A cabeça do editor do século 21: tem algum remédio para vertigem?
PublishNews, Rogério Alves*, 15/05/2017
Em artigo para o PublishNews, Rogério Alves fala sobre 'descobertabilidade' e a importância dela para o mercado editorial

Há cerca de três anos, fiz parte da plateia de ar preocupado que ouvia pela primeira vez o termo “discoverability”. Os papas do mercado editorial internacional resumiam com essa palavra o que deveria ser a preocupação dos editores a partir daquele momento e nas próximas dezenas de anos. O assunto ocupava tanto espaço na programação da Digital Minds, então um evento de tendências que antecedia a Feira do Livro de Londres, quanto a questão da proliferação das obras eletrônicas, os e-books.

Difícil encontrar uma palavra em português para o termo “discoverability” [o assunto chegou a ser alvo de uma coluna assinada por Felipe Lindoso aqui no PublishNews, que poderia ser traduzido (desculpem-me se sou leviano aqui, tradutores) como “a qualidade/poder de ser descoberto”. Ou seja, um livro, para ser vendido, precisa ter a qualidade de ser descoberto pelos leitores. E, como previam os palestrantes, produzir e/ou administrar a “discoverability” de um livro continua sendo o grande desafio de todas as editoras.

O termo sempre me vem à cabeça quando entro numa livraria e sou aniquilado por estantes repletas de produtos. A vertigem da experiência de tentar caminhar entre as pilhas de livros é a tradução física da ausência de “discoverability”. Se não tenho exatamente em mente o que desejo, que produto procuro, na maior parte das vezes saio sem comprar nada. E zonzo de tanta informação.

Houve um tempo, recente, em que a ordem era fazer a capa gritar. Funcionou. Mas hoje todas gritam, com cores, títulos fortes e acabamentos especiais. O efeito foi anulado. Depois, procurou-se pendurar o maior número de peças possível nas livrarias. Cartazes, adesivos, bonecos do autor em tamanho real, displays... Tudo continua sendo feito com tanta intensidade que se tornou parte da paisagem. Ninguém mais presta atenção nelas. Assim como ter o livro/autor exposto no Programa do Jô deixou de ter efeito comercial nos seus últimos anos de existência.

A sensação é que todos, varejo e editoras, são incapazes de fazer o livro ser notado. Para contornar, aposta-se cada vez mais nos livros de celebridades (combo principal: livro+canal no youtube+blog) e nos autores já conhecidos de épocas passadas. E, mesmo assim, muitos volumes acabam estocados. Ninguém sabe o segredo do sucesso.

Por isso, as editoras intensificam o marketing digital, cujas práticas pretendem direcionar para o público específico os livros que possam lhe interessar. É um movimento silencioso que acontece na internet e, principalmente, nas redes sociais para que os produtos sejam notados.

Embora ainda caminhemos pela pré-história do marketing digital editorial, tudo indica que a inteligência aplicada aos livros terá uma função importante no trabalho da “discoverability”. Mas, se todos fizerem a mesma coisa, não acabaremos com uma vertigem virtual tão ou mais intensa que a física?


* Rogério Alves é editor. Doutor em Teoria Literária e administrador de empresas, trabalhou nos grupos Somos Educação, Saraiva e Planeta, e também na Fundação Padre Anchieta e na Folha de S.Paulo.

[15/05/2017 10:27:00]