Quem escreve os livros de cozinha?
PublishNews, 05/04/2012
A polêmica dos ghostwriters

Nas últimas semanas, um artigo publicado no jornal The New York Times causou o maior falatório entre alguns autores e chefs-celebridades que assinam livros de receitas. Em “I was a cookbook ghostwriter”, a repórter Julia Moskin diz que, por cinco anos, escreveu nove títulos de cozinha sem que tivesse sido creditada na maior parte das vezes, e lança dúvidas a respeito da real autoria de livros como My father’s daughter (Grand Central Life & Style, 272 pp., US$ 30), da atriz e agora cozinheira Gwyneth Paltrow, e questiona a produtividade de gente como Rachael Ray, uma das estrelas do canal de TV Food Network, que tem seu nome na capa de mais de vinte livros.

Não demorou para que os chefs se pronunciassem – Mario Batali e assessores de Jamie Oliver escreveram para o jornal, Rachael Ray disse ainda ter os originais manuscritos por ela, Gwyneth Paltrow foi ao Twitter para dizer que escreveu cada palavra de seu livro – e para que outros meios de comunicação repercutissem a história, caso dos periódicos Los Angeles Times, Daily News e do britânico Daily Mail, além dos sites The Huffington Post e The Daily Beast, que acusou de apelativo o texto do NY Times. Até no ombudsman da publicação nova-iorquina o imbróglio foi parar: em um artigo do dia 26 de março, Arthur S. Brisbane questiona a editora do caderno Dining, que publicou o texto original, e recebe dela uma definição bem ampla e um tanto capciosa do que é ser ghostwriter de livros de cozinha (“... inclui pesquisadores que podem passar dias testando cada método possível para cozinhar feijões...”) e conclui que o texto foi enganador.

Acredito que tenha havido no mínimo uma certa má-fé do caderno Dining ao veicular a reportagem de Julia Moskin. Como disse o Daily Beast, foi um sensacionalismo desnecessário. Chefs têm a obrigação de cozinhar bem, não de escrever direito. Não há mal nenhum em usar o trabalho de um ghostwriter, como fazem tantos políticos, artistas e esportistas que publicam autobiografias escritas com ajuda profissional. E daí que os ghostwriters de livros de cozinha não apareçam com seu nome na capa? Não é essa, exatamente, a natureza da função, não é isso que está explicitado no termo “escritores fantasmas”, desaparecer por trás do texto para que o outro brilhe em seu lugar? Ghostwriters são pagos para exercer sua tarefa. Na maioria das vezes, existe – ou, pelo menos, deveria existir – um contrato que prevê o cachê negociado pelo trabalho, a discrição do escritor contratado, às vezes até a ordem em que o autor de aluguel deve aparecer na lista de agradecimentos, numa maneira de reconhecer seu valor sem ofuscar os holofotes sobre o cozinheiro.

Por outro lado, não sei por que a vergonha de um chef em admitir que conta com esse tipo de ajuda para lançar seus livros. Desde que ganhou seu primeiro programa na TV britânica e foi alçado à categoria de celebridade, há quinze anos, Jamie Oliver já lançou catorze títulos originais – mas alguém imagina que o jovem e espevitado cozinheiro, que continua gravando para a televisão, vive inaugurando restaurantes e dá seu nome a uma linha de produtos de cozinha, uma fundação com cinco programas educacionais e um serviço de catering, entre outros, pare tudo e sente-se pelo menos uma vez por ano em frente ao computador para o exaustivo trabalho de escrever um livro? Difícil. E não tem a menor importância: seus títulos são muito bem-produzidos, o texto é a cara do garotão e as receitas dão certo.

E para os leitores, essa discussão é importante? Parece que não, a se julgar pela maior parte dos comentários que li em cada um desses artigos. Mesmo quem defende que os chefs reconheçam de maneira mais transparente o trabalho dos ghostwriters concorda ao dizer que importante, mesmo, é gerarem bons livros. É isso o que todos queremos.

[04/04/2012 21:00:00]