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Sebos, um mundo à parte
PublishNews, 19/06/2012
Sebos, um mundo à parte

O mundo dos sebos constitui uma dessas áreas do mercado editorial que todo mundo sabe que existe, mas poucos se aventuram a explorar, no sentido de compreender seu papel, sua dimensão e seus efeitos na indústria.

É bom lembrar que a história dos sebos se confunde com a das livrarias "normais" e com a das editoras, e até mesmo com a das bibliotecas. José Olympio trabalhava na livraria Garroux e abriu sua loja quando adquiriu a coleção de Alfredo Pujol. A livraria, negócio mais estável que a publicação, foi a base do desenvolvimento de várias casas editoriais, assim como as revistas lítero políticas, como é o caso da Revista do Brasil, de Monteiro Lobato.

A aquisição das coleções ou bibliotecas de bibliófilos permitia a circulação dos livros em um momento em que a indústria editorial apenas engatinhava, e a importação de livros era um importante componente do mercado livreiro-editorial.

Esse papel de "reciclagem" dos sebos se acentuou com o desenvolvimento, e a consequente segmentação, do mercado editorial e livreiro. As editoras separaram-se das livrarias e estas se subdividiram, ficando de um lado as livrarias de novidades e acervo e, do outro, os sebos, ou "livrarias de usados".

Os sebos cumprem vários papéis no mercado livreiro. Grosso modo, podem-se distinguir várias divisões: os antiquários livreiros, garimpadores e comerciantes de obras raras, livros de arte etc.; os sebos tradicionais, que podem até vender obras raras, mas essas são achadas no "garimpo" do acervo; pontas de estoque, livrarias que misturam livros usados com as pontas de estoque vendidas como saldo por editoras ou distribuidoras.

É um mundo fascinante, do qual, na verdade, se sabe muito pouco. O professor e acadêmico Antônio Carlos Secchin publicou um pequeno livro, que teve varias edições, sobre os sebos mais conhecidos do Rio de Janeiro e São Paulo, acrescido de informações sobre as principais lojas de Belo Horizonte, Brasília, Curitiba, Goiânia, Porto Alegre, Recife, Salvador e São Luís do Maranhão. O livro é atualmente publicado pela Lexicon e a ultima edição que localizei é de 2007. O livro de Secchin se apresenta como um "guia comentado". Ou seja, o professor e acadêmico os conhece pessoalmente e oferece uma breve avaliação do tipo e da qualidade do acervo oferecido.

O trabalho pioneiro de Secchin foi ultrapassado, em quantidade, pelo surgimento do site Estante Virtual. O site abre links para os acervos de sebos em todos os estados, oferecendo mecanismo de busca bastante eficiente que permite pesquisar entre centenas de milhares de títulos cadastrados pelos sebos afiliados. A Estante Virtual se apresenta como local de compra de "livros usados e seminovos", e isso abre espaço para observações importantes.

As livrarias de sebos – ou alfarrabistas –, como se dizia tradicionalmente, cumprem vários papéis importantes para a indústria livreira. Ali podem ser encontrados não apenas livros usados que ainda estão no mercado – às vezes em edições mais antigas, inclusive com ortografia ultrapassada – como também exemplares de edições esgotadas e fora do mercado. Ao manterem à venda esses títulos, os sebos cumprem, em parte, um papel tradicionalmente reservado às bibliotecas públicas. A memória editorial do país, que não se sustenta no deficientíssimo sistema de bibliotecas que temos, faz dos sebos o depositário de títulos que, por uma ou outra razão, deixaram de ser publicados, mas que nem por isso são menos importante para a formação universitária, para pesquisas, etc.

Do ponto de vista social, esse é o papel mais importante dos sebos. Neles se produz uma espécie de reciclagem dos exemplares. O que não é mais interessante para alguém, pode ser o exemplar longamente procurado por outro leitor, que não o encontra nas bibliotecas.

O mercado de livros raros é outro tradicionalmente ocupado pelos sebos. Colecionadores, bibliófilos, admiradores de edições antigas, todos encontram nos sebos especializados uma fonte para satisfazer suas necessidades. Os sebos dessa categoria dispõem inclusive de ligações internacionais, com sebos de vários países, e chegam a organizar leilões de obras especialmente raras e procuradas. As primeiras edições de livros de autores que se tornaram famosos, e que foram inicialmente publicados de forma precária, são alguns dos itens mais procurados em sebos.

Um dos autores interessantes da literatura policial contemporânea é John Dunning, cujo personagem e detetive é dono de um sebo. Cliff Janeway, o livreiro-detetive vai se envolvendo em casos enquanto relata alguns aspectos característicos do trabalho profissional de donos de sebos: avaliação de acervos, identificação de falsificações e o estabelecimento da autenticidade de autógrafos. Em um dos livros da série, o personagem se depara com um habilidoso falsificador de dedicatórias nas primeiras edições de clássicos da literatura norte-americana. Os exemplares são autênticos, mas as dedicatórias são todas falsas.

Esse romance de Dunning remete a um dos problemas dos sebos: o de livreiros desonestos que fazem circular obras roubadas. O mercado de raridades bibliográficas abrange exemplares que podem chegar a valer milhões de reais (ou dólares). Aqui mesmo no Brasil tivemos, não há muito tempo, casos de roubos de livros de importantes bibliotecas de museus e bibliotecas de conservação, inclusive da Biblioteca Nacional.

Se o mundo dos sebos é pouco conhecido em suas características econômicas, a área dos livros raros o é menos ainda. Os ladrões de raridades muitas vezes atuam em conjunto com os vendedores de obras de arte roubadas de museus, saqueadas em sítios arqueológicos, e também são primos dos que negociam falsificações.

Mas o mercado ilegal que é processado por alguns sebos – felizmente uma minoria – não se restringe às obras raras. Existe também um tráfico de exemplares que ainda estão no mercado, roubados dos depósitos das editoras e das gráficas. Livros de arte, dicionários, livros acadêmicos mais caros, como os de medicina e engenharia, às vezes aparecem nos sebos como "seminovos" quando na verdade foram roubados.

Quando uma editora encomenda um livro, fornece papel suficiente para a tiragem prevista e mais uma sobra, dita "para ajuste das maquinas". Desse modo, o número real de exemplares impressos nunca é exatamente o encomendado. As gráficas que mantêm controle dos processos produtivos entregam todos esses exemplares à editora. Mas, mesmo assim, existe a possibilidade de infiltração por quadrilhas que vendem livros "seminovos", às vezes até antes que os exemplares das editoras cheguem às livrarias. O mundo editorial convive com historias desse tipo. Em outros casos, os livros são roubados diretamente dos depósitos das editoras. Obviamente, os alvos dessas ações são os títulos mais vendidos e mais caros, como mencionei. Ocasionalmente esses livros aparecem nos pontos de venda que oferecem as "pontas de estoque" das editoras.

Há muito que penso em montar uma estratégia de pesquisa para chegar mais perto do universo dos sebos. Gostaria de conhecer melhor não apenas a dinâmica de seu funcionamento no Brasil, como também o lado econômico e social do negócio. Quem sabe, um dia eu consigo.

Felipe Lindoso é jornalista, tradutor, editor e consultor de políticas públicas para o livro e leitura. Foi sócio da Editora Marco Zero, diretor da Câmara Brasileira do Livro e consultor do CERLALC – Centro Regional para o Livro na América Latina e Caribe, órgão da UNESCO. Publicou, em 2004, O Brasil pode ser um país de leitores? Política para a cultura, política para o livro, pela Summus Editorial. Mantêm o blog www.oxisdoproblema.com.br. Em sua coluna, Lindoso traz reflexões sobre as peculiaridades e dificuldades da vida editorial nesse nosso país de dimensões continentais, sem bibliotecas e com uma rede de livrarias muito precária. Sob uma visão sociológica, ele analisa, entre outras coisas, as razões que impedem belos e substanciosos livros de chegarem às mãos dos leitores brasileiros na quantidade e preço que merecem.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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