Alguns achados e impressões de Portugal
PublishNews, 20/04/2012
Impressões de Portugal

Para mim, os melhores livros de cozinha resultam de uma feliz união entre receitas interessantes (combinações inéditas, registros de pratos tradicionais, insights a respeito de técnicas e ingredientes etc), um projeto gráfico bacana e textos inspirados – eu já ia dizendo “saborosos” quando percebi o trocadilho infame, mas, no fundo, é isso mesmo. Se a obra tiver uma certa vocação literária, então, fica irresistível. Foi por isso que comprei Cozinha d’amigos (Oficina do Livro, 106 pp., 24,40 euros), do jornalista e escritor português Miguel Sousa Tavares (de Equador, No teu deserto e Não te deixarei morrer, David Crockett): muito mais pelas histórias que ele conta na apresentação de cada receita do que pela sopa de peixe matalote, do bife à portuguesa ou do polvo assado com arroz. Fiquei ali, na livraria de Lisboa, lendo em pé mesmo e me divertindo com as narrativas e com as opiniões às vezes meio mal-humoradas do escritor, como a ojeriza pela nouvelle cuisine (“Abomino o conceito, abomino a linguagem pretensiosa e ridícula dos seus menus, abomino a decoração gay dos pratos, abomino o show-off dos seus personagens, abomino o novo-riquismo dos seus restaurantes e dos preços para patos-bravos.”) e a instrução para que sejam usados produtos portugueses na sopa de meloa (“... jamais as insípidas meloas espanholas dos supermercados portugueses – que, como toda fruta espanhola que eles patrioticamente promovem [e porque lhes sai mais em conta], sabe apenas a água injectada. Da Espanha chegam muitas coisas boas; as frutas e os legumes, não.”).

Essa obra de Miguel Sousa Tavares pertence a um gênero pouco explorado dos livros de receitas: aqueles escritos por homens comuns, que não têm restaurantes famosos nem programas badalados na TV. Ou, como ele mesmo diz no texto de introdução, “homens-cozinheiros domésticos, da geração dos Beatles, que aprenderam a cozinhar, sem pretensão alguma – primeiro por motivo de divórcio e de libertação feminina, depois por curiosidade, interesse ou relaxamento”. Aqui no Brasil, eu me lembro de dois títulos que seguem a mesma linha: A cozinheira e o guloso (BEI, 216 pp., R$ 110), de Thomaz Souto Correa, com receitas de Mazzô França Pinto, e Senhor prendado – Um homem que se diverte na cozinha (Leya Brasil, 400 pp., R$ 99,90), de João Baptista da Costa Aguiar.

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Não fui a tantas livrarias quanto gostaria de ter ido em Lisboa, mas uma coisa me chamou a atenção nas que eu pude conhecer, quase todas nos bairros do Chiado e da Baixa: a inexistência de uma mesa expositora para livros de cozinha, como já é comum aqui no Brasil em (quase) qualquer loja. Apenas a Fnac do shopping Armazéns do Chiado dedicava um espaço maiorzinho ao gênero, mas de uma maneira bem tímida se comparada aos endereços brasileiros da rede.

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Em compensação, não só nas livrarias, mas também nas lojas instaladas em diversos museus e em endereços charmosinhos – como A Vida Portuguesa, que vende desde brinquedos com cara de antigamente até sardinha e atum em conserva, cadernos, tapetes e sabonetes, tudo fabricado em Portugal –, eram onipresentes os livros da Colares Editora, que tem uma linha dedicada à culinária regional e histórica do país. São volumes simples, com títulos como A cozinha dos mosteiros, Cozinha da Beira Alta, A arte de comer em Portugal na Idade Média, Licor Beirão – Histórias e receitas e vários dedicados aos doces tradicionais, conventuais ou não: de Coimbra, do Algarve, do Alentejo... Não me lembro de ter visto nenhuma produção tão farta, lançada por uma única editora, a respeito da memória gastronômica de um lugar. Bem que esse exemplo poderia ser seguido também aqui no Brasil.

[19/04/2012 21:00:00]