Na pacata cidade do interior de Goiás permanecem as lembranças de Cora Coralina, a mulher simples, corajosa e miúda, que retratou em versos os cantos e os recantos do lugar onde viveu e que se transformou em sua última morada. A doceira de mão cheia entrelaçava palavras que se tornavam versos, enquanto mexia o doce de leite com a colher de pau, no tacho de cobre, à beira do fogão à lenha. Era Cora Coralina, a poetisa que revelou-se aos olhos e ouvidos dos amantes da arte de dizer com palavras o que o coração pensa. Ela se foi, mas ficou. Ficou nas ruas e nos becos de Goiás Velho, não o estado, mas a cidade pequena, colonial, bucólica, que atrai turistas em busca dos resquícios e das lembranças de Cora Coralina, personagem símbolo da tradição da vida do lugar. Ela nasceu Ana Lins dos Guimarães Peixoto, em 20 de agosto de 1889, na casa que pertencia à sua família, uma parte dela transformada em museu, a Casa Cora Coralina, após sua morte, em 1985, por parentes e amigos. Suas coisas estão lá. A máquina de escrever, os móveis, objetos pessoais, os utensílios que usava para fazer os doces cristalizados que vendia. Morreu na mesma Casa Velha da Ponte, na beira do rio Vermelho.
Coralina aprendeu apenas as letras do alfabeto com a mestra Silvina e, aos 14 anos, escreveu seus primeiros tesouros. O primeiro conto publicado foi Tragédia na roça. Quando se casou com o advogado Cantídio Tolentino Bretas, foi morar bem longe do casarão, em Jabuticabal, interior de São Paulo. Lá nasceram e foram criados seus seis filhos. Vinte anos depois de ficar viúva, voltou a viver em Goiás, cultivando sua obra definitiva, movida pelo reencontro com a cidade e pelas histórias da infância e da juventude: as festas religiosas, as tradições, as comidas, o doce de figo em calda, a goiabada... Tirava dali as histórias que, pacientemente, esperaram por ela para se tornarem perpétuas nas páginas dos livros de Cora. E ela dizia: “Rever, escrever e assinar os autos do passado antes que o tempo passe tudo ao raso...”.
Seu primeiro livro, Poemas dos becos de Goiás e outras histórias mais foi publicado em 1965, e só aos 75 anos foi reconhecida como a grande poetisa das tradições de uma época que perigava se perder. Quem se surpreendeu com sua obra? Drumond, sempre Carlos Drumond de Andrade, com a humildade dos grandes de alma e pobres de vaidades. “(...) Admiro e amo você como a alguém que vive em estado de graça com a poesia. Seu livro é um encanto, seu lirismo tem a força e a delicadeza das coisas naturais (...)”, escreveu o poeta em carta a Cora. Contam que, quando completou 95 anos, ela disse: “Venho do século passado e trago comigo todas as idades do mundo”.
Ela veio de dois séculos passados, mas a presença de Cora está lá, cismando e observando com um pequeno sorriso o turismo poético, criativo, literário, gastronômico e de natureza, que ajuda a manter o museu na cidadezinha tranquila de 30 mil habitantes, fundada em 1727, de clima quente e de belas igrejas do período colonial, como a catedral de Sant’Ana, do século 18; a de Nossa Senhora do Rosário com sua bonita torre, e a de Santa Bárbara, que só abre as portas no dia da festa da padroeira, em 4 de dezembro, mas convida os visitantes a subir os 104 degraus e se encantar com a fachada e com uma das mais belas vistas da cidade. Depois vale uma chegada ao palácio Conde dos Arcos, residência oficial do governador quando a cidade era a capital do Estado, e de onde o governador do momento se desloca e despacha na semana do aniversário do município, 26 de julho. (Brasil Que Lê - Agência de Notícias)