‘La gran dama de la edición’ é brasileira, rebelde e nasceu sob o signo da guerra
PublishNews, Leonardo Neto, 27/04/2017
Em Buenos Aires, o PublishNews conversou com Beatriz de Moura, carioca que criou na Espanha uma editora ícone no mundo de fala espanhola

Beatriz de Moura, a brasileira que fez história na Espanha, conversa com o PublishNews e fala como foi a criação da Tusquets | © Leonardo Neto
Beatriz de Moura, a brasileira que fez história na Espanha, conversa com o PublishNews e fala como foi a criação da Tusquets | © Leonardo Neto

“O português é uma língua que ficou congelada na minha juventude, mas ainda hoje, se eu precisasse rezar, era em português que o faria”, assim, com essas palavras, Beatriz de Moura recebeu o PublishNews para uma “charla” em um dos cafés do pavilhão de exposições La Rural onde acontece até o dia 15 de maio a 43ª edição da Feira do Livro de Buenos Aires. Beatriz nasceu no Brasil, mas foi na Espanha que fez a vida, construiu uma carreira e uma editora que se tornou um ícone no mundo de língua espanhola. Sua trajetória no país lhe rendeu o título de “la gran dama de la edición”, além de prêmios como La Cruz de Sant Jordi, entregue pelo governo catalão, e Medalla de Oro al Mérito en las Bellas Artes, dada pelo Conselho de Ministros da Espanha.

“É lógico que no Brasil eu seja uma pessoa pouco conhecida. A língua na qual eu publiquei por anos foi o espanhol”, disse a fundadora da Tusquets, editora criada por ela e pelo primeiro marido – Oscar Tusquets – em 1968 e que só chegou ao Brasil em junho do ano passado, depois que o Grupo Planeta comprou a editora, em definitivo, em 2014 (o processo começou em 2012, quando a Planeta assumiu a distribuição e comercialização da Tusquets).

Em 1939, quando o mundo começou a ver os horrores da Segunda Guerra Mundial, nascia, no Rio de Janeiro, a menina Beatriz. Filha de diplomatas brasileiros, foi levada aos nove meses para Quito, no Equador. “Ficamos em Quito durante os cinco anos da Guerra. Eles tiveram uma vida maravilhosa lá e ficaram quietinhos porque era muito cômodo ficar em Quito durante a guerra”, lembra.

Justo depois da guerra, a família seguiu para a Argélia. “Aquilo era maravilhoso”, disse saudosa a menina que hoje tem 78 anos. Ainda muito pequena, Beatriz traçava ali, na Argélia, um plano: nunca mais deixar o Mediterrâneo. Mas, ela lembra que “era uma mala, literalmente já que eu ia para onde eles iam”. E a pequena “mala” rodou o mundo com seus pais até que, em 1956, com 17 anos, a família foi enviada para Barcelona, cidade banhada pelo Mediterrâneo. “De Barcelona, fomos para Roma e meus pais foram para o Chile. Foi quando houve uma ruptura e eu nunca mais voltei a viver com eles e nunca mais voltei a viver no Brasil”, disse.

E a editora não usa a palavra ruptura à toa. Beatriz, depois de tomada a decisão de se estabelecer em Barcelona, perdeu contato com a família. “Todos desapareceram”, faz uma pausa. “Bem, na verdade, quem desapareceu foi eu. Eu tinha que fazer a minha vida. Voltar ao Brasil era voltar para o esquema familiar, o que não me interessava mais”, disse com firmeza. Rebelde? “Se não fosse, não teria vivido o que vivi!”, responde de pronto.

Nos primeiros anos, sozinha e sem o apoio da família, Beatriz precisava trabalhar e conseguiu um trabalho em uma editora especializada na publicação de livros de arte. De lá, seguiu para a Lumen, comandada por Esther Tusquets, que vinha a ser irmã de Oscar Tusquets, futuro marido de Beatriz.

A mulher nascida sob o signo da guerra criou a sua editora em um dos períodos mais difíceis da Espanha. Em 1968, quando decidiu criar a editora com Oscar Tusquets – o primeiro livro só saiu em 1969 –, a Espanha vivia sob o duro regime de Franco. Não bastasse a censura e toda a dificuldade em se publicar livros naquela época, Beatriz e Oscar não tinham dinheiro. “Foi um período muito difícil”, lembra. “Mas tivemos muita sorte. O primeiro livro que publicamos era um livro fininho, de 80 páginas de Samuel Beckett. E logo depois ele ganhou o Prêmio Nobel. Era muito raro, na Espanha, ter um livro com aquela qualidade, então, ele serviu como um aperitivo para quem quisesse ler algo mais sofisticado”, completou.

Em 1975, quando Franco morre e acaba o regime opressor da Espanha, a Tusquets vê o seu primeiro boom. “Foi uma época absolutamente deliciosa”, enche a boca para dizer. “Em um país onde quase nada era publicado, por culpa da censura, nada daquilo que o mundo já conhecia e lia tinha sido publicado na Espanha. Foi uma explosão. Com nossos livros, começamos a vender muito. Fomos formando uma editora e um catálogo importantes”, relembra orgulhosa.

Nos anos 1980, a Tusquets inova e lança a coleção Andanças, que se tornou um ícone no mundo hispânico. Com o fundo preto e uma imagem em destaque, a coleção reúne, até hoje, obras de autores que se fizeram conhecer pela Tusquets. É o caso de Almueda Grandes, um dos destaques da Feira do Livro de Buenos Aires. “Criamos um catálogo que acolhe o autor desde a sua primeira obra e essa característica ainda permanece hoje”, explicou a editora.

Em 2009, Beatriz perde o seu segundo marido, Antonio López Lamadrid, que era responsável pelas finanças e administração da Tusquets. A ausência do marido foi ainda mais sentida a partir do ano seguinte, quando a Espanha mergulha numa profunda crise. Diante desse cenário e sem herdeiros diretos, Beatriz decidiu que era hora de vender a editora. Depois de 45 anos, a Tusquets passou para as mãos da Planeta. “Eu pensei que, na minha idade e com 45 pessoas dependendo de mim, o melhor que eu poderia fazer era vender para garantir a continuidade e para que continuasse bem. Percebi que o mundo editorial estava sofrendo mudanças muito profundas e eu não tinha forças nem poder econômico para acompanhá-las. Eu não queria que a editora morresse de uma morte causada pelo meu cansaço e nem pela minha obstinação de manter o negócio. Tinha que fazer o que fosse possível para que houvesse uma continuidade”, defende a sua decisão de vender.

A compra da Tusquets pela Planeta pavimentou o caminho para que a editora finalmente chegasse ao Brasil. Nos últimos anos, Beatriz conta que teve que voltar ao seu país natal “ainda para resolver coisas dos meus pais” e, em uma dessas vindas, encontrou-se com Cassiano Elek Machado, diretor editorial da Planeta no Brasil. “É um rapaz esplêndido! O que ele me disse que vai fazer com a Tusquets no Brasil é de tirar o chapéu”, disse entusiasmada.

Embora mantenha o título de “presidente de honra” da editora, Beatriz está afastada do dia a dia da empresa. “A continuação aqui [na Argentina], na Espanha e no México é feita pelo pessoal que já trabalhava conosco. Eu hoje quero é descansar”, finalizou a conversa que teve com o PublishNews.

[27/04/2017 11:29:15]