Jogo brasileiro combina literatura clássica com experiência gamificada
PublishNews, Beatriz Sardinha, 20/02/2025
Vencedor de edital do MinC, 'Winged' foi lançado em janeiro de 2025 e tem como objetivo estimular a leitura a partir de jogo mobile; títulos pertencentes a grandes franquias, por outro lado, não vivem grande momento de vendas

Movimentos diferentes incorporam videogames ao mercado editorial | © Divulgação
Movimentos diferentes incorporam videogames ao mercado editorial | © Divulgação

Em um contexto em que a gamificação está gradativamente mais presente nas estruturas de interação digital, no mundo dos livros não é diferente. Ainda que livros de grandes franquias de jogos não vivam um momento áureo de vendas, o mercado editorial tem seguido a tendência de gamificar experiências literárias por meio de títulos e produtos variados.

O mais novo exemplo desse movimento é o jogo mobile brasileiro Winged. A criadora Luciana Druzina e a equipe do game afirmaram ao PublishNews que uma sequência, Winged 2, já está confirmada. O diferencial da segunda edição será o protagonismo de obras nacionais, já que o jogo contará só com obras de escritores brasileiros.

A produção estreou nas principais plataformas (Android e iOS) no dia 15 de janeiro de 2025 e tem como proposta misturar um jogo de aventura com uma experiência educativa de leitura. Winged está disponível em seis idiomas: português brasileiro, inglês, espanhol, alemão, francês, italiano e chinês (simplificado) e sai pelo preço de R$ 4,90.

O game é uma produção da Druzina Content, em parceria com a Sorora Game Studio, empresa composta por mulheres desenvolvedoras. Winged venceu o edital Narrativas Transmídias para Infância e Juventude de Curta-Metragem de Animação e Jogo Eletrônico do Ministério da Cultura.

Na história, os jogadores controlam a protagonista Rute, que, de acordo com a sinopse, é "uma menina que ama viver no mundo das palavras. Sua missão é superar obstáculos e adversários com pulos e voos, garantidos pela coleção de asas disponíveis. Cada tipo concede uma habilidade diferente. A jogabilidade envolve recolher páginas de livros para desbloquear clássicos da literatura mundial conforme progridem os níveis".

Imagem de 'Winged' | © Druzina Content
Imagem de 'Winged' | © Druzina Content
Cada um dos mundos em Winged é criado com base na inspiração dos livros disponíveis na biblioteca do jogo. O primeiro mundo, por exemplo, apresenta mapas, ambientes, obstáculos, inimigos e chefes de fase inspirados em Alice através do espelho e As mil e uma noites. Cada estágio traz duas adaptações literárias e promove uma interação visual entre obras distintas.

Em entrevista ao PN, integrantes da Druzina Content e da Sorora destacaram alguns dos desafios presentes nos 11 meses de produção – como, por exemplo, o desenvolvimento da arte do fundo do game e pensar visualmente quais seriam os livros que dialogariam melhor dentro de uma fase. Elas explicam que a ideia era brincar com ambientes "opostos", como o mar presente em Vinte mil léguas submarinas, e a ida do jogador para o céu, no nível de João e o pé de feijão.

Nesta primeira versão o jogo possui 50 etapas, cinco mapas e dez livros. Estão presentes no jogo os seguintes títulos:

  • Chapeuzinho vermelho
  • Alice através do espelho
  • Scheherazade e as mil e uma noites
  • O mágico de Oz
  • Dom Quixote
  • Peter Pan
  • O pequeno príncipe
  • O menino do dedo verde
  • João e o pé de feijão
  • Vinte mil léguas submarinas

A missão do jogador é coletar um número específico de folhas para habilitar versões adaptadas dos livros famosos. Outra fonte de inspiração do jogo foi a obra literária Menina de asas, do escritor gaúcho Pablo Morenno. O universo de Winged traz clássicos da fantasia para as suas cinco fases. Depois de concluído o estágio e coletadas as páginas, ambos os livros poderão ser lidos separadamente dentro da biblioteca do jogo.

Outro desafio da produção passou por contornar as consequências das graves enchentes no Rio Grande do Sul, em abril e maio de 2024. Além do adiamento do lançamento de Winged para 2025, as empresas tiveram que esperar pelo menos três meses para retornar às atividades cotidianas.

“Ainda estamos sendo impactados, também com nossas produções, porque trabalhamos não só com jogos, mas também com produtos audiovisuais, como longas-metragens, séries e curtas. Ficamos aquele mês da enchente sem luz, sem água. Ficamos abrigando pessoas, trabalhando em abrigos para ajudar também outras pessoas, como voluntários também. Foi bem complicado para toda a equipe que está aqui no Rio Grande do Sul. Tivemos perdas materiais também entre as empresas que participaram do projeto. Agora estamos nos reconstruindo, seguindo em frente e pensando em soluções nestes tempos de mudanças climáticas", comenta a produtora.

Imagem de 'Winged' | © Druzina Content
Imagem de 'Winged' | © Druzina Content

As integrantes do projeto afirmam que abordar obras em domínio público permitiu à produção do game explorar novas possibilidades de caracterização de personagens. A produtora Luciana Druzina diz que a capacidade transmídia de Winged ajuda a tornar essa narrativa fantástica mais interessante.

“O Winged não é só o jogo, mas também um filme que vai ser lançado em breve. Estamos no processo de finalização do som. A literatura tem tudo a ver também com o audiovisual e com a comunicação infantil. Acho que isso faz parte dessas narrativas fantásticas de fantasia", comenta. Druzina salienta que as adaptações literárias dentro do Winged foram feitas pela escritora, roteirista e diretora Saskia Sá.

Confira o trailer de Winged


Trazer referências clássicas para um novo game não é novidade. Considerado "cult" na cultura pop, o jogo Scott Pilgrim contra o mundo é baseado na série de HQs de mesmo nome. Na história do arcade, Scott Pilgrim precisa derrotar todos os sete ex-namorados para conquistar o amor da intrigante e misteriosa personagem, Ramona Flowers. Grandes franquias de jogos consolidados apresentam para seus fãs uma gama de produtos variados e, dentre esses, os livros surgem como uma das possíveis extensões desses mundos fantásticos.

Livros de jogos e sua importância dentro das editoras

Humberto Martinez, editor-chefe do segmento de games da Editora Europa, define a tendência de gamificação do mercado literário como uma oportunidade: “Nossos livros frequentemente adotam um formato visualmente atraente, com diagramação inspirada na estética dos games, além de conteúdos que exploram a interatividade, como guias de estratégias, análises comparativas entre versões de jogos e até narrativas que incorporam a lógica dos videogames. Esse movimento reforça a conexão entre a experiência do leitor e o universo dos games, ampliando o alcance e a relevância desse segmento editorial", comenta.

Lara Berruezo, editora de HarperKids e da HarperCollins Brasil, salienta que muitos livros incorporaram mecânicas interativas, desafios e narrativas inspiradas em games: “Isso leva ao desenvolvimento de obras mais dinâmicas, ilustradas e com elementos interativos para engajar os leitores”, diz.

De acordo com Humberto, a presença nas redes sociais e em eventos especializados são um grande diferencial na estratégia de marketing da editora. “Eventos especializados, como feiras de livros, convenções de cultura pop e encontros de retrogamers geram um contato direto com o público com impacto significativo. Também apostamos em parcerias com influenciadores e criadores de conteúdo da área de games, que ajudam a amplificar o alcance das publicações para um público segmentado e altamente engajado.”

Ainda que o mercado editorial brasileiro passe por um período de forte gamificação, com plataformas educacionais e livros jogo na lista de Mais Vendidos do PublishNews, títulos pertencentes a grandes franquias como World of Warcraft, Assassin's Creed e League of Legends não vivem grande momento em números de vendas dentro de suas editoras. Nem o boom vivido dentro da franquia League of Legends por conta da popularidade da série Arcane, da Netflix, criou um contexto de volta de interesse por esses tipos de livros. De acordo com dados da BookInfo, desses títulos de franquias mais consagradas, pouco mais de 1.800 exemplares foram vendidos no último ano.

Lara destaca o interesse do público jovem pelas obras do mundo de Minecraft. “Esse segmento atrai um público jovem e engajado que, em geral, gosta de eventos como Comic-Con e Bienal do Livro. Livros como os guias Minecraft que a HarperCollins Brasil começou a lançar em 2023 (além de outros títulos da marca), atraem um vasto público e aproximam crianças do hábito de leitura e do mundo dos livros’’.

Ela avalia também que essa curiosidade também se aplica para livros que trazem curiosidades do setor, como o Guinness, também publicado pela editora por se manter relevante com atualizações anuais e por “atrair tanto leitores casuais quanto fãs de videogames”.

[20/02/2025 10:00:00]