Zona Livreira: livrarias da região central de São Paulo promovem roteiro integrado de experiências ligadas ao livro
PublishNews, Guilherme Sobota, 19/03/2025
Ação será lançada oficialmente no sábado (22), no #indiebookday​ – outra atividade voltada para atores independentes no mercado editorial; matéria também ouviu alguns livreiros sobre o estado atual do mercado do livro

Iniciativa reúne livrarias do centro de São Paulo para atrair mais leitores | © Divulgação
Iniciativa reúne livrarias do centro de São Paulo para atrair mais leitores | © Divulgação
Livreiros da região central de São Paulo estão lançando por conta própria uma iniciativa inédita: é a Zona Livreira, circuito que reúne cinco espaços dedicados à leitura e à cultura no bairro de Santa Cecília, com o objetivo de oferecer ao público um roteiro integrado de experiências ligadas ao livro. A ação será lançada oficialmente no sábado (22), no #indiebookday – outra atividade voltada para atores independentes no mercado editorial, essa já praticada por aqui há alguns anos.

Integram a Zona Livreira as seguintes livrarias de rua:

  • Banca Tatuí (Rua Barão de Tatuí, 275);
  • Livraria Gráfica (Rua Barão de Tatuí, 509);
  • Ponta de Lança (Rua Aureliano Coutinho, 26);
  • Sebo da Ponta (Rua Aureliano Coutinho, 149);
  • Sentimento do Mundo (Rua Barão de Tatuí, 496).

Os espaços estão próximos, a poucos minutos de caminhada um do outro. Entre as ações previstas para o lançamento da Zona Livreira estão a produção de postagens conjuntas nas redes sociais e a elaboração de um folder com ofertas de livros e um mapa com as informações de cada estabelecimento. Além disso, a data marca a inauguração oficial do Sebo da Ponta e da Livraria Gráfica – ambos os espaços já estão abertos.

De acordo com a organização da iniciativa – promovida de forma independente pelos proprietários dos espaços –, a Zona Livreira visa destacar a região como uma opção de passeio no centro da cidade. Outras ações devem ser elaboradas em breve.

Com a iniciativa em mente, a reportagem do PublishNews propôs algumas questões para os livreiros sobre o estado atual do mercado do livro no país e possíveis mudanças que poderiam fomentar e desenvolver os seus trabalhos. Responderam às questões os seguintes profissionais: João Varella, jornaleiro da Banca Tatuí; Tamires Lima, livreira da Sentimento do Mundo; Bruno Eliezer, livreiro da Ponta de Lança e Sebo da Ponta; e Guilherme Ladenthin, livreiro da Livraria Gráfica. Leia abaixo a entrevista.

Zona Livreira: iniciativa pretende atrair pessoas para a rua com um roteiro de livrarias | © Divulgação
Zona Livreira: iniciativa pretende atrair pessoas para a rua com um roteiro de livrarias | © Divulgação

PublishNews – Numa avaliação geral do seu negócio hoje em dia, qual você diria que é o principal desafio a ser enfrentado diariamente? Como você (e sua equipe na livraria) vêm lidando com essa questão?

João Varella – A Banca Tatuí, felizmente, tem um público cativo tanto na banca física (Barão de Tatuí 275) quanto na banca virtual (www.bancatatui.com.br). Boa parte desse público entende que comprar os livros conosco ajuda a patrocinar nossas iniciativas em prol dos publicadores independentes. Online e offline são duas frentes distintas de trabalho, cada uma com suas demandas e desafios. Implementamos, por exemplo, um sistema em que as editoras autorizam um desconto nas publicações – o que nos permite fazer promoções específicas e participar de feiras com desconto. Para este ano devemos ter novidades importantes para manter a Banca Tatuí como um espaço dinâmico das casas independentes. Vem coisa boa por aí. Perdão por soar evasivo – prometo correr aqui para avisar quando estiver implementado.

Tamires Lima – As vendas regulares são sempre o maior desafio. Ainda que sazonalidades afetem todos os tipos de comércio, do nosso ponto de vista, as livrarias enfrentam um problema crônico da nossa sociedade, a pouca quantidade de leitores. Isso faz com que as sazonalidades sejam ainda mais impactantes no mercado livreiro, em especial nas livrarias de rua. Na Sentimento do Mundo, buscamos promover eventos que valorizem os leitores, não apenas autores. Uma das nossas principais ações é o “Clube do Livro Feminista conversa com…” atividades incialmente bimestral, mas que já se tornou mensal devido à boa adesão, em que as organizadoras do Clube do Livro Feminista conversam com uma autora contemporânea sobre suas obras, influências e processo criativo. O Clube já existe há mais de seis anos, online e gratuitamente, portanto, têm uma gama variada de leitoras e um acúmulo impressionante de discussões. Essa foi a primeira e uma das mais importantes parcerias que a Sentimento do Mundo estabeleceu desde a abertura.

Bruno Eliezer – Nosso desafio é sempre tornar o não leitor em leitor. Desse modo, buscamos o encontro e o diálogo generoso para mostrar os inúmeros e incríveis benefícios que a leitura pode fazer na nossa vida. Benefícios que são ainda maiores quando não se trata de pessoas com uma prévia vida leitora. Para todos que entram na livraria temos a chance de convertê-lo em leitor. E para aqueles que já são leitores temos a chance de conversar sobre suas leituras e aprender mais sobre elas.

Guilherme Ladenthin – Nós abrimos as portas há pouco mais de um mês. Nesse contexto, um grande desafio sempre é espalhar a notícia da nossa abertura e chegar ao conhecimento de público maior. Creio esta ser uma dificuldade clara do momento de inauguração, mas também é um desafio perene na vida de uma livraria. Trazer e manter o público, assim como também conseguir chegar em novas pessoas de tempos em tempos. Isso envolve muitos fatores, entre eles atrativos para as pessoas frequentarem e ocuparem as ruas, como também questões de segurança e mobilidade. O que fazemos é um total cuidado no espaço, na curadoria e atendimento. Eventos e parcerias também são muito importantes, assim como essa ideia da Zona Livreira, que busca trazer as pessoas para a rua e para conhecerem a particularidade de cada livraria.

PN – As livrarias de rua do centro de São Paulo têm, na sua visão, cumprido o papel de "ponto de encontro", mini "centro cultural" e sede de atividades diversas? Isso aparece sempre nas discussões como um senso comum do que uma livraria de rua e independente pode ser... Você concorda com essa visão, o caminho é por aí mesmo?

João Varella – Concordo plenamente com essa visão. As livrarias de rua no centro de São Paulo, incluindo a Banca Tatuí, têm se consolidado como verdadeiros pontos de encontro da comunidade de leitores. Esses espaços são locais de convivência e a Zona Livreira vem a reforçar esse caráter. Acreditamos que esse é o caminho para fortalecer a relação com os vizinhos próximos ou quem nos acompanha à distância pelas redes. É uma estratégia para fomentar o interesse pela leitura e pelas artes.

Tamires Lima – Concordamos plenamente. Não apenas nós, mas as livrarias de rua de quem somos parceiras estão sempre promovendo eventos culturais de diversas formas, e nem sempre sobre leitura – música e outras artes também ganham espaço. Pelo tamanho reduzido dos espaços e equipe pequena, há muita interação entre livreiros e leitores, o que cria um senso de comunidade e amizade com a livraria. Nos sentimos exatamente assim com as pessoas que frequentam a Sentimento do Mundo. Oferecemos vários espaços de estar, café e água da casa, além de muita prosa. Muitas das pessoas que frequentam mais rotineiramente a loja relatam se sentirem acolhidas e “em casa” e sem “pressão” para comprar. Costumamos dizer que a venda é sim muito importante, por proporcionar que mantenhamos o espaço funcionando, mas o principal é que esse mesmo espaço não seja só de consumo, mas de comunidade, companheirismo e amizade, essenciais na construção da política do cotidiano.

Bruno Eliezer – As livrarias são comércios que vendem livros. Mas elas agregam mais do que qualquer outro tipo de comércio. Cada livraria desenvolve estratégias para sua sobrevivência, algumas fazem mais lançamentos, outras criam clubes de leitura, outras criam grupos de clientes fortes, outras se especializam em obras de fora de catálogo e outras em livros contemporâneos, outras ainda integram um café em seu espaço. Nós da Ponta de Lança escolhemos todas essas estratégias e a medida que vamos sentindo nosso fluxo focamos mais em uma ação do que outra.

Guilherme Ladenthin – Penso que as livrarias cumprem também este papel de ponto de encontro. Tanto no centro quanto nos bairros, sendo um fator essencial dentro da identidade de certa região, rua ou bairro em que se encontra. Temos muitos exemplos de livrarias de rua que têm surgido nos últimos anos e têm cumprido esse papel. Os livros com sua força cultural própria e pulsante, podem ser esse catalisador para que um espaço seja esse centro cultural. Eu não creio, entretanto, que haja um único caminho. Há diferentes vocações que cada livraria pode ter. Seja de centro cultural com atividades relacionadas aos livros e às artes em geral como também outras possibilidades, como “apenas” vender livros. Dentro desse universo, a partir da potência do produto que comercializamos, inúmeras oportunidades são possíveis.

PN – Existe alguma medida regulatória (seja legislativa, uma questão mais relacionada à cidade, ou mesmo em relação ao mercado editorial geral) que você considera urgente para o melhor desenvolvimento do seu negócio? Se sim, por quê?

João Varella – Lei Cortez é o primeiro que vem à mente, mas não para por aí. Subsídios fiscais (isenção de IPTU, por exemplo), programas de incentivo à cultura (vale livro fora dos eventos, por que não?) e divulgação das livrarias em roteiros turísticos da cidade são algumas outras iniciativas que viriam bem a calhar. Fora isso, estão as questões que afligem qualquer empresa privada brasileira: excessiva e complexa carga tributária, burocracias lamentáveis, segurança pública deficitária, etc. O importante é destacar que uma livraria, principalmente de rua, facilita o acesso ao livro e fortalece a cultura como um todo. Que venham mais zonas livreiras por São Paulo e pelo Brasil.

Tamires Lima – Mais formalmente, entendemos que seria importante oferecer benefícios fiscais às livrarias de rua, como isenção de IPTU, por exemplo. Por serem espaços de fomento à leitura e à cultura, esse tipo de benefício ajudaria com o fortalecimento dos espaços e o incremento de suas ações locais e comunitárias. Ainda, seria interessante que houvesse uma política de preços dos livros, a exemplo do que tem sido discutido no âmbito da chamada Lei Cortez. Tratar o livro como cultura e não apenas como mercadoria seria um passo decisivo para que se tornasse mais acessível e mais valorizado, incentivando, assim, a formação de mais leitores. Essas são medidas pontuais mas que trariam avanços estruturais para as livrarias. No entanto, não podemos deixar de pensar em, estruturalmente, como sociedade, promover e incentivar a cultura e as relações de comunidade.

Bruno Eliezer – Nós acreditamos que a Lei Cortez será benéfica para o sistema/mercado livreiro brasileiro pois ela trataria condições iguais para a venda de lançamentos. Porém há muito a se fazer, a leitura não pode ser tratada apenas como um mercado, ela é e deve ser uma política pública com investimento continuo. As livrarias, editoras, autores e autoras devem fazer parte naturalmente dessas políticas.

Guilherme Ladenthin – De alguma medida que já se vê no horizonte, a lei do preço fixo parece ser um ponto que traria alguma mudança ao negócio livreiro. Descontos exorbitantes online e praticamente fixos no tempo ajudam, me parece, a criar um preço fictício dos livros na cabeça dos consumidores. Assim aumentando a dificuldade para as vendas em livrarias de rua que não conseguem oferecer tais descontos.

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#indiebookday

A Banca Tatuí e a Livraria Gráfica terão livros com até 30% de desconto e distribuição de brindes, como cartazes, tatuagem temporária com desenho de Laura Mazzo e iguarias definidas pelo clima "(sorvete ou cachaça, a depender do termômetro)" durante a ação deste sábado, no âmbito do #indiebookday. A Livraria Gráfica terá uma aula gratuita com João Varella, um dos fundadores do espaço. A Lote 42 e o Selo Demônio Negro também participam, mostrando em primeira mão as provas da nova edição de Poemóbiles, de Augusto de Campos.

Em outras regiões da cidade, outras livrarias e editoras também preparam ações para a data, também com descontos, distribuição de brindes, marcadores de página, contação de histórias e outros eventos. Entre as livrarias participantes, estão a Faz de Conta e o sebo Itororó (Rua Treze de Maio, 515, Bela Vista – São Paulo / SP), A Banca de Livros (Rua Alagoas, 112, Higienópolis – São Paulo / SP), e editoras como Dublinense e ÔZé.

O Indiebookday é uma data mundial de celebração dos livros independentes. O costume nessa data é que livros de editoras independentes comprados em livrarias locais sejam postados nas redes sociais com a hashtag #indiebookday.

[19/03/2025 10:00:00]