As mil e uma histórias livres de censura
PublishNews, Leonardo Neto, 30/10/2018
Liberdade de publicação é o tema principal do primeiro dia da programação profissional da Feira do Livro de Sharjah

Começou nesta segunda-feira (29) a programação profissional da Feira do Livro de Sharjah, o emirado árabe que quer gravar seu nome na História como um dos grandes patronos da Cultura no mundo. Aberta oficialmente pelo presidente da International Publishers Association (IPA), Michiel Kolman, o evento levantou a bandeira da liberdade de expressão e de publicação, um dos pilares que sustenta a indústria editorial. “Editar livros não devia ser questão de vida ou morte”, apontou Kolman em sua fala de abertura. “Editores têm a responsabilidade de promover a liberdade de publicação e apoiá-la naqueles países menos livres”, disse.

A sheika Bodour Al Qasimi conduziu a mesa 'Freedom to publish in peril: Persistent threats and emerging challenges' ao lado da editora iraniana radicada na Inglaterra Azadia Basabor; da médica e editora Razia Rahman Jolie (Bangladesh) e de Kristenn Einarsson, presidente do comitê de liberdade de publicação da IPA | Divulgação
A sheika Bodour Al Qasimi conduziu a mesa 'Freedom to publish in peril: Persistent threats and emerging challenges' ao lado da editora iraniana radicada na Inglaterra Azadia Basabor; da médica e editora Razia Rahman Jolie (Bangladesh) e de Kristenn Einarsson, presidente do comitê de liberdade de publicação da IPA | Divulgação
Ele já preparava o terreno para uma das mesas mais importantes do dia: a Liberdade de publicação em perigo, que reuniu, sob a batuta da sheika Bodour Al Qasimi, Kristenn Einarsson, presidente do comitê de liberdade de publicação da IPA; a médica e editora Razia Rahman Jolie (Bangladesh) e a editora iraniana radicada na Inglaterra Azadia Basabor.

Há exatos três anos, no dia 31 de outubro de 2015, Dra Razia perdia seu marido, o editor Faisal Arefin Dipan. “Meu marido estudou economia, mas seu amor pelos livros o levou a se tornar um editor. Ele foi assassinado simplesmente porque estava apoiando a crítica religiosa de um autor americano", contou. “Eu sou uma médica. Não sabia nada sobre edição de livros”, disse à plateia que ocupou o auditório da Câmara de Comércio de Sharjah na manhã da última segunda-feira. Mesmo assim, e com a coragem típica das mulheres, ela assumiu o negócio do marido e continuou publicando. Nesses três anos, foram mais de 100 títulos. “Eu perdi tudo, mas eu precisava fazer alguma coisa. Enquanto eu continuo seu legado e presto minhas homenagens a ele, faço isso sabendo que minha família está sob proteção policial”, disse a editora que recebeu da IPA um prêmio especial no último congresso da entidade que advoga em favor da liberdade de expressão e de publicação no mundo. "Em Bangladesh, os editores ainda têm medo de publicar livremente enquanto continuam sendo atacados por grupos radicais e indivíduos não pensantes", finalizou.

Além do emocionante testemunho de Razia, a mesa trouxe a experiência da editora iraniana Azadia Basabor, que criou a Nogaam Books, casa inglesa que se especializou a publicar livros proibidos no seu país natal. Ela contou que no seu país, há uma censura prévia, feita pelo Ministério da Cultura que diz o que pode e o que não pode ser publicado. Isso criou um fenômeno entre autores, tradutores e editores que passaram a se policiar e a se autocensurar, evitando assuntos, temas e muitas vezes palavras que podem ser barrados pelos censores. “O que acontece hoje é que há, dentro das próprias editoras, pessoas que fazem o papel da censura. Isso faz tudo ficar muito mais difícil”, disse. Einarsson, que representou a IPA na mesa, comentou esse movimento de autocensura e concluiu: “o escritor não tem que se preocupar com isso. Quando o autor começa a se autocensurar e quando o editor coloca a sua censura em cima da autocensura do autor, o leitor não tem o melhor”.

Azadia, para dar vazão aos seus livros, criou a Tehran Book Fair Uncensored, que se firmou como uma feira itinerante que leva esses livros censurados a seus leitores. “Milhares de livros estão se perdendo por conta da censura. Entendi que precisava fazer algo e fizemos algo simbólico. Essa feira recebe esses livros que não seriam publicados no Irã e eles são apresentados a leitores em leituras, lançamentos e conversas. É uma conexão difícil de acontecer, mas tem acontecido”, disse. A editora estima que cerca de 4 milhões de iranianos moram fora do país.

Concluindo a mesa, a sheika fez um apelo: “A solução para o desafio global da liberdade de publicar requer a participação ativa e colaboração da comunidade internacional para promover a produção de conteúdos que expandem a mente especialmente em regiões onde o conhecimento pode ser a única solução contra o extremismo".

A programação profissional que antecede a Feira continua nesta terça-feira, quando editores internacionais terão a chance de ouvir o ministro da Educação dos Emirados Árabes Unidos, Hussain Ibrahim Al Hammadi, além de uma mesa que vai mostrar os caminhos do livro Infantojuvenil no mundo árabe.

A Feira será aberta oficialmente na manhã desta quarta-feira, com a presença do Sultan bin Muhammad Al Qasimi. Os ganhadores do SIBF Awards, Turjuman Award (tradução) e Etisalat Award for Arabic Children’s Literature serão conhecidos durante a cerimônia.

Tags: Sharjah 2018
[30/10/2018 02:26:00]