Dois conceitos com a mesma denominação intitulam este artigo. Queria falar somente a respeito de um, mas para evitar confusão tenho que me referir ao outro – ainda que estendendo a introdução –, já que ambos são de grande relevância não só para o profissional do Direito, mas para o cidadão.
O primeiro “contraditório” é um princípio garantido pela Constituição brasileira, que no seu art. 5º enuncia, dentre os Direitos Fundamentais, os Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, pregando a igualdade de todos perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, corporificada em 78 itens, dentre eles o que nos interessa agora:
“LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”
Contraditório, aqui, é o substantivo que vem do latim contradictorius e tem o sentido de permitir que alguém responda, contradiga o que outro disse, de modo as alegações nos processos, tanto judiciais quanto administrativos, sempre sejam respondidas. Assim, sempre que se junta um documento ou se faz uma alegação, a outra parte tem o direito de se pronunciar a respeito, em determinado prazo.
Já o segundo “contraditório”, um adjetivo, tem conteúdo negativo. Significa incoerência, ato de incompatibilidade, oposição. E aqui o principal ponto, consubstanciado em frase latina aparentemente complicada, mas de fácil apreensão, após traduzida. É o nemo post venire contra factum proprium, ou “não é possível ir contra fatos próprios”; em outras palavras, a proibição do comportamento contraditório.
Não se trata de qualquer comportamento contraditório, mas sim aquele que, contrariando as expectativas de alguém que se encontra envolvido em relação jurídica, por exemplo, um contrato, muda de rumo súbita e radicalmente, e essa mudança causa um dano a outra pessoa. Não se trata de “limitar, em absoluto, a liberdade de mudar de opinião e de conduta, mas apenas frear o exercício desta liberdade quando daí possa derivar prejuízo a quem tenha legitimamente confiado no sentido objetivo do comportamento inicial” (Anderson Schreiber).
Embora o princípio seja antigo, vem sendo acolhido pelo Direito contemporâneo. Não querendo ser presunçoso, assim que tomei contato com esse enunciado imaginei sua aplicabilidade ao direito autoral, e as pesquisas apontaram uma decisão recente do Tribunal de Justiça de São Paulo aplicando-o a um caso de contrato de edição, que passo a comentar.
Uma autora de livros conta que contratou verbalmente (deveria ter feito por escrito, como manda a lei) a edição de duas obras por ela escritas. Recebeu uma parte da remuneração em livros, mas não a outra parte, que deveria ser paga em dinheiro, e alegou outras irregularidades que a editora teria praticado. A autora pediu para cessar a publicação dos livros para que os editasse em outra casa, e também pediu indenização, pois não autorizara previamente, por escrito, a edição.
A editora contestou o fato mostrando que a conduta da autora (apesar de não ter sido feito contrato escrito) foi toda no sentido de autorizar a publicação dos livros e receber pagamento em exemplares.
Na decisão, o Tribunal deixou claro que não cabia a alegação de inexistir contrato escrito, pois a conduta das partes, principalmente a da autora, deixou bem claro que o contrato era verbal, e nesse sentido estava sendo cumprido.
Assim, a forte, súbita e inovadora alegação de inexistir contrato escrito (e de fato não existia) foi superada pela prova da conduta das partes. Ou seja, a autora não celebrou contrato escrito com a editora, deu seguimento a um contrato verbal de edição, mas na hora do processo invocou a falta de contrato escrito para considerar não autorizada a publicação dos livros.
O Judiciário entendeu, corretamente, que a alegação da autora configurava comportamento contraditório. A falta de um documento escrito – recomendável – não havia impedido que ela ajustasse verbalmente a edição dos livros e fosse cumprindo as etapas iniciadas com a entrega dos originais, mas, insatisfeita com o contrato, a autora passou a exigir o que não pedira, o que ofende a boa-fé exigida nas relações contratuais.
Chamo a atenção para essa decisão, pois no mundo formalista dos direitos autorais, com interpretações restritas, exigência da forma escrita em contratos, esse precedente inova, e muito.
Logo, a coerência de comportamento num contrato deve ser observada, de modo a não se invocar, nem permitir que se invoque, comportamento contraditório, causador de danos a outra parte.
O fato é que a flexibilidade nas relações sociais também se reflete no Direito, e temos que ficar atentos, pois o Judiciário já está captando esses sinais.
Assim, contraditório e contraditório, substantivo e adjetivo, diferem bastante, sendo importante atentar para essa diversidade de significado, e ambos são de grande relevância, não só para o profissional do Direito, mas principalmente para nortear a conduta de quaisquer contratantes.
Gustavo Martins de Almeida é carioca, advogado e professor. Tem mestrado em Direito pela UGF. Atua na área cível e de direito autoral. É também advogado do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) e conselheiro do MAM-RIO. Em sua coluna, Gustavo Martins de Almeida aborda os reflexos jurídicos das novas formas e hábitos de transmissão de informações e de conhecimento. De forma coloquial, pretende esclarecer o mercado editorial acerca dos direitos que o afetam e expor a repercussão decorrente das sucessivas e relevantes inovações tecnológicas e de comportamento. Seu e-mail é gmapublish@gmail.com.
** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.
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