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ANL e Amazon e digitais. Hora de verdades?
PublishNews, 11/12/2012
ANL e Amazon e digitais. Hora de verdades?

O anúncio da chegada ao Brasil de três grandes operadoras do comércio eletrônico de livros - Amazon, Kobo e Google - coincidiu com a divulgação do "Diagnóstico ANL do setor livreiro 2012".

Recentemente a entidade dos livreiros havia divulgado uma carta aberta ao mercado - i.e. às editoras - e ao governo, com suas sugestões para o desenvolvimento do mercado de livros digitais no país. Sugestões, não reivindicações, segundo a própria entidade.

O diagnóstico foi encomendado pela ANL junto à GfK, uma multinacional de pesquisa de mercado, que lançou no primeiro semestre deste ano seu serviço de rastreamento online da venda de livros, é concorrente ao BookScan da Nielsen (que diz que se prepara para entrar logo no mercado brasileiro).

O estudo da GfK tem algumas características interessantes. Enviou questionários, que podiam ser respondidos online, por fax ou e-mail e entrevistas por telefone junto a todos universo conhecido pela ANL, que é de 3.403 livrarias. A pesquisa recebeu respostas com informações de 716 lojas, o que equivale a 21% do total, um índice de respostas muito bom. Destas, 152 respostas foram obtidas através da central de redes de lojas, que disponibilizaram dados de suas filiais, e 564 respostas vieram diretamente de livrarias independentes e grandes redes, com um questionário respondido por cada loja, representando um total de 474 diferentes razões sociais.

Os números indicam que algumas ditas grandes redes não responderam ao questionário, e que a maior parte das respostas veio efetivamente das livrarias independentes e redes regionais, que têm uma presença maior junto à entidade.

Essa impressão é corroborada pelo dado divulgado de 62% dos respondentes possuírem apenas uma loja, e que o principal regime tributário é o simples.

Alguns destaques da pesquisa:

- Estabilidade no número das lojas independentes, e crescimento das grandes cadeias, com um achatamento na posição das cadeias médias. Na pesquisa de 2009, as grandes cadeias, com mais de cem lojas, representavam 6% do mercado livreiro, e passaram a representar 15%. O segmento das cadeias médias diminuiu de 31% para 22%. Ou seja, a concentração, que se verifica também no segmento editorial, aqui se repete. Os dados não permitem concluir se no setor livreiro ocorre a mesma taxa de alta natalidade e mortalidade no segmento das pequenas livrarias. Explico: no setor editorial, que conheço melhor, noto que todos os anos nasce uma boa quantidade de novas editoras, que não sobrevivem mais que dois ou três anos, sempre substituídas por novas levas de pequenas editoras. A estabilidade evidenciada no índice de 62% (contra 63% em 2009) de empresas que possuem apenas uma loja não permite sabermos se são as mesmas lojas, ou se novas empresas surgiram para substituir as que eventualmente fecharam.

- Distribuição das livrarias. Permanece evidente que as regiões mais ricas e escolarizadas do país são as que têm mais livrarias. O sudeste continua sendo a região com mais lojas. Notou-se, em relação aos dados de 2009, duas flutuações leves, mas significativas. Positivamente, a proporção de livrarias na região nordeste aumentou três pontos percentuais, de doze para quinze por cento do total de lojas. Inversamente, a proporção de lojas na região Sul diminuiu de dezenove para dezesseis por cento. O aumento no nordeste talvez seja explicável pelo crescimento dos investimentos em educação na região, que também registrou proporcionalmente um aumento menor na melhoria dos índices socioeconômicos.

- Uma tabela interessante é a que mostra a disposição das livrarias em investir no negócio. Entre as livrarias, 82% delas declararam que pretendem fazer investimentos em suas lojas até o final de 2013. Essa resposta pode ser lida em dois sentidos. O primeiro, positivo, é o de que a maioria dos livreiros compreende e está disposto a fazer investimentos em seu negócio. Mas o fato de 18% dos respondentes declararem que não pensam em investir nada no seu próprio negócio no ano de 2013 revela também que ainda há gente que acha que o mero fato de existir garante sua sobrevivência. Para esses, a vida vai ser complicada.

Mas, para além da decisão de investir, vale a pena ver em que os livreiros pretendem fazer isso. A maioria (71% dos que responderam que farão investimentos) diz que fará reforma na loja. Logo em seguida (64% - as respostas não eram excludentes) estão os que declaram a decisão de investir em tecnologia. A mesma proporção (64%) afirma que investirá na capacitação profissional. Finalmente, 34% afirma que investirá na abertura de novas lojas, índice que sobe para 46% entre os livreiros do nordeste e chega a 65% entre as livrarias que têm cinco ou mais lojas.

Se o investimento em capacitação revela uma preocupação positiva relacionada com o atendimento ao cliente, as perguntas relacionadas à informatização das empresas, para mim, colocam questões preocupantes. Além do fato de 12% do total das empresas não estarem informatizadas (17% entre as livrarias que possuem uma e duas lojas), verifica-se que o chamado “investimento em informática” se refere de maneira avassaladora às questões de gestão empresarial das empresas.

Há uma enorme lacuna no que diz respeito ao uso de mecanismos informatizados para o serviço ao cliente.

Vejamos os dados da pesquisa.

As “áreas informatizadas” (em porcentagens) das livrarias pesquisadas são as seguintes:

92% estão informatizadas no controle de retaguarda (controle de estoques);

89% estão com seus sistemas de caixa (emissor de cupom fiscal) informatizados;

86% estão com os controles financeiros (contas a pagar/receber/bancos/cartões, etc.) informatizados;

78% estão com seus sistemas contábeis (controle fiscal) informatizados.

Não se faz menção a investimentos nos meios informatizados para ajudar no atendimento aos clientes. Aliás, não foram feitas perguntas nesse sentido no questionário, o que revela, por parte da ANL, um desconhecimento da importância dessa questão.

Quando me refiro aos serviços aos clientes com ajuda da informática, estou remetendo principalmente aos processos informatizados para ajudar os clientes a encontrar o livro que desejam, aos processos de comunicação com os clientes, inclusive a geração de feedback sobre atendimento e busca da satisfação das necessidades dos clientes. Em uma palavra: metadados.

Ajudar os clientes a encontrar o que desejam é algo completamente diferente do simples controle de estoque, ou de ter ou não e-commerce. Não se perguntou (ou as respostas não foram tabeladas) sobre a existência de sites, uso das redes sociais (Facebook, Twitter, Orkut ou similares), emissão eletrônica de boletins de novidades. Comunicação ativa e proativa com os clientes.

Os livreiros demonstram uma preocupação crescente com a oferta de espaços “alternativos” para os clientes: áreas para leitura; cafés ou cyber cafés e espaço para eventos foram os mais citados. Da mesma maneira, o aumento da diversidade de itens comercializados é crescente, com três quartos das livrarias ofertando CDs e DVDs, além da tradicional oferta de material de papelaria, hoje acompanhados de suplementos de informática. As livrarias religiosas, particularmente as católicas, oferecem artigos religiosos (santos, quadros, terços e o resto da parafernália de culto).

A lista de tipos de livros comercializados é bem extensa, mas sua utilidade na análise do conjunto se vê prejudicada pela não apresentação de um cruzamento com o tipo de livraria. Por exemplo, 76% das livrarias declaram ter estoque de livros religiosos (contra 46% em 2009), e 69% dizem oferecer livros de autoajuda/esotéricos (contra 46% também em 2009). Essa informação é difícil de ser processada e entendida se não for cruzada com o tipo de livraria que os oferta.

A declaração dos livreiros sobre os tipos de livros não obedece a nenhuma categorização formalizada. É a percepção sobre o “tipo” de livros que oferecem. Assim, por exemplo, não se sabe se os livros dos padres (Marcelo, Fábio Costa, etc.) estão juntos com o de Edir Macedo, ou como se misturam com os livros psicografados nas categorias de autoajuda ou esotéricos.

Essa mistura reflete, também, a pouca extensão do uso da informática para obter informações mais precisas sobre os livros solicitados/ofertados aos seus clientes. O uso sistemático e extenso de metadados produziria informações de interesse significativo para que os livreiros pudessem melhor conhecer o que, efetivamente, seus clientes buscam, encontram (ou não) e preferem.

Evidentemente esse baixo índice de uso dos mecanismos informáticos para colheita de informações não é responsabilidade apenas dos livreiros. Os editores também não sabem aplicar e usar metadados para conhecer o desempenho de seus livros, muito menos para aproveitar ao máximo as informações que possam ser coletadas.

É nesse contexto que a chegada dos grandes players do comércio eletrônico se transforma em uma ameaça muito maior para a futura saúde e progresso das livrarias independentes. A Amazon, a Google (que é, basicamente, uma empresa de sistemas de busca) e mesmo a Kobo levam isso muito a sério.

A sua chegada, além de permitir que os clientes das localidades menores e mais distantes, que nem dispõem de uma livraria física, possam conhecer e encomendar os livros simultaneamente aos mercados do sul e sudeste, apresenta um desafio adicional e muito importante para os livreiros “físicos”. Grandes e pequenos.

Felipe Lindoso é jornalista, tradutor, editor e consultor de políticas públicas para o livro e leitura. Foi sócio da Editora Marco Zero, diretor da Câmara Brasileira do Livro e consultor do CERLALC – Centro Regional para o Livro na América Latina e Caribe, órgão da UNESCO. Publicou, em 2004, O Brasil pode ser um país de leitores? Política para a cultura, política para o livro, pela Summus Editorial. Mantêm o blog www.oxisdoproblema.com.br. Em sua coluna, Lindoso traz reflexões sobre as peculiaridades e dificuldades da vida editorial nesse nosso país de dimensões continentais, sem bibliotecas e com uma rede de livrarias muito precária. Sob uma visão sociológica, ele analisa, entre outras coisas, as razões que impedem belos e substanciosos livros de chegarem às mãos dos leitores brasileiros na quantidade e preço que merecem.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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