“Educação é o caminho para a emancipação”, diz sindicalista
PublishNews, 8, 08/02/2010
Opinião é do presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Editoras de Livros de SP, José Carlos Bortolato

No comando da principal entidade de trabalhadores do mercado editorial brasileiro – o Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Editoras de Livros, Publicações Culturais e Categorias Afins do Estado de São Paulo –, José Carlos Bortolato está convencido de que as políticas públicas têm ampliado o acesso ao livro e à leitura nos últimos anos no Brasil. Mas propõe que os empregados das editoras tenham mais acesso à cultura e, particularmente, aos livros. Em entrevista exclusiva à Agência Brasil Que Lê, Bortolato defende uma proposta concreta para ajudar a incrementar o negócio do livro no País: diz que o Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL) e entidades do mercado deveriam aproveitar a criação do Vale Cultura e iniciar já campanhas para que os beneficiados utilizem o bônus de R$ 50,00 também para comprar livros. Confira a entrevista completa.

Como os trabalhadores da cadeia produtiva do livro têm visto o incremento das políticas públicas do livro e leitura na atual década?


Nós vemos com otimismo as políticas públicas que visam ampliar o acesso ao livro e elevar o patamar da leitura no Brasil. Assistimos a um aperfeiçoamento permanente dos programas governamentais de aquisição de livros com a diversificação de obras e a inclusão de novos segmentos de estudantes. Também é animador o fortalecimento das bibliotecas públicas e o compromisso do estado em assegurar que todos os municípios brasileiros tenham pelo menos uma biblioteca pública que subsidie a educação e o acesso à cultura. Evidentemente, que essas ações fortalecem e desenvolvem a economia do livro e, nesse aspecto, nos interessa a criação de novos empregos e a manutenção dos empregos formais, a melhoria dos salários e dos benefícios e também das condições de trabalho. Mas os nossos representados, antes de trabalhadores, são cidadãos e, nessa condição, apostam no desenvolvimento do País, na distribuição de renda e na diminuição das desigualdades sociais. Nós acreditamos muito que a educação é, senão o único, o principal caminho para essa emancipação social.


O que deve fazer o Plano Nacional do Livro e da Leitura para ampliar o acesso ao livro?


Temos acompanhado as ações do PNLL de perto, verificando que há uma diversidade de iniciativas, com a adesão de inúmeras prefeituras com programas próprios relativos ao incremento da leitura em todo território nacional. Cremos que os eixos e objetivos de desenvolvimento do PNLL estão corretos. Mas, agora, com a aprovação do Vale Cultura, cremos que o PNLL deveria, em conjunto com o Instituto Pró-Livro, ter uma estratégia de abordagem das empresas para, em primeiro lugar, que se consiga uma ampla adesão ao programa, pois é preciso que o Vale Cultura seja, de fato, uma garantia de acesso à cultura. Claro que isso não basta para fazer com que esse passaporte cultural seja utilizado na aquisição de livros. Para isso, será necessária uma estratégia capaz de lembrar o leitor que ele poderá adquirir livros com o Vale Cultura, que não se destina somente à frequência ao teatro, a shows ou ao cinema. Entretanto, somente despertar esse leitor em potencial ainda não basta. É preciso que ele desenvolva o gosto de visitar as livrarias e, estando nelas, encontre livros com preços acessíveis que possa adquirir com os seus R$ 50,00. Os editores precisam encontrar formas de baratear e popularizar o livro, sem com isso depreciar ou degradar as condições de remuneração dos trabalhadores do setor.


Qual deve ser o papel do Sindicato dos Trabalhadores em Editoras de Livros nesse tema?


Nosso primeiro dever é a defesa da dignidade do trabalhador do setor editorial, entendendo dignidade como todas as condições que permitam a sua manutenção material e também a sua satisfação pessoal no trabalho, além dos seus direitos e anseios como cidadãos. Esses deveres nos impõem uma série de atuações não apenas no âmbito trabalhista como também nos fóruns em que se lute e discuta os direitos amplos de todos os brasileiros, entre eles o acesso à cultura. Nós sempre buscamos a defesa do setor onde nos foi possível assim proceder. Tentamos também ocupar uma cadeira para representação dos trabalhadores na Câmara Setorial do Livro, no que ainda não fomos bem sucedidos. É evidente que os trabalhadores precisam ser representados nesses fóruns amplos em que participam todos os atores da cadeia produtiva do livro. Para o fomento à leitura, temos participado das bienais e produzido materiais de divulgação em que contamos como é por dentro a produção do livro. Está para ser concluída a reedição de um desses trabalhos, um DVD, em que mostramos como se faz o livro. Nós pretendemos oferecê-lo às escolas públicas, centros culturais, bibliotecas e outras instituições. Os nossos objetivos são a valorização dos profissionais responsáveis pelo produto livro, mas também despertar ou estimular o interesse dos leitores.


Que futuro os trabalhadores do livro esperam para si nos próximos 20 anos em função das grandes transformações que se anunciam na área?


É uma constante para os trabalhadores de todo o mundo terem de enfrentar grandes transformações. Vivemos, hoje, o fato das transformações tecnológicas terem se tornado permanentes, após o advento e o desenvolvimento dos computadores. Esses avanços são acompanhados de transformações na maneira de organizar o trabalho e nas relações trabalhistas no interior das empresas, o que, infelizmente, ainda não representou uma apropriação por parte dos trabalhadores dos resultados econômicos do uso dessas novas tecnologias. Lembramos, por exemplo, dos ganhos de produtividade física e financeira que as empresas têm alcançado. O capitalismo continua igual ou pior, pois o que vemos e lutamos para reverter é uma tendência de intensificação da exploração do trabalho, com a instituição de sobrejornadas, bancos de horas e o aumento de horas-extras formais e extraoficiais, o que significa obrigar o mesmo número de trabalhadores a produzir mais.

Portanto, em primeiro lugar, antes de discutirmos mudanças na produção, temos que conquistar a humanização do trabalho. Nesse momento inclusive, as centrais sindicais trabalham para aprovar a redução da jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais. Lutamos para que o trabalhador tenha tempo livre. Ele tem direito a usufruir de horas livres para estudar, para reciclagem de conhecimentos, para convivência com a família, para o lazer e a cultura. Mas falando especificamente do livro, nós não podemos ser retrógrados e fechar os olhos para tudo o que acontece no mundo. Não acreditamos que as novas formas de apresentação e oferecimento desse produto tragam desemprego ou a extinção da categoria, porque é preciso discutir o que é o livro. Uma obra é o conteúdo ou o suporte em que ela é oferecida ao consumidor? Para nós, a princípio, livro é fundamentalmente o conteúdo.

Portanto, se ele virá em papel ou em DVD, se poderá ser lido a partir da tela de um computador, isso não o faz virar outra coisa, senão o livro. Nós, trabalhadores, que temos resistido bravamente a tantas transformações, também migraremos para a produção em outras mídias. Ainda será necessário revisar, diagramar e ilustrar o livro, por exemplo. Nós, como sindicalistas, estamos atentos e acompanhando este desenvolvimento e procuraremos travar este debate para enfrentar as mudanças que vierem.

(Agência Brasil Que Lê)
[08/02/2010 01:00:00]