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“O que há em um nome”, ou Guerra de Versões
PublishNews, 10/07/2012
“O que há em um nome”, ou Guerra de Versões

Gosto de pensar no verso de Shakespeare como um tributo à guerra de versões. Os nomes – Montecchio ou Capuleto – assumem significados conforme a posição de quem os diz para quem, e a tragédia se arma a partir daí. Ou seja, depende do ponto de vista.

O Publishing Perspectives do dia 27 de junho trouxe uma entrevista feita com Alberto Vitale, ex-executivo da Random House entre 1989 e 2002, por uma bolsista Fulbright da New York University, Joana Costa Knufinke, espanhola que também faz seu doutorado em Literatura na Universidad de Barcelona.

Vitale é um dos nomes lendários da edição americana no período. Italiano educado nos EUA, como chefão da Random House – na época a maior editora dos EUA –, era um temido porta-voz da indústria editorial americana nas negociações com a Feira do Livro de Frankfurt, principalmente a respeito da localização dos estandes. Esse tema o fez ter vários atritos com Peter Weidhaas, descritos pelo alemão em seu livro de memórias, See you in Frankfurt (Locus Publishers, New York, 2010). Foram alguns embates cataclísmicos, do poderio e arrogância dos americanos contra o poderio e a arrogância dos alemães.

Vamos a alguns trechos da entrevista de Vitale:

“Antes de mais nada, expliquei para as pessoas na Random House que, para ser saudáveis e independentes, precisávamos ganhar dinheiro, e que se não se ganha dinheiro, fica-se sempre com as mãos estendidas pedindo ajuda. [...] Se você não ganhar dinheiro você perde a independência. Em alguns círculos isso foi uma terapia de choque.”

“Uma das primeiras coisas que fiz foi sentar com o diretor da Pantheon e dizer a ele: “Temos que ganhar dinheiro”, já que eles estavam perdendo muito dinheiro. Queria que ele preparasse um orçamento, e ele recusou-se a preparar um orçamento, então eu disse ‘adeus’ a ele. O que aconteceu logo em seguida foi ver autores fazendo piquete na porta da empresa. Foi desagradável... mas o resultado final é que a Pantheon ainda está viva e muito bem hoje. Essas foram algumas das primeiras mudanças.”

Bem, o “diretor da Pantheon” era André Schiffrin, que muitos anos depois, em 2000, publicou sua versão no livro The business of books. How international conglomerates took over publishing and changed the way we read (Verso, N. York, 2000 – há edição brasileira de 2006, pela Casa da Palavra).

A versão de Schiffrin, evidentemente, é bem diferente.

A Pantheon foi fundada em 1942 por um grupo de intelectuais europeus que fugiram para os EUA para escapar do nazismo. Era um grupo de intelectuais de esquerda, mas não comunistas, e editou uma lista de títulos muito importantes. Em 1961 foi absorvida pela Knopf, que então já era parte da Random House. No mesmo ano, Schiffrin foi nomeado diretor. O conglomerado Random House já não era mais independente, fazia parte da RCA. Em 1980, a Random House (e demais selos) foi vendida para S. I Newhouse, um controvertido financista. Em 1989, Alberto Vitale foi contratado por Newhouse como presidente da Random House.

Desde a aquisição por Newhouse, a Pantheon sofria pressões para aumentar sua lucratividade. Schiffrin argumentou que a editora não era nenhuma estrela, mas que, tal como sempre acontecera tradicionalmente na atividade editorial, compensava as poucas vendas dos títulos importantes emplacando alguns best-sellers. Schiffrin, em um ponto do livro, relata inclusive que qualquer título que lançasse tinha uma venda praticamente garantida de mais de 2.000 exemplares para bibliotecas dos EUA e da Inglaterra, e que prejuízo real não havia.

Com a chegada de Vitale foi acentuado o processo – que já vinha em curso – de buscar o lucro em cada título editado, e não mais no conjunto dos títulos considerados em um determinado período.

Na verdade, isso é uma falácia, pois jamais se conseguiu predeterminar com segurança quais títulos se transformarão em best-sellers, venderão bem ou serão simplesmente fracassos. Mas essa busca do sucesso para cada título levou, certamente, a privilegiar a publicação dos livros “menos arriscados”, seja de literatura, seja de não ficção. Ou, como diz o próprio Vitale, nessa entrevista de hoje, é preciso editores que sejam “como produtores, como no cinema! Tem [o editor] que ser alguém que tenha uma mente criativa para sentar com o autor e pensar o que mais pode ser feito com um livro usando tecnologia digital”, para acrescentar valor... Para Vitale, cada livro deve ser um produto a ser explorado o máximo possível em seu conteúdo. Logo, se o conteúdo não pode ser explorado das mais diferentes maneiras, não é um bom livro.

Schiffrin diz, em seu livro, que essa história do orçamento pedido foi parte de uma disputa onde ele apresentava um programa de publicações e Vitale exigia o orçamento com os cortes de pessoal e a ênfase em livros que tivessem tiragens maiores – ou seja, que tivessem essa “pegada” de best-seller. Ele, Schiffrin, é que pediu o orçamento que, segundo ele, mostrava que a Pantheon seria menos lucrativa com os cortes “draconianos” propostos. Diz ele que Vitale gritava: “Qual o sentido de publicar livros com tiragens tão baixas?”. E, parafraseando, prossegue, “Não estávamos envergonhados conosco mesmos? Como eu podia me olhar no espelho a cada manhã sabendo que queria publicar esses títulos certamente não lucrativos?”. E mais adiante, “Vitale me disse claramente, apesar de negar depois, que deveríamos parar de publicar ‘tantos livros de esquerda’”.

A troca de insultos entre os dois é impressionante. Vitale se lembra do caso acontecido há vinte e dois anos, agora dando o troco ao que Schiffrin publicou em 2000.

Além das diferenças pessoais, a trajetória dos dois reflete as profundas modificações ocorridas no último quarto do século XX no mundo editorial americano. Em 1998, a Random House foi novamente vendida, para o conglomerado alemão Bertelsmann. A cultura de que “cada livro tem que dar lucro por si próprio” continuou preponderando.

A saída de Schiffrin foi extensamente criticada, principalmente por autores, e vários deixaram a casa – não apenas a Pantheon, mas também a Knopf e outros selos da Random House – por conta disso. André Schiffrin montou outra editora “sem objetivo de lucro”, a New Press. Vitale hoje está aposentado, mas continua defendendo o modelo ultraliberal e conservador de editora que implementou na casa que já teve uma ilustre trajetória de publicação de literatura de qualidade.

Para Vitale, o mercado evolui positivamente e a nova geração será capaz de encontrar respostas para os desafios do mundo editorial. Schiffrin, muito mais pessimista, lamenta o que considera como decadência da publicação de qualidade nos Estados Unidos.

É evidente que se a editora não tiver lucro não poderá continuar a existir, e dessa maneira seu projeto inevitavelmente fracassa. Mas as versões dos dois personagens do que seja lucro, do quanto deve ser buscado e o modo de fazer isso diferem muito. Guerra de versões, ou de princípios. Ou as duas.

Felipe Lindoso é jornalista, tradutor, editor e consultor de políticas públicas para o livro e leitura. Foi sócio da Editora Marco Zero, diretor da Câmara Brasileira do Livro e consultor do CERLALC – Centro Regional para o Livro na América Latina e Caribe, órgão da UNESCO. Publicou, em 2004, O Brasil pode ser um país de leitores? Política para a cultura, política para o livro, pela Summus Editorial. Mantêm o blog www.oxisdoproblema.com.br. Em sua coluna, Lindoso traz reflexões sobre as peculiaridades e dificuldades da vida editorial nesse nosso país de dimensões continentais, sem bibliotecas e com uma rede de livrarias muito precária. Sob uma visão sociológica, ele analisa, entre outras coisas, as razões que impedem belos e substanciosos livros de chegarem às mãos dos leitores brasileiros na quantidade e preço que merecem.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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