Foi com alegria e alívio que encontrei em uma banca de jornal a edição 2013 do Almanaque Abril. Confesso que eu já dava a busca por perdida. O Almanaque costumava chegar às bancas no meio do segundo semestre. Em 2012, os meses foram passando, o ano acabou e eu já estava me conformando de que mais uma tradicional publicação impressa tinha chegado ao fim. Os que gostam de livros, revistas, publicações impressas e livrarias estão se acostumando, dia a dia, a receber notícias da última edição impressa, da redução de atividades e do fechamento das portas de mais um estabelecimento.
Lançado em 1974, o Almanaque Abril reunia informações de atualidades, política, história, geografia, ciência, esportes, meio-ambiente e outras que estudantes e curiosos não encontrariam em lugar nenhum. Qual o nome oficial de um país (Campuchea ou Camboja)? E qual é a cidade mais importante da Austrália? Que línguas se fala na África do Sul? O Mali é uma democracia ou ditadura? E qual é sua moeda? E sua principal riqueza econômica? E quem ganhou a medalha olímpica dos 100m nas Olimpíadas de Helsinque? Em que ano Marie Curie recebeu o Nobel?
Informações hoje triviais como estas eram muito difíceis de encontrar antes da internet, já que as enciclopédias não eram atualizadas neste nível e seus “livros do ano” nem sempre as traziam. Lembro de, em algum trabalho escolar no ginásio, ligar para um consulado e ir até lá simplesmente para receber um ou dois folhetos que apresentavam o país com informações básicas que permitissem escrever uma pequena redação.
“Atualizado, Prático. Confiável. Uma fonte essencial de informações no estudo e no trabalho”, diz o Almanaque na capa da edição de 2013. Ao folhear o Almaque Abril, admiro sua engenhosidade editorial na seleção e organização das informações, qualidade de pesquisa, variedade de assuntos nos mais diversos campos do conhecimento, concisão enciclopédica, edição e design, tudo muito bem articulado para tornar o almanaque um produto atraente e útil em sua edição impressa.
Mas minha relação com o Almanaque Abril envolve ainda uma dimensão pessoal que vai além da memória da época de escola e da admiração atual. Em seus últimos anos de vida, depois dos 80, meu pai passou a ser fã dele, era o livro que ele mais gostava, complemento dos jornais e revistas de atualidades que ele lia. Era raro um telefonema, a partir do mês de agosto de cada ano, em que ele não me perguntava se o Almanaque já havia sido lançado e não raro me pedia um esforço extra para encontrá-lo, o que me levava às bancas de jornal e ao desânimo de constatar, ano a ano, que ele estava saindo cada vez mais tarde (e a temer pelo seu fim).
Acho que o Almanaque Abril, com sua síntese panorâmica de dados, informações e a cronologia das transformações ano a ano, permitia ao meu pai como que segurar o mundo na mão, acompanhando as mudanças e se atualizando. A passagem de um ano inteiro, por maiores que fossem as transformações, estava ali ao alcance, organizada, didática, legível e impressa em um bem editado livro (ainda mais valorizado por quem não entrou no mundo da computação e da internet).
Talvez este desejo de compreender o mundo por meio de um almanaque de conhecimentos gerais e atualidades se devesse também à necessidade, emocional e política, de acompanhar a passagem do tempo e a história por meio dos “grandes fatos” e “acontecimentos” públicos, que se sucedem em uma cronologia com suas datas, seus marcos, personagens e tabelas comparativas, uma chave para olhar e participar do mundo que talvez faça sentido para quem viveu no século 20 – e muito diferente da não-tentativa-de-compreensão dos acontecimentos segundo a lógica fragmentada e a-histórica da internet e das redes sociais.
Nascido em Lodz, Polônia, em 1924, e tendo vivido na União Soviética, em Israel e na Alemanha até a sua imigração ao Brasil em 1954, meu pai se interessava por uma boa conversa sobre atualidades, política, economia, história e geografia. Comunismo, capitalismo, socialismo kibutziano, democracia, ditadura e nazismo eram experiências pessoais de vida, que ele testemunhara em seus primeiros 30 anos, como se um século inteiro tivesse já atravessado a sua vida apenas na infância e juventude. Mais do que tudo, acho que ele tinha a dimensão, como homem do século 20, que havia fronteiras claras, como as da geografia de um refugiado e imigrante, entre as esferas do indivíduo e as da política, entre o pessoal e o público, entre a “minha vida” e a informação de interesse geral.
Meu pai faleceu no começo deste ano aos 88 anos de idade, querendo entender e discutir, até os últimos momentos, e a crise europeia e o futuro da China. Poucas semanas antes, ele me perguntava do Almanaque Abril e eu mal tinha coragem de responder que estava em dúvida se sairia uma nova edição impressa. Desta edição de 2013 em diante, devo me acostumar de que vou ler o Almanaque Abril sem a companhia dele, mas procurarei fazê-lo com as ansiedades e esperanças de um leitor do século 20.
E me pergunto desde já quando poderei começar a procurar nas bancas de jornal o Almanaque Abril 2014, sem, nem por um momento, pensar na hipótese de não encontrá-lo, e torcendo para que novos leitores encontrem nele uma publicação viva e insubstituível na forma de pensar, organizar e ler as informações do mundo.
Roney Cytrynowicz é historiador e escritor, autor de A duna do tesouro (Companhia das Letrinhas), Quando vovó perdeu a memória (Edições SM) e Guerra sem guerra: a mobilização e o cotidiano em São Paulo durante a Segunda Guerra Mundial (Edusp). É diretor da Editora Narrativa Um - Projetos e Pesquisas de História e editor de uma coleção de guias de passeios a pé pela cidade de São Paulo, entre eles Dez roteiros históricos a pé em São Paulo e Dez roteiros a pé com crianças pela história de São Paulo.
Sua coluna conta histórias em torno de livros, leituras, bibliotecas, editoras, gráficas e livrarias e narra episódios sobre como autores e leitores se relacionam com o mundo dos livros.
** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.
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