Tecnologia, direitos e sociabilidade em pauta
PublishNews, Maria Fernanda Rodrigues, 31/03/2010
Segundo dia do Congresso Internacional do Livro Digital reuniu especialistas estrangeiros de diversas áreas do mercado editorial

A vantagem da entrada tardia do Brasil no mercado de livros digitais é que se pode aprender com os erros já superados por editoras e livrarias americanas e europeias. Lá, entretanto, e apesar do crescimento das vendas, as discussões sobre direitos autorais e preços ainda não terminaram, como disseram ontem os participantes do 1º Congresso Internacional do Livro Digital. Mas uma coisa é certa: estamos vivenciando a chegada de uma nova forma de leitura. Essa nova onda chega timidamente por aqui e as perguntas dos brasileiros ainda são muitas e não se esgotaram neste encontro. Por aqui também se peleja para fazer os novos contratos e também se discute a questão dos direitos e dos preços dos livros. Algo feito exemplarmente por grandes editoras que deve ser repetido pelas brasileiras é a participação ativa em todas as redes sociais, sejam elas apenas literárias ou relacionadas aos assuntos abordados em seus livros. Formas de publicação, pirataria e desdobramento do livro em outros produtos também estiveram em debate no segundo dia do congresso.

Para ser bem-sucedida na criação de novos produtos a partir de uma boa história, a editora deve pensar no conteúdo que está recebendo e ver se ele tem abrangência universal e ainda potencial para se transformar em alguma outra coisa, explica Jeff Gomez, diretor da Starlight Entertainment e consultor na área de criatividade de grandes empresas como a Disney e a Coca-Cola. Livros ou filmes são veículos restritos. Deles, podem ser gerados jogos de baralho ou de vídeo game, sites, brinquedos e tudo o mais que você for capaz de imaginar. “Trata-se da extensão da marca que amplia o ciclo de vida e o faturamento do conteúdo criativo”, informa. Ele falou sobre narrativas transmedia e disse que devemos ter em mente que é a história o que conta para o sucesso de um produto. (clique aqui para ler mais sobre o assunto)

Calvin Baker, criador do Iceberg Reader, um software de leitura para iPhone, disse que a tecnologia não vai afastar o editor de sua tarefa de mergulhar nos originais e separar o que tem valor. Quanto aos amores e ódios despertados pela nova tecnologia de leitura, disse que nos Estados Unidos já ouviu de um editor que ele não publicará nenhum e-book e de outro que não via a hora de ter os seus. No Iceberg Reader, a pessoa pode ler, postar no Facebook, mandar trechos por e-mail, pesquisar e muito mais. As crianças podem registrar o que acharam da história e a voz fica gravada. Lá, revistas ganham novos formatos e a edição é reconfigurada para o tamanho do aparelho. “Mobile reading cresceu em 100% nos Estados Unidos em 2009”, conta. E faz um alerta: “Cuidado com seus preços. Publicar digitalmente é mais barato”.

O setor livreiro foi representado por Patricia Aranciba, gerente de conteúdo internacional da Barnes&Noble. Ela contou que as vendas de e-books pela rede americana aumentaram em 261% no ano de 2009. Estima-se que haverá 10 milhões de e-readers ativos em 2010. No ano passado a marca era de 3 milhões. Por ora, a maior parte dos livros digitais é lida no computador. Ela falou sobre os problemas enfrentados em seu país. “O pesadelo nos Estados Unidos é que estamos acostumados com conteúdo grátis e as pessoas não querem pagar US$ 10 por isso”. No país, vendiam o aparelho e davam o conteúdo. “Como somos livreiros, não podemos fazer isso e nem vender com os preços da Amazon”.

A rede tem um milhão de títulos e nenhum em português. Mas Patrícia quer corrigir isso. Para entrar lá, as editoras devem ter os direitos da obra, claro, o livro em ePub, o contrato em inglês e a ficha completa do livro para então mandar um e-mail para parancibia@book.com. “Há coisas maravilhosas que estamos experimentando e que depois de 15 minutos já não são mais tão boas. Em dois ou três anos vamos olhar para trás e ver que essas inovações são primitivas”, diz. Ela acredita se evoluirá para a convergência, “mas não sou futuróloga”, brinca

A advogada espanhola Arantxa Mellado, criadora da Ediciona.com, é entusiasta das redes sociais e afirma que editoras devem ter seus perfis em todas elas, ouvir e responder ao que estão falando de seus livros. Isso porque o que torna o livro um best-seller é a recomendação sistemática, especialmente vindo de pessoas – e não só dos sites das livrarias. “Deixem de perseguir e comecem a seduzir e não subestimem o poder do Facebook”. (clique aqui para ler mais sobre o assunto)

O canadense Michael Smith, diretor do Fórum Internacional de Publicações Digitais (IDPF), destacou o crescimento gradual do e-book por causa das novas gerações e disse que existem vários formatos de publicação. “Se o título é escolar ou um manual e a editora entende que ele deve ser lido tal como está na versão impressa, então se usa o PDF”. Já o ePub, padrão mais adotado no exterior, dá mais flexibilidade ao texto, que pode ser ajustado à fonte - seja ela uma tela de 16 polegadas ou um iPhone. Ele acredita que este será mesmo o novo padrão, especialmente porque China e Taiwan estão usando isso e porque a maioria dos dispositivos que temos são fabricados em Taiwan.

De acordo com Smith, deve-se mudar o jeito como a editora trabalha a informação e implementar o processo XML do começo ao fim. Ele deixou um conselho aos editores: “Não dá para o mercado editorial ser robusto, sem uma massa crítica de conteúdo. Vocês precisam se adaptar e começar a entregar o conteúdo em diversas línguas, por exemplo”.

Para Diane Spivey, diretora de Contratos e Direitos autorais da Little Brown Group Book, editora de Crepúsculo, cinco verbos devem permear as discussões internas nessas duas áreas das editoras: adquirir, proteger, explorar, licenciar e contratar. E repetiu seu mantra: “Adquira amplamente e licencie estreitamente”. Ela orientou que antes de decidir o que vai entrar no contrato, temos que saber qual é o objetivo daquela aquisição. Disse também que poucos editores podem fazer longas ou publicar em outros territórios. Outros podem e não querem. “São os direitos que nos permitem estar em outros mercados. Se não podemos fazer sozinhos, desistimos? Não, licenciamos. E esses licenciamentos não precisam ser para sempre”.

De acordo com ela, os contratos precisam cobrir em termos digitais tudo o que cobria em termos impressos e deve-se prever tudo o que pode acontecer. “Temos o direito de publicar trechos em blogs? Podemos mandar cópias por e-mail? Podemos liberar trechos para jornais e revistas?”. Tudo deve estar lá. Sobre a entrada de grandes editoras no mercado editorial internacional, disse: “Publicar em outro país não é uma questão de língua”. Ela acredita que o trabalho continuará sendo feito individualmente.

“Ninguém vai matar o livro. O futuro vai respeitar o passado”, disse o colombiano Pablo Arrieta, diretor da Monitor Capacitação Digital, em sua palestra performática. Hoje, o consumidor se transformou em produtor, modificador e distribuidor de conteúdo. Ele lembrou que em 1981 Bill Gates disse que 640 Kb seriam suficientes para cada pessoa e comentou que Gutenberg foi o primeiro pirata. Aliás, a boa pirataria é defendida por Arrieta. “Somos todos meio piratas. Gravamos discursos, postamos vídeos, tiramos fotos, compartilhamos coisas”. Ele, inclusive. Arrieta é autor de Leyendo Hipertexto, editado na Colômbia. Sistematicamente o autor disponibiliza trechos da obra em seu site. “Quero dividir isso com o mundo. Quem quer ler o livro rápido e de uma só vez pode comprar”.

Sobre o novo formato do livro, deu o exemplo dos estudantes que não gostam de carregar malas, mas gostam dos seus celulares e podem levar neles os livros que precisam ler. Disse também que os livros impressos vão ser muito bonitos e deu como exemplo a Cosac Naify. Aliás, ele está curioso para conhecer a edição de Alice no país das maravilhas. “Acho que vou querer comprar”.

Vendo que a plateia não estava muito familiarizada com conteúdos literários que vão chegar ao PlayStation, disse: “Como vocês podem dominar alguma coisa se vocês não conhecem as novidades, se não passam um fim de semana com seus filhos?”. E avisou que a molecada nas escolas de design já sabe fazer coisas que a plateia nem sequer imagina e que por isso devem pedir a ajuda dessa nova geração. Apesar de favorável ao avanço da boa pirataria, que é o compartilhamento de informação, repudiu aquela que enche as ruas com cópias não autorizadas de filmes e CDs.

No fim da tarde, em uma mesa reunindo todos os palestrantes, exceto o colombiano, mediada por Ricardo Costa, do PublishNews, Jeff Gomes disse que consegue ver o futuro próximo e aonde estamos indo. “Somos todos contadores de histórias e vocês devem tomar cuidado com o que estão contando. Devem se concentrar mais no conteúdo e menos no veículo”. Ele afirmou que editores têm se preocupado muito com o veículo porque parece que é onde se ganha dinheiro. “A história é a essência do que estão vendendo”.

Patricia Aranciba acha que no Brasil esse começo será melhor. “Se vocês podem lidar com a questão de precificação desde cedo não haverá tanta luta. Vai ser diferente do que tivemos nos Estados unidos, onde a Amazon começou e fez o que pode para ganhar market share”.

O congresso continua hoje e o PublishNews segue com sua cobertura on-line pelo Twitter (@publishnews)
[31/03/2010 00:00:00]