“Vender para o Brasil agora vale a pena”
PublishNews, Maria Fernanda Rodrigues, 07/10/2011
Lucia Riff fará um panorama do mercado editorial brasileiro nos últimos 20 anos durante a 25th International Rights Directors Meeting, na Feira de Frankfurt

A agente literária Lucia Riff acompanhou muito de perto a evolução do mercado editorial brasileiro nos últimos 20 anos. Ela abriu sua agência no auge da inflação e quando ainda não existia a internet. Sobreviveu, e hoje representa os principais escritores e editoras do país. Nesta entrevista, ela conta o que mudou nesses 20 anos, fala sobre os livros que têm boa entrada no mercado nacional, apresenta os países mais abertos à literatura brasileira e os desafios de conquistar novos mercados, dá dicas a agentes interessados em fazer negócios no Brasil, conta quem são os autores brasileiros mais populares no exterior e fala sobre o livro digital. Esses assuntos vão nortear sua palestra na 25th International Rights Directors Meeting, no dia 11 de outubro, da qual participam também Tomás Pereira, da Sextante, e Eduardo Blucher, da Bucher. “Hoje, vivemos em um mercado completamente diferente. Temos uma economia razoavelmente estável, um significativo aumento da classe média, e um mercado fortalecido pelas compras de governo e pelo aumento das vendas em todos os setores. O relacionamento das editoras brasileiras com o mercado internacional mudou radicalmente”, comenta a agente.

O que mudou no mercado editorial brasileiro nos últimos 20 anos?

Tudo! No início da década de 90, usávamos fax e máquina de escrever. A inflação estava nas alturas e a confiança no Brasil (e no futuro) era zero. Não havia grandes interesses no autor brasileiro, não havia compras de governo (a primeira importante foi em 98), e as bibliotecas viviam de doações. O quadro era desanimador. Hoje, vivemos em um mercado completamente diferente e a mudança não se restringe aos computadores e e-books, ou aos programas de compra do governo. Temos agora uma economia razoavelmente estável (ainda que a crise em volta nos preocupe), um significativo aumento da classe média, e um mercado fortalecido pelas compras de governo, e pelo aumento das vendas em todos os setores. O relacionamento das editoras brasileiras com o mercado internacional mudou radicalmente nos últimos 20 anos - nos tempos de inflação, praticamente não havia envio de royalties para o exterior. Hoje em dia, as vendas no Brasil já são significativas o suficiente para chamar a atenção dos editores e agentes estrangeiros, que passaram a ter todo o interesse em ter seus melhores títulos publicados por uma boa editora brasileira. Além de bons resultados, o editor brasileiro apresenta, de modo geral, relatórios com pontualidade, livros bem impressos, capas caprichadas. Vender para o Brasil agora vale a pena.

Quais seriam suas dicas para um agente que quer vender direitos de livros para o Brasil?

Procure conhecer e respeitar o Brasil e o nosso mercado. Estamos melhorando e crescendo e temos muito a oferecer, mas é bom saber que temos um longo caminho a ser percorrido até nos transformarmos, de fato, num país moderno, equilibrado e próspero. O Brasil é um país de dimensões continentais, com um mercado editorial forte, competitivo e criativo. Para fazer boas vendas, é preciso conhecer quem é quem, quem faz o que, e se manter atualizado. Neste mercado, as coisas mudam muito rápido.

Que tipo de livro estrangeiro tem melhor aceitação pelo leitor brasileiro?

Eu diria que, de modo geral, o brasileiro tem múltiplos interesses e é bem aberto ao novo, ao diferente e aos modismos também. E isso não se refere apenas ao que vem de fora, mas também ao que é produzido no país. Ao contrário dos EUA, que só quererem ler o que é “made in USA”, o brasileiro recebe bem as traduções.

Que tipo de livro faz sucesso no mercado internacional mas não funciona no Brasil?

O mercado brasileiro é bem aberto a gêneros diferentes e o que vende e não vende oscila loucamente. Há cinco anos, só a Nova Cultural vendia (e nas bancas), romances água com açúcar femininos. Hoje a situação é oposta. Há tempos, se me mandassem uma série de fantasia como a do Game of Thrones, não saberia o que fazer. Agora, os livros estão em primeiro lugar na lista de mais vendidos. Dieta já foi um filão e tanto. Hoje, pelo menos no Brasil, o gênero está indo mais devagar.

Qual segmento é mais procurado por editoras brasileiras no mercado internacional?

As editoras querem sempre descobrir os sucessos antes que se tornem sucessos, e desde o fenômeno Harry Potter o setor juvenil ganhou uma tremenda atenção do mercado. Mas a não ficção também alavanca boas vendas, como as biografias, business, as séries policiais... e muitas outras.

Mas o Brasil também quer levar seus autores para o exterior. Quais são as dificuldades de exportar a literatura brasileira?

A maior de todas é a dificuldade de trabalharmos com uma língua pouco conhecida e pouco estudada. A segunda dificuldade seria o preço alto das traduções, mas como agora temos o programa de apoio à tradução de obras brasileiras pela Biblioteca Nacional, a situação deve melhorar bastante. A terceira dificuldade é que não se vende nada sem trabalho. Se não oferecemos nossas melhores obras, preparamos um bom material e buscamos os contatos certos não vai acontecer nada. São poucos os autores que estão sendo realmente trabalhados no exterior por seus editores e agentes.

Quem são os autores brasileiros mais populares no exterior?

Paulo Coelho, João Ubaldo, Rubem Fonseca, Clarice Lispector, Chico Buarque, Luis Fernando Verissimo, Jorge Amado, Carlos Drummond de Andrade, Milton Hatoum, Moacyr Scliar, Luiz Alfredo Garcia-Roza, Cristóvão Tezza, Lya Luft, Leticia Wierzchowski para dar apenas alguns exemplos. Tem muito mais, claro!

Quem são os autores brasileiros que ainda não foram mas deveriam ser publicados no exterior?

Tem muito autor bacana que merece ser publicado em outros países - Livia Garcia Roza, Beatriz Bracher, Flávia Lins e Silva, Socorro Acioli, Alcione Araujo são apenas alguns deles... É só uma questão de tempo e trabalho para chegarmos lá.

Como o novo programa de apoio à tradução da Fundação Biblioteca Nacional pode ajudar a melhorar a entrada da literatura brasileira em outros mercados?

Muitos dos interessados em publicar nossos escritores são pequenas editoras, bem literárias, que não têm verba para pagar caro por uma tradução. O programa poderá viabilizar muitas edições, e estimular o mercado.

Quais países são mais abertos à literatura brasileira?

Portugal (agora um pouco mais difícil, por conta da crise), Alemanha, Itália, França, Argentina, México, Colômbia...

Como vê o mercado de livros digitais no Brasil?

O mercado de livros digitais está crescendo vertiginosamente e estimulando o mercado como um todo, mas, ao mesmo tempo, trazendo imensas dificuldades e uma grande necessidade de ajuste.

Quando uma editora compra os direitos de um livro ela já compra o direito de publicar também a versão digital?

Não necessariamente. Depende da oferta, da editora, da obra. Mas eu diria que o mais comum hoje em dia é a oferta já incluir os direitos digitais (e a obrigação de lançamento da obra nos dois formatos, físico e digital). O grande problema são os livros que já estão em catálogo, o back list, os livros esgotados, as antigas traduções. Lidar com o novo é tranquilo. Lidar com o passado é que está dando dor de cabeça.

Para quando prevê a popularização do livro digital?

Isso vai depender da popularização dos e-readers em primeiro lugar, mas não vai demorar. Quando o mercado de livros didáticos for tomado pelos textos no formato digital, vai ficar evidente o alcance da mudança.

Você vê alguma possibilidade de as editoras brasileiras começarem a comprar os direitos de um aplicativo, como já foi feito com os livros pop-up, neste momento em que o desenvolvimento pelas empresas de tecnologia ainda custa muito caro?

Sim, acredito que vamos negociar não só livros mas também aplicativos, embora ache que em breve estaremos desenvolvendo aplicativos no Brasil a preços razoáveis.

O que abordará no seminário da Feira de Frankfurt?

Tudo isso e mais alguma coisa espremidos em 15 minutos!
[07/10/2011 00:00:00]