O objetivo do edital, segundo a Prefeitura, é aproveitar os endereços de bancas que não estão mais em funcionamento e implantar “Pontos Comerciais de Rua, adaptados ao ritmo e às necessidades dos tempos atuais”. De acordo com dados da municipalidade, existiam 4,5 mil bancas de jornal na cidade em 1996 – em 2024, são 2.426 bancas.
O projeto prevê a implantação de novas estruturas em substituição às bancas fechadas ou retiradas de seus locais originais. O edital também prevê que cada ponto comercial terá mobiliário urbano em seu entorno, como bancos, lixeiras, paraciclos e bebedouros.
A proposta consiste numa concessão, com outorga mínima de R$ 87 mil – ou seja, esse é o valor base que uma concessionária teria que pagar para gerir o contrato de 15 anos. A previsão é de cerca de R$ 11 milhões em investimentos e no máximo dois anos de implantação. A empresa ou consórcio vencedor da proposta vai gerir todos os 242 pontos, deverá cumprir encargos definidos no contrato e poderá aferir receitas por meio da exploração comercial dos pontos comerciais de rua – sem ligação, como dito, com a atividade editorial das bancas, prevista na Lei Municipal nº 10.072/1986.
Para o presidente do Sindicato dos Vendedores de Jornais e Revistas de São Paulo (Sindjorsp), José Antônio Mantovani, é lamentável que o poder público gaste energias tentando “vender” pontos enquanto as bancas que já existem passam por dificuldades, sem apoios e sem diálogos – ele conta que já apresentou mais de um projeto para vereadores da Câmara Municipal buscando modernizar a Lei e o modelo de negócio das bancas, sem sucesso.
“Um dos pontos que questionamos: se havia uma banca num ponto e faliu, significa que o ponto é ruim. Pode ser outra coisa, mas boa parte é isso. Agora vai licitar o mesmo ponto? Qual é a chance de dar certo? Esse projeto não tem vinculação nenhuma com o mercado de bancas, mas não pega mal falar que está revitalizando uma banca”, diz Mantovani ao PublishNews.
“Então eles usam o ponto da banca de jornal, mas não tem nada a ver com banca. Eles estão licitando ponto para ficar na rua igual uma banca de jornal, mas ele vai vender o que quiser”, explica.
A situação já ocorre dentro dos terminais de ônibus, por exemplo, onde uma empresa explora os quiosques com barraquinhas de comida e lojas de aparelhos eletrônicos, presentes e roupas. “Vai ser aquilo ali, mas é na rua”, diz Mantovani. Ele compara também com a situação dos camelôs.
Entre as mudanças para o modelo de bancas que ele já sugeriu em diferentes projetos, estão questões como telas digitais, wi-fi, espaço para anúncios urbanos, e possibilidade de contabilizar estatísticas a partir de interface com celulares. Todos dependem de alterações na legislação municipal.
João Varella, sócio da Banca Tatuí – que opera no regime de permissionários da Prefeitura, ou seja, tem a atividade regulamentada pela Lei Municipal –, aponta que, de fato, não há nenhuma sensibilidade do projeto com a cultura editorial das bancas.
“Claro, não dá para tapar o sol com a peneira, a coisa no setor editorial anda mal, nós vemos nas pesquisas. Mas uma questão: cabe ao poder público reverter, tentar preservar um setor tão importante, ou afundar ainda mais? Com o projeto, ele parece optar por essa última opção”, comenta Varella.
“O projeto tem boas ideias: se a mesma estrutura fosse oferecida para as bancas tradicionais, seria muito legal. Aqui na Banca Tatuí não tem nem lixeira na rua. Ter um mobiliário é legal para valorizar o espaço público. Agora, nada de incentivo para as bancas que estão abertas é um mau sinal, também no sentido de que é um projeto que pode dar errado”, sublinha.
Para ele, buscar incentivar que as bancas tenham negócios diversificados também parece um caminho mais inteligente. “A grande oferta cultural é uma vocação da cidade de São Paulo. Fazer o direcionamento para um comércio genérico nesses pontos é perder uma oportunidade de destacar essa vocação cultural da cidade”, afirma.
Audiência Pública
Uma audiência pública virtual foi realizada nesta quinta-feira (1º), onde as secretarias municipais envolvidas (Subprefeituras e Governo) explicaram o projeto e receberam diversas críticas e questionamentos, especialmente sobre os motivos de a Prefeitura não incluir as bancas já existentes no novo projeto, ou não apresentar projetos de melhorias e apoios para esses espaços.
Muitos dos proprietários de banca presentes demonstraram preocupação com um processo de “canibalização” que poderia ocorrer com os novos negócios. “É um risco que as bancas estão correndo, ficamos em desvantagem”, disse Mantovani na audiência. “Uma sociedade precisa vender materiais de leitura, e me parece que com o projeto a empresa vencedora vai avançar em postos que ainda não estão fechados, porque existem essas desvantagens. Não teremos mais jornais e revistas vendendo na cidade, apenas quinquilharias”, comentou.
Stella Coimbra, gerente de projetos da SP Parcerias, explicou que, em conversas com a Secretaria de Subprefeituras, foi definido um cronograma de visitas técnicas pela Plataforma To Legal para definir os pontos comerciais previstos no projeto, e que ainda será possível alterar se houver algum conflito. “Nosso projeto não é de bancas”, reforçou. "A ideia é de um shopping a céu aberto com o desafio de estar disperso pela cidade", afirmou.
A gerente afirmou que quem já tem está com banca de jornal operando segue sob a mesma legislação. “Nos pontos que foram abandonados, aproveitamos para dar uma nova vida”, disse. Ela explicou que o conceito de um só parceiro vencedor é deixar o processo menos burocrático e facilitar a fiscalização por parte da Prefeitura.