“Em casa de ferreiro, espeto é de ferro”. Com essa frase, Julio se lembra da sua infância. Na casa, repleta de livros, a leitura era, antes de qualquer coisa, um prazer. Ele se recorda da descoberta de Karl May, o alemão que, sem sair da Alemanha, contou aos seus leitores a saga de cowboys no Velho Oeste americano, histórias do misterioso Oriente ou na distante África. Aquilo encantou o jovem leitor, que depois se embrenhou na leitura de clássicos e hoje diz preferir os thrillers (se diz apaixonado pela obra de Harlan Coben) e as biografias.
Roberto também lembra Karl May como um marco na sua infância, mas foi profundamente marcado pelos livros de arte. O Barroco, o Expressionismo, o Impressionismo... Aquilo encantava o leitor em formação. Mais tarde, um encontro com os livros de urbanismo, acabaram ditando a sua formação de arquiteto. Hoje, prefere ler ficção. “Biografias não são o meu forte”.
Julio foi o primeiro a entrar para o time da Catavento. A essa altura, Waldir Martins Fontes, que decidiu ser editor, e Raimundo Nonato, que foi para o varejo ao fundar a Farmalivros, já tinham deixado a sociedade. Ele se lembra de ir, ainda muito jovem para a empresa do pai, ajudar no manuseio dos livros, mas foi só em 1983, quando já estudava Engenharia, que entrou pra valer no negócio. Ingressou na área administrativa e financeira, capitaneada por Ramiro.
Já Roberto entrou para a Catavento mais tarde, em 1992 e foi para a área comercial, comandada por Manoel, pai de Julio. Essa troca era uma tentativa de não privilegiar demais os filhos recém-chegados à empresa.
Um engenheiro e um arquiteto, que podiam erguer edificações e repensar cidades, passaram a tocar a distribuidora de livros fundada pelos pais e se tornaram uma referência no ramo livreiro nacional. Ramiro deixou a empresa em 1994 e Manoel, em 99.
Rindo, Julio lembra que os desafios fazem parte do negócio e sua grande missão é perceber tendências e ver quais caminhos que o mercado vai seguir. Adaptação tem sido palavra de ordem. Uma das primeiras mudanças a que teve que se adaptar foi a da quebra de exclusividade por parte dos editores. “Foi uma mudança muito significativa, que alterou, inclusive, todas as políticas comerciais, envolvendo prazos e descontos”, se lembra.
Outra mudança importante apontada por ele foi o desafio imposto pelas livrarias de ampliar o leque de opções. A Catavento precisava representar mais editoras. “Isso exigiu um esforço muito grande!”, lembra.
Roberto volta aos tempos de inflação alta, pré-Plano Real. “O mimeógrafo rodava o tempo todo, tentando atualizar a lista de preços dos livros”, conta. Com o fim da inflação, veio a consignação e toma-lhe uma nova mudança nos negócios. Adaptar-se, bom repetir, é uma palavra de ordem no negócio.
O mimeógrafo aos poucos foi aposentado. A Catavento foi uma das primeiras empresas do setor editorial a se informatizar. Julio garante que foi a primeira distribuidora a fazer isso. Com os incipientes cartões perfurados, controlavam seus estoques e geriam, de forma rudimentar, mas informatizada, os seus metadados.
Em 2018, com o pedido de recuperação judicial da Cultura e da Saraiva, mais uma crise, mais uma ruptura. Conseguiram ampliar as livrarias atendidas, garantindo mais capilaridade. Depois, a crise do covid e aí inovar foi imperativo. A Catavento passou a dar apoio direto aos pequenos livreiros, com auxílio na criação de lojas virtuais, capacitação e um ferramental de marketing que pudesse ajudar seus clientes.
O grande desafio, na opinião dos dois homenageados, tem sido se adaptar às mudanças do perfil dos consumidores. E isso dá gancho para pensar no futuro. “Acreditamos muito no produto livro, como ferramenta de conhecimento, lazer, divulgação de ideias e da cultura. Ele nunca será esquecido”, diz Julio. “A experiência do consumidor está mudando e nós temos que acompanhá-los. Hoje muitas das vendas acontecem pela internet e isso tende a se ampliar. Por outro lado, acreditamos que uma das formas de vender o livro ainda é no ambiente físico. O ambiente da livraria propicia àquele leitor que já é leitor uma experiência, que não é atendida pelo e-commerce”, analisa Julio. “A exposição do livro, aliado ao atendimento, ainda tem um campo grande a ser explorado e pode crescer. O desafio hoje é fazer que o ponto físico tenha o que agregar aos leitores. Essa é uma questão de fé, mas não é uma fé irracional. É uma fé raciocinada”, completou.
Roberto levanta a questão do livro digital. “A sombra que o livro digital chegou a fazer no nosso mercado não se concretizou”, disse apontando que percebeu crescimento na movimentação de livros físicos agora durante a pandemia. Ele vê nos pontos alternativos (supermercados, lojas de conveniência, de brinquedos e até pet shops) uma forma de conquistar novos leitores. “Sempre ouvimos dizer que o produto livro está muito distante de grande parte da população. A gente passou a acreditar que se a gente conseguisse fazer o livro aparecer na frente do consumidor, teríamos a chance de fazer esse consumidor um leitor”, argumentou.
Julio, no entanto, salienta que não acredita que esses pontos alternativos podem concorrer com as livrarias. “A oferta é muito pequena. O consumidor vai ao supermercado comprar arroz e feijão e topa com o livro. O próximo exemplar poderá ser comprado na livraria. Temos que fomentar o nascimento de novos leitores”, disse.
O futuro estará ainda nas livrarias de bairro, defende Roberto. “Elas vão ter um potencial grande, praqueles que conseguirem passar por esse momento de pandemia”, profetizou. “A proximidade, o charme, o café, as obras de arte, tudo isso contribuirá para o retorno dos leitores às livrarias”, defendeu.
No entanto, uma preocupação se faz presente: a guerra pelo preço. “Não estamos valorizando o nosso produto, que é o livro. Derrubar o preço é prejudicial e perigoso”, alerta Julio.
Para arrematar a conversa, eles voltam a lembrar dos pais. “A nossa sorte foi manter o ensinamento que veio por parte deles. A escola veio de lá. Nós não nos desviamos do foco de manter a nossa integridade de mercado até hoje. Nossa raiz continua a mesma. Só buscamos correr atrás de tendências”, ressaltou Julio.
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