Precisamos celebrar a língua portuguesa
PublishNews, Francis Manzoni*, 04/08/2017
Francis Manzoni, coordenador da Comissão de Promoção de Conteúdo em Língua Portuguesa, defende a língua portuguesa do Brasil como um dos melhores cartões de visita para expressar a nossa diversidade c

A língua portuguesa do Brasil é um dos melhores cartões de visita para expressar nossa diversidade cultural. Comunicamos identidades, ideias, valores e estilos a partir de nossa fala, de nossos livros, de nossa música. Temos muito a oferecer e um papel de inquestionável destaque na promoção do idioma. Para isso, nossos esforços precisam se concentrar na realização de eventos que favoreçam a divulgação desse capital, e a Comissão para a Promoção de Conteúdo em Língua Portuguesa (CPCLP), no âmbito da Câmara Brasileira do Livro (CBL), atua nessa direção.

Rita Chaves, professora de literatura angolana e literatura moçambicana; Damares Barbosa, pesquisadora do grupo Timor-Leste: Literatura, Cultura e Sociedade; Nelson Viana, do Ministério das Relações Exteriores e a mediadora Susana Ventura, professora e pesquisadora das literaturas de língua portuguesa participaram da mesa | © Camila Del Nero
Rita Chaves, professora de literatura angolana e literatura moçambicana; Damares Barbosa, pesquisadora do grupo Timor-Leste: Literatura, Cultura e Sociedade; Nelson Viana, do Ministério das Relações Exteriores e a mediadora Susana Ventura, professora e pesquisadora das literaturas de língua portuguesa participaram da mesa | © Camila Del Nero

A criação e a promoção de eventos têm sido uma estratégia importante de difusão cultural desenvolvida por consulados, ministérios e órgãos culturais especializados. Geralmente, essas iniciativas cabem aos governos e envolvem relações econômicas e políticas. No caso do livro brasileiro e de outros conteúdos em língua portuguesa, é fundamental ter em vista a qualidade do primeiro contato com esses produtos culturais. Isso significa que não basta expor esses itens ao consumidor de cultura sem cuidadosos critérios de seleção e, mais do que isso, sem o respaldo de eventos e de iniciativas culturais que interliguem autores e leitores e valham-se do uso de tecnologias, sons, imagens e objetos, criando elos e desdobramentos duradouros com o idioma brasileiro e suas variadas formas de expressão.

Com esse propósito, foi realizada na FLIP 2017 a mesa Intercâmbios da Língua Portuguesa, uma parceria entre o Sesc São Paulo, a CBL/CPCLP e o Ministério das Relações Exteriores, traçando diálogos sobre as diferenças culturais e históricas entre os países membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e abordando possibilidades de trocas culturais e negócios.

Nesse encontro, a professora da Universidade de São Paulo Rita Chaves destacou que, no Brasil dos anos 1970, em plena ditatura militar, a difusão das literaturas dos países africanos de língua portuguesa deu visibilidade a essas culturas e nos ensinou sobre suas histórias e resistências. Segundo ela, “muito depois das literaturas, as universidades brasileiras ajudaram a projetar a cultura desses países e só depois vieram os estudos sobre arte africana”. O interesse desses países africanos pelos bens simbólicos do Brasil, a despeito da soberba e da indiferença em relação à África, ainda é considerado um capital muito pouco explorado.

A contribuição da pesquisadora Damares Barbosa, da Universidade de São Paulo, permitiu conhecer melhor a história da colonização do Timor-Leste e suas relações com a língua portuguesa. Com a retirada dos portugueses e a invasão dos indonésios na década de 1970, a língua do antigo colonizador tornou-se a língua de resistência. De acordo com Barbosa, “as pessoas aprendiam a língua portuguesa clandestinamente, na mata, como uma estratégia de guerra, e assim foi até 1999, quando houve um plebiscito e os timorenses decidiram tornar-se independentes. Nessa época, os textos surgiram como forma de retratar o contexto de opressão em que viviam”. Hoje, 15% da população do Timor-Leste fala português e, desde o plebiscito de 1999, o idioma foi escolhido como língua oficial do país, enfrentando contínuas investidas da Austrália no sentido de difundir a língua inglesa e sua presença econômica no país.

Representando o Ministério das Relações Exteriores, o professor Nelson Viana falou sobre as várias dimensões do idioma na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, seja como língua materna, língua oficial, língua de resistência (como é o caso do Timor-Leste), língua estrangeira (como se verifica na Argentina), língua de fronteira (como ocorre entre Brasil, Paraguai e Uruguai) ou língua de herança (em famílias de migrantes brasileiros que vivem em países como Inglaterra, Estados Unidos e Alemanha). Viana chamou a atenção para o papel do Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP), descrevendo-o como “um instrumento para a gestão comum da língua portuguesa, envolvendo todos os estados da CPLP”. Também discorreu sobre as ações culturais desenvolvidas pelo Itamaraty, como a manutenção de leitores e leitorados em universidades estrangeiras, a realização do exame de proficiência CELPBRAS, o ensino da língua portuguesa e a difusão da cultura brasileira nos centros culturais ligados às embaixadas".

Além dessa atividade, está em fase de planejamento uma parceria entre a CBL/CPCLP e a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) para a realização do seminário acadêmico A língua portuguesa na educação, na literatura e na comunicação, previsto para novembro de 2017, com mesas para a apresentação de pesquisas acadêmicas e venda de livros especializados.

A partir dessas experiências, a CPCLP procura responder aos interesses de editores, instituições e agentes culturais que trabalham pela valorização da língua portuguesa. “Vender bem o peixe”, nesse caso, significa compreender a diversidade dos leitores brasileiros e, nas ações de internacionalização, atentar para as particularidades, os níveis de exigência e as possíveis investidas na desconstrução de estereótipos sobre o Brasil.

Justamente por ser nosso cartão de visitas, comecemos, então, pela diversidade e pelas peculiaridades identitárias que carrega nossa língua portuguesa. Nela, cabem vários brasis e, por isso mesmo, inúmeras possibilidades de celebrá-la e promulgá-la culturalmente. Cabe a nós, simplesmente, organizar a festa.



* Atualmente, Francis Manzoni é coordenador da Comissão de Promoção de Conteúdo em Língua Portuguesa (CPCLP), da CBL. É editor nas Edições Sesc e tem experiência como Assistente de Literatura e Bibliotecas na Gerência de Ação Cultural do Sesc São Paulo (2008 -2014). Em 2014, foi curador da programação cultural da Bienal Internacional do Livro de São Paulo e membro, pelo Sesc, das equipes de curadoria das edições de 2010 e 2012. Em 2009, participou do Programa Courants du Monde, realizando estágio em bibliotecas da França. Além disso, participou das equipes de programação cultural do Sesc em edições da Flip e da Feira do Livro de Ribeirão Preto. Formado em História pela UNESP, é Mestre em História Social pela mesma universidade e Doutor em História pela PUC SP, com estágio doutoral na École des Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris. Aluno do MBA Book Publishing na Casa Educação, concluirá o curso em outubro de 2017.

Tags: CBL, Flip 2017
[04/08/2017 08:00:00]