a “corridas” de textos, má disposição dos parágrafos na página, localização fora de lugar das ilustrações, assim como outros inconvenientes que deveriam ter sido simples de resolver e que – provavelmente pela falta de experiência em design editorial de quem deveria mudar o formato – geraram várias idas e vindas.

b) Do ponto de vista econômico, se apresentaram dois problemas principais, muito relacionados entre si: a determinação do preço de venda de cada livro eletrônico e o valor do direito autoral pago aos autores. Constatamos que a venda global com uma potencialidade de acesso a mais de 400.000 computadores era algo quase inédito no mundo editorial de língua espanhola. Não encontramos antecedentes que pudessem nos dar um caminho. Vimos que os preços dos livros digitais à venda – aqueles que são subprodutos de edições tradicionais – são fixados em função do mercado e não dos custos de fabricação e que variavam de um país para o outro.

Finalmente – e como resultado de uma “negociação” entre o orçamento do Plano Ceibal e a quantidade pedida pelos editores – chegou-se a um preço que o organismo paraestatal colocou que devia ser igual a todos os títulos – independente do autor, de ter ou não ilustrações, de sua extensão, etc. Os editores levaram em conta o aspecto educativo e social do projeto e renunciaram a certas reclamações que ficaram como contribuições ao Plano Ceibal.

Quanto aos direitos autorais, muitos editores tinham em seus contratos cláusulas que previam a cessão de direitos para o âmbito digital, em alguns casos com a taxa de direitos que para os livros tradicionais e em outros poucos, a uma taxa superior. O resto teve que negociar com seus autores.

Em linhas gerais, foi estabelecido 25% de direitos autorais para vendas globais. Muitos modificaram para cima seus contratos, outros fizeram novos contratos, outros não chegaram a nenhum acordo e não venderam os livros. É interessante assinalar que alguns autores atuaram coletivamente para defender suas posições, o que levou a uma discussão que ainda não terminou.

OK - Por sua experiência em feiras e encontros de editores regionais, qual é o futuro que vê para o livro digital – ou para a indústria das publicações eletrônicas em geral – a longo prazo, na América Latina? Quais são os desafios, quais são as oportunidades?

PH - O livro digital é sem dúvida, um avanço tecnológico que em certas áreas é irreversível. Em outras, o impulso atual – ajudado por interesses comerciais não relacionados com os conteúdos, mas com “eletrodomésticos” de leitura, publicidade nas páginas da Internet – produtos anexos – vai se acomodar aos hábitos de leitura que estão em transformação. Vai existir uma coabitação que se ajustará a tais hábitos. É muito difícil prever o processo de mudança, mas não haverá menos leitura e escrita. Também é complexo antecipar os novos desenvolvimentos tecnológicos que podem transformar o livro digital – monitores híbridos de tinta eletrônica e LCD, por exemplo.

Desafios: aprender as técnicas novas, sem descuidar das que foram usadas até hoje; não deixar de focar no conteúdo; evitar cair nas mãos de monopólios centralizadores; procurar alianças para descentralizar; não diminuir o papel cultural e o valor simbólico do livro.

Oportunidades: especializar-se no que fazemos agora; melhorar o livro não digital; profissionalizar-se; otimizar os recursos para a difusão. Enquanto o desenvolvimento do livro digital encontra sua via, devemos defender o instrumento do livro tradicional, tão provado, para que seu acesso seja democratizado e tenha uma maior difusão, defendendo a bibliodiversidade.

[19/03/2013 21:00:00]