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O livro impresso e suas encarnações pré-virtuais
PublishNews, 09/04/2010
Roney Cytrynowicz questiona na coluna desta semana se estamos ampliando as possibilidades e formas de leitura ou tornando-as mais pobres e limitadas?

A velocidade e o impacto dos avanços tecnológicos do livro virtual são um convite redobrado a uma reflexão, diante de certo deslumbramento com as novas tecnologias. Entre as várias possibilidades, duas são particularmente relevantes a partir da leitura de Línguas e leituras no mundo digital, do historiador Roger Chartier, escrito em 2002, que permanece atual e sugestivo (o artigo está em Os desafios da escrita, Editora Unesp).

Na cultura impressa, escreveu Chartier, o reconhecimento do gênero ou registro de um texto (jornal, revista, livro, carta, diário manuscrito) está ligado à sua “materialidade” como objeto. Cada uma das diversas “encarnações” do texto tem uma história de como se definiu em seus códigos de reconhecimento, com camadas de continuidades e variações. É uma cultura impressa para a qual o conteúdo não é intangível, mas diretamente ligado à sua presença física, um conjunto de gêneros de textos e livros com inúmeras variáveis e distinções.

O texto digital, no computador e nos e-books, rompe as distinções, anula os códigos e representações materiais do texto, formatando-os em um único padrão, lidos em um mesmo gênero de suporte e sem qualquer referência à sua materialidade (anterior). Não pressupõe, assim, a cultura digital a idéia de que existe uma essência de texto que apenas se materializa em diferentes suportes, separando o gênero de conteúdo de sua forma e história, como se o texto (virtual) fosse mera emanação de um “além”?

Outra questão diz respeito ao tipo de leitura que o texto digital propicia. Será que existe uma leitura que independe do suporte, da materialidade que associa o texto à sua forma como objeto? O texto digital é “mole”, maleável, se desmancha e esparrama em sua imaterialidade e, por isso, escreve Chartier, a exemplo da navegação na internet, sua leitura é “descontínua, segmentada, fragmentada”. Se é útil em obras enciclopédicas ou de referência, torna-se “desorientada ou inadequada” diante de textos que pressuporiam conhecer e compreender o texto como parte de uma obra única, original e coerente.

Antes de anunciar o fim da cultura impressa, cabe fazer perguntas como: estamos ampliando as possibilidades e formas de leitura ou, ao contrário, tornando-as mais pobres e limitadas? Passado o período de deslumbramento, talvez seja o caso de discutir seriamente estes temas. Mesmo que estejamos apenas no início de uma nova cultura, a virtual.

Roney Cytrynowicz é historiador e escritor, autor de A duna do tesouro (Companhia das Letrinhas), Quando vovó perdeu a memória (Edições SM) e Guerra sem guerra: a mobilização e o cotidiano em São Paulo durante a Segunda Guerra Mundial (Edusp). É diretor da Editora Narrativa Um - Projetos e Pesquisas de História e editor de uma coleção de guias de passeios a pé pela cidade de São Paulo, entre eles Dez roteiros históricos a pé em São Paulo e Dez roteiros a pé com crianças pela história de São Paulo.

Sua coluna conta histórias em torno de livros, leituras, bibliotecas, editoras, gráficas e livrarias e narra episódios sobre como autores e leitores se relacionam com o mundo dos livros.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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