O fim dos livros de cozinha?
PublishNews, 29/06/2012
O fim dos livros de cozinha?

Quem já trabalhou em redação sabe que, de vez em quando, vem lá alguém com uma ideia brilhante – em sua própria opinião, é claro – para ser transformada em uma matéria pensada para causar polêmica. Não importa que o tema não renda tanta controvérsia (ou controvérsia alguma). Nem que as informações citadas, usadas para corroborar argumentos supostamente sagazes, derrubem a tese, de início fajuta. Era só nisso que eu conseguia pensar ao ler o artigo escrito pela editora-assistente L.V. Anderson para a revista eletrônica Slate, um texto defensor da ideia de que, diante da internet e dos aplicativos para tablets e smartphones, os livros de cozinha (e não só os de papel, mas o gênero inteiro!) estão fadados a morrer.

A falsa polêmica sobre o “desaparecimento dos livros diante das novas tecnologias” – alguém acredita mesmo nisso? – já rendeu pano pra manga em incontáveis discussões e não sou eu, amante tanto do papel quanto do Kindle e do iPad, que vou me juntar à multidão. Mas o texto de Anderson merece algumas considerações de quem acredita não apenas na longevidade dos volumes de cozinha como num feliz casamento entre eles e o mundo digital. Num claro indício de que sua visão pode não ser tão perspicaz assim, a autora começa o artigo dando um tiro no próprio pé: cita uma reportagem do jornal San Francisco Chronicle segundo a qual a venda dos títulos de gastronomia cresceu 8%, em 2011, em relação a 2010. Em seguida, tira não se sabe de onde a teoria de que esse crescimento de mercado só é possível porque muita gente compra livros de receitas para dar de presente, já que eles reúnem as qualidades ideais para isso: são geralmente bonitos, nem muito baratos e nem muito caros e, afinal, todo mundo precisa comer.

Já seria patético o suficiente, mas ela vai além: diz que uma minoria de pessoas compra livros de cozinha para consumo próprio, mas que essa parcela de consumidores ganharia muito mais ao consultar receitas em sites e aplicativos especializados, pois neles é possível checar a opinião de outros usuários a respeito da qualidade dos pratos apresentados. Escreve a (equivocada) autora: “antes da internet, você precisava preparar uma receita para saber se ela é boa (ou confiar em um amigo cujo paladar pode ou não ser compatível com o seu)”. Eu senti vergonha alheia do editor que deixou passar esse tipo de pensamento. Então as dezenas de pessoas desconhecidas que fazem comentários na internet são mais confiáveis do que os amigos que, no mínimo, têm algumas referências sobre nosso gosto pessoal?

Aí começa o trecho mais constrangedor, e que trata da (falta de) qualidade dos textos em muitos blogs e sites especializados: “estão cheios de receitas mal-escritas... falham ao dar referências temporais ou visuais para indicar quando algo está pronto... erram na ortografia do nome de ingredientes e técnicas culinárias” – e ainda assim ela defende que são melhores do que os livros de cozinha! (Claro que também existem títulos ruins. Claro que também existem blogs e aplicativos bons. Inaceitável é colocar tudo no mesmo balaio, para o bem ou para o mal.) Anderson termina seu discurso incoerente dizendo que os amantes dos livros de receitas de hoje estarão mortos amanhã, e que haverá um tempo em que alguns de nós nos perguntaremos como é que pudemos, um dia, ter cozinhado a partir desses objetos tão defasados. E eu termino este meu pequeno desabafo mal-humorado – mas como manter o bom humor diante de tanta bobagem? – pensando na ingrata tarefa que é querer causar polêmica sem ter argumentos para isso.

[28/06/2012 21:00:00]