Japão e Brasil: universos digitais paralelos
PublishNews, 06/06/2012
Japão e Brasil: universos digitais paralelos

A relação centenária entre o Brasil e o Japão me intriga. Curiosamente, fiz meus primeiros amigos brasileiros em solo japonês, quando eles trabalhavam em uma das primeiras gerações de telas planas de TV da Sharp. Acho que podemos olhar para o Japão para aprender com os desafios do passado e ter uma ideia sobre o presente e o futuro dos e-books no Brasil. Você talvez ache esse paralelo surpreendente.

O passado

O medo, no Japão, de uma ruptura da indústria editorial retardou o crescimento daquele que poderia ser um enorme mercado para os e-books.

Aproveitando o status privilegiado que têm no varejo, as editoras japonesas controlam de perto o preço final de venda dos e-books. Além disso, elas determinam o desconto (em torno de 30%) e o posicionamento das edições digitais. Os leitores, portanto, não se beneficiam de ofertas e promoções de produtos que poderiam ser feitas pelas livrarias criativas.

Se, de um lado, a tecnologia do e-book surgiu no Japão cerca de 20 anos atrás, de outro existem menos de 50 mil e-books em japonês – é menos do que o número de títulos lançados no país em formato impresso em um único ano. Essa lacuna digital abriu espaço para que algumas empresas bastante astuciosas escaneiem e disponibilizem ilegalmente conteúdo impresso – uma prática chamada de jisui (fazer sua própria comida). Vamos rezar para que os piratas brasileiros se tornem organizados desse jeito e transformem seu hobby em um negócio.

Uma ação coletiva por parte das 13 maiores editoras do país, que constituiu uma forte aliança de distribuição, está bloqueando a entrada de inovadores digitais estrangeiros. Acho esse espírito nacionalista de “vamos fazer aqui mesmo” muito admirável. No entanto, uma aliança tende a se concentrar mais em ações defensivas do que no desenvolvimento de algo novo, e, assim, não apenas os leitores estarão impedidos de acessar o conteúdo que desejam, como os piratas vão deitar e rolar.

O presente

As plataformas de leitura eletrônica ainda não atendem as necessidades do mercado local, retardando a adoção do e-books.

Embora eu tenha muito orgulho do meu trabalho com o Kindle e outros e-readers E-Ink, eu sou o primeiro a dizer que eles não são para todo mundo. Eles são muito grandes e não servem pra quem se espreme em trens a caminho do trabalho ou para as leitoras que carregam bolsas pequenas. E, no Brasil, com os preços de hoje, dispositivos dedicados exclusivamente à leitura são inacessíveis para todo mundo, com exceção dos aficionados por tecnologia endinheirados. Talvez você ache interessante saber que os smartphones e até os feature phones são a principal plataforma de leitura digital no Japão. O argumento de que os e-books exigem um aparelho dedicado, portanto, é discutível.

Outro aspecto a considerar é que a maneira única como os japoneses leem – de cima para baixo, da esquerda para a direita – torna simplesmente impossível importar plataformas pensadas para o leitor do inglês. Da mesma forma, o hífen é um problemaço em português. Quem desenvolve as plataformas precisa enfrentar essas questões complicadas relacionadas aos idiomas.

Como ressaltou Jonathan Newell, da Nielsen, durante o Congresso CBL do Livro Digital, em maio, o gênero romance é de longe o que motiva a adoção do e-book nos mercados americano e inglês, especialmente. Mas não para os japoneses: lá, os mangás geram 25% da receita editorial total e 75% da receita com digital. No Brasil, algo me diz que o segmento educacional poderá ser a galinha dos ovos de ouro.

O futuro

Porque o conteudo deveria ficar limitado a telas monocromáticas de seis polegadas? O conteúdo vai estar acessível aos leitores sempre que eles quiserem consumi-lo. Para além do ecossistema fechado que a Amazon desenvolveu com o Kindle, há muita gente trabalhando em plataformas em nuvem para permitir que as pessoas acessem suas bibliotecas de smartphones, de tablets e, não se esqueça, de PCs. As soluções criadas em HTML5 significam que qualquer dispositivo com um navegador pode se transformar num e-reader.

O conteúdo vai ser “petiscável”. Quando eu tenho tempo, adoro sentar no parque do Ibirapuera ou na praia de Ipanema para ler devagar um bom romance. Mas nove em dez vezes minha experiencia de leitura está limitada a uma corrida de táxi de 20 minutos (ou às vezes 60, em São Paulo). Os japoneses foram pioneiros no conceitos de “aperitivos” de conteúdo – uma nova experiência que pode ser digerida numa rápida viagem de ônibus para o trabalho, por exemplo. Com a obsessão dos brasileiros por pedacinhos de conteúdo no Twitter ou no Facebook, algo me diz que esta poderia ser uma receita de sucesso no país.

Os livros ilustrados também vão vir com força. Ao focarem no patrimônio nacional dos mangás, os japoneses inventaram soluções criativas para visualizar esse rico conteúdo em formato digital. Espere ver livros para crianças, conteúdo educacional e guias ilustrados incríveis iluminando as telas no Brasil e em todos os lugares do mundo.

Para navegar nesse mar de mudanças trazidas pelo e-book, precisamos olhar para fora. Mas o invés de mirarmos os Estados Unidos, nós no Brasil podemos aprender mais ainda com nossos amigos de longa data lá no Japão.

[05/06/2012 21:00:00]