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Existe um editor de literatura para crianças e jovens? (parte 2)
PublishNews, 20/06/2011
Existe um editor de literatura para crianças?

Na última coluna falei sobre o papel dos editores que, independentemente de sua área de atuação, compartilham um universo geral de referência e a responsabilidade pelo conteúdo e pela administração das etapas do processo de produção editorial. E que grandes editores de literatura para crianças e jovens se destacaram por respeitar a inteligência dos jovens leitores, pela sua sensibilidade em relação às questões de seu tempo, pela ousadia, pela criatividade e pela aposta em novos rumos, conteúdos e formas.

Procurando inspiração nessas experiências editoriais, virar o foco na direção do trabalho específico da literatura para crianças e jovens põe em evidência o destinatário dessas publicações e a responsabilidade do editor, considerando a sensibilidade em formação e a curiosidade própria do seu público leitor. Independentemente de nossa vontade, o trabalho com crianças e jovens atua num terreno onde critérios e gostos estão em plena formação, assim como as referências primeiras de uma visão de mundo que será base para a orientação de futuras escolhas individuais. O que não é pouco. Se esta responsabilidade é extensiva a todas as atividades que tem seu foco nas crianças e jovens, no campo da edição de livros ganha protagonismo e destaque.

Apesar de não compartilhar das visões que atribuem um caráter redentor à leitura, em países como o nosso, onde a desigualdade social é gritante e o consequente acesso à cultura letrada também, dedicar-se à promoção da leitura, seja lá pelo viés que for, é uma ação de intervenção política das mais sérias e comprometidas. Se a leitura não garante por si mesma nenhuma salvação, ela pode sim contribuir para a democratização do acesso à cultura, uma vez que ela fornece o instrumental chave.

Daí a importância do papel dos mediadores de leitura – de todos aqueles responsáveis pela sua promoção. Podemos colocar os editores lado a lado com professores, bibliotecários, promotores, familiares. Mas, com um diferencial nada desprezível: o poder do editor na constituição desta cadeia. O poder de escolher e determinar os produtos que estarão disponíveis no mercado, no seu conteúdo e na sua forma. É o editor o responsável primeiro por tal escolha. Ele é quem seleciona, ele é quem decide o que vai ser publicado ou não.

A grande especialista espanhola de literatura infantil e juvenil Teresa Colomer (1) se refere à produção deste segmento editorial como um dos espelhos mais representativos de qualquer época para se analisar como uma dada sociedade pensa seu presente e o que ela pretende para seu futuro. É só pensar, por exemplo, como as imagens da família, dos gêneros, da sexualidade, entre outras, foram sendo representadas e tratadas ao longo da história da literatura para crianças e jovens. E como as rupturas com a tradição e com o preestabelecido demoraram para serem reconhecidas e incorporadas.

Cabe ao editor escolher os livros a serem publicados. E como toda escolha, ela é portadora de referências que quanto mais conhecidas mais coerência e solidez trarão a decisão tomada. São inúmeras as questões por trás de uma simples escolha de um título qualquer: desde a mais geral, poucas vezes lembrada, de qual é a leitura que se pretende: alfabetização crítica, literária, ou alfabetização instrumental? Leitura reparadora, ou ainda, uma leitura que obedece a critérios da escola? Em última instância, a que leitor se aspira? Em caso de se aspirar a algum leitor; à mais pessoal, que, sem dúvida, tem a ver com gosto literário, afinidade temática, visão de mundo etc.

A simples afirmação da importância da leitura não é nenhuma garantia de escolha coerente para esta finalidade. Ter claro o que pretendemos e ao que aspiramos é certamente um primeiro passo facilitador do trabalho de todo editor que tem no horizonte seu papel de mediador. Pensemos por exemplo numa experiência editorial concreta: a formação de um catálogo.

Um bom catálogo segue determinados critérios – como qualidade, linha editorial, segmento de mercado etc. –, prevê diferentes públicos, leva em conta diferentes leitores. Ou como diz Jorge Herralde, um dos maiores editores espanhóis: “O catálogo de um editor revela seus gostos e seus entusiasmos, seus acertos e seus fracassos, sua possível coerência, suas esperanças imotivadas e suas apostas proféticas, suas relações com seus autores (...), sua adesão ou recusa ao ecletismo em relação as ideologias de seu tempo, sua reação frente ao impacto das novas tecnologias, seu sentido da oportunidade, ou o que é muito diferente, seu oportunismo, sua imaginação ou sua insipidez, sua opção ou suas indefinições entre o risco e o conforto.”(2)

Acredito que um bom editor deva se perguntar diante de um novo original: Por que publicá-lo? Para quem? Que leitor é esse que pode se sensibilizar por esta temática, por esta construção narrativa, por esta linguagem textual e visual? E com essas questões em pauta, apostar numa diversidade de leitores, inclusive naquele leitor considerado muitas vezes fora de padrão, e publicar textos ousados, inovadores, que rompam com o previamente estabelecido, com a chamada leitura instrumental, com o consenso de modo geral alimentado pelas editoras que só miram um mercado.

Espera-se sim de um bom editor “obrigar o público a aceitar novos valores”, como diria o lendário Samuel Fisher (3) e, com isso, antever novas questões – e novos mercados. No segmento da literatura para crianças e jovens isto pode se dar de muitas formas: apostando em novos autores e ilustradores; ousando em novas linguagens, em novos gêneros; publicando clássicos de referência para criar repertório; investindo em temas estigmatizados mais por uma hipocrisia social do que por uma incapacidade de compreensão dos jovens leitores, tanto mais porque expostos a uma avalanche de informações na TV e na Internet; promovendo a melhor literatura, aquela que dá acesso às narrativas da vida, onde as questões humanas são ponto de saída e de chegada.

Esta figura do editor/mediador leva em conta, na hora das escolhas, o papel dos livros e da literatura na vida dos leitores em formação. Mas, para isso, é preciso transitar entre cultura, questões prementes e mercado: segredo de muitos dos grandes sucessos editoriais. Essa sensibilidade e cuidado pela diversidade dos leitores, numa combinação de intuição, aposta e conhecimento do mercado, podem fazer do editor um bom mediador.

O que pode orientar a dar um norte no momento decisivo das escolhas é um bom repertório que, para além da literatura para jovens leitores, transite pela teoria literária, pelo universo da infância e da contemporaneidade, assim como das tendências de mercado. Não há modelos, apenas referências e exemplos, porém despertar essa responsabilidade é pensar que, para além de um bom negócio, a edição de livros infantis e juvenis é o primeiro passo para contribuir na formação de futuros leitores autônomos e críticos.

E do ponto de vista do bom negócio, para além dos ecos idealistas a que esta reflexão também remete, o que está em questão é uma visão estratégica que responsabiliza o editor com o crescimento futuro de seu mercado. Afinal, a quem pode interessar mais a formação de leitores que ao próprio negócio do livro?

Em tempo: falando em formação, estão abertas as inscrições para o 3º Encontro do Conversas ao Pé da Página, Leituras em situação de crise,com Michele Petit e Patrícia Pereira Leite dia 5/07/2011, no SESC Pinheiros. Veja mais detalhes no www.conversaspepagina.com.br . Te vejo lá.

1) Teresa Colomer, professora de Didática de Língua e da Literatura na Universidade Autônoma de Barcelona. Coordenou e publicou diversas obras sobre o ensino da leitura, entre as quais estão publicadas no Brasil A formação do leitor literário e Andar entre Livros ambos da Global Editora. Dirige o grupo de pesquisas de Literatura Infantil e Juvenil (GRETEL) da Universidade Autônoma de Barcelona e coordena o Curso de Especialização da mesma área.

2) Jorge Herralde, “Relaciones entre autor y editor”, em Opiniones mohicanas. Barcelona: El Acantilado, 2001.

3) Samuel Fisher (1859/1934), fundador da histórica editora alemã S. Fischer Verlag.

Dolores Prades é editora, gestora e consultora na área editorial de literatura para crianças e jovens. É membro do júri do Prêmio Hans Christian Andersen e curadora da FLUPP. É também coordenadora do projeto Conversas ao Pé da Página - Seminários sobre Leitura, e da área de literatura para crianças e jovens da Revista Eletrônica Emília. Sua coluna pretende discutir temas relacionados à edição e ao mercado da literatura para crianças e jovens, promover a crítica da produção nacional e internacional deste segmento editorial e refletir sobre fundamentos e práticas em torno da leitura e da formação de leitores. Seu LinkedIn pode ser acessado aqui.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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