Software livre aplicado aos e-books: entrevista com Kovid Goyal, criador do Calibre
PublishNews, 11/04/2012
Software livre aplicado aos e-books

Graças a sua interface atrativa e sua ampla gama de possibilidades, o Calibre conseguiu se posicionar como um dos programas de código aberto mais utilizados no mundo do e-book. Com ele, o usuário pode converter seus livros em diferentes formatos e administrar suas bibliotecas de títulos e metadados. Nesta entrevista, conversamos com o expert indiano Kovid Goyal, criador do Calibre, sobre diferentes aspectos da indústria do e-book, bem como sobre seus planos para o futuro.


OK: O Calibre foi desenvolvido como um programa que precisa ser instalado no computador. Existe demanda para uma versão em nuvem, agora que os e-readers têm mais conectividade?

KG: O Calibre inclui um servidor de conteúdo que permite compartilhar nossa biblioteca na internet. Também estamos trabalhando com diferentes soluções em nuvem que em breve vão estar prontas, mas se tratará de um serviço pago, já que esse tipo de sistema implica gastos de hospedagem.

OK: Você tem estatísticas sobre o uso do Calibre para telefones celulares?

KG: Na verdade, não. No momento estou compilando informação sobre quais dispositivos se conectam ao Calibre.

OK: Qual sua opinião sobre sistemas fechados como o Kindle, da Amazon, ou o Nook, da Barnes & Noble? Que futuro terá o DRM, em seu ponto de vista?

KG: Considero que os esforços empreendidos por essas empresas para dominar o mercado são tolos e de curto-prazo. Um dos meus principais objetivos com o Calibre foi proporcionar uma plataforma de administração de e-books o mais aberta e independente possível. Do meu ponto de vista, o DRM é ficção: de fato, não consegue evitar a pirataria. Seu único efeito é prender o cliente. Para combater o DRM, minha esposa e eu começamos a trabalhar na Open Books, uma base de livros que são vendidos sem DRM.


OK: Atualmente, a indústria do e-book se assemelha a uma torre de Babel, com vários jogadores tentando impor seus próprios formatos. Nesse contexto, o Calibre operaria como tradutor entre essas diferentes “linguagens”?

KG: Certamente essa é uma das funções mais importantes do Calibre. Na medida em que se usa material livre de DRM (ou que se elimina o DRM da cópia de um e-book), o Calibre te permite ler esse livro em qualquer formato e dispositivo.

OK: De acordo com alguns números apresentados no site do Calibre, a maioria dos downloads do programa é feita nos Estados Unidos (25%), Espanha (8,8%), Reino Unido (7,7%) e Alemanha (7,4%), isto é, em nações industrializadas, enquanto países em desenvolvimento ou emergentes como o Brasil, Índia ou África do Sul apenas representam pouco mais de 1%. Como você explica esse fenômeno?

KG: Os e-readers são caros. Se alguém não paga esse preço, não pode ler seu primeiro e-book. Por outro lado, a maioria dos e-readers requerem em algum momento uma conexão com um computador para funcionar. Essas duas exigências implicam certamente uma desvantagem comparativa nos mercados em desenvolvimento. No entanto, a situação vai mudar quando os e-readers se tornarem mais baratos (ou se transformarem em dispositivos multifuncionais) e os padrões de vida melhorarem nesses países.

OK: Apesar dos números relativamente baixos, você vê algum potencial em particular para o Calibre nas regiões em desenvolvimento, agora que vários governos – com o indiano – estão prontos para produzir massivamente tablets e outros dispositivos de leitura adaptados às necessidades do leitor local?

KG: Com certeza, o fato de o Calibre ser livre e de código aberto transforma-o em uma ferramenta muito útil para os orçamentos mais exíguos! Dito isto, pessoalmente prefiro não trabalhar com organizações muito grandes nem com governos. Embora os governos sejam bem-vindos a utilizar o Calibre se o considerarem útil, não é algo que eu esteja encorajando ativamente.

OK: Você voltou para a Índia no ano passado. Essa é uma decisão de longo prazo? Você continuará trabalhando em desenvolvimentos de código aberto em seu país?

KG: Mudei para os Estados Unidos unicamente para obter meu doutorado. Meu projeto sempre foi regressar à Índia assim que meus estudos estivassem terminados. A Índia é meu lar. Sobre o que farei no futuro, não dá para defini-lo completamente, já que o Calibre foi uma espécie de acidente, algo que ocorreu quando eu estava na universidade. Geralmente, tento não prever meu futuro, mas continuo trabalhando com software, e seguramente no terreno do código aberto.

OK: Logo em sua primeira versão, o Calibre recebeu uma generosa contribuição de um grande numero de pessoas – uma comunidade ativa de programadores, designers e tradutores. O que será que motivou essas pessoas a contribuir com o projeto? E no seu caso, qual foi sua motivação?

KG: A maioria das pessoas contribuiu com o Calibre por duas razões. 1) O colaborador agrega uma característica de que necessita e vê que ela é útil. 2) O colaborador o faz porque é divertido e o considera um desafio do ponto de vista técnico. Trabalhei incansavelmente para que qualquer pessoa pudesse contribuir com o código do Calibre de um modo muito simples. Implementar uma melhoria no Calibre pode levar literalmente cinco minutos. O programa conta com um sistema de extensões muito bem documentado que permite aos usuários conectar quase qualquer aspecto da sua funcionalidade com aplicativos externos. Esses esforços deram frutos e por isso existe uma comunidade tão ativa. Agora, do lado pessoal, criei o Calibre porque meu primeiro e-reader, o SONY PRS-500, não funcionava com o Linux, o sistema que eu uso. O Calibre, que começou com o nome de libprs500, não parou de crescer desde então!

Finalmente, eu diria que é essencial trabalhar em iniciativas como o Calibre, porque os livros e a leitura não podem depender de software proprietário nem de corporações motivadas unicamente pelo lucro.

[10/04/2012 21:00:00]