Na última sexta-feira (09), o jornal El País publicou matéria sobre o desenvolvimento da qualidade educacional em Portugal e seus resultados no Relatório Educacional PISA. Apesar das adversidades impostas ao país, efeitos da maior crise econômica dos últimos 100 anos, Portugal é o único país da Europa que continua obtendo melhoras ininterruptas nos resultados do PISA desde 2000, quando passou a integrar o relatório.
O resultado é significativo, já que o orçamento destinado a educação portuguesa e até mesmo dos salários dos professores sofreram cortes e reduções impostas pela Troika, política de resgate financeiro conjunta entre FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia para países como Chipre, Grécia e Irlanda, além de Portugal.
A leitura da matéria, que traz diferentes perspectivas sobre a questão, é certeira no motivo de evolução apesar das dificuldades: investimento e dedicação prioritários na aprendizagem da língua, meio pelo qual toda e qualquer outra aprendizagem é dependente.
Não me canso de pensar que esta foi a mais importante e mais fundamental mudança social e cognitiva na espécie humana: a linguagem e sua correspondência gráfica. Um meio pelo qual hoje naturalmente todos nós nos comunicamos seja via códigos de desenvolvimento em TI ou juras de amor numa árvore. A prioridade nesta área de aprendizagem é fundamental para o estabelecimento de diversos parâmetros sociais e cognitivos que auxiliam um indivíduo se compreender como um cidadão. Pertencente a um coletivo, de uma nação, e assim compreender-se um ser de direitos e responsabilidades diante de si e dos seus.
Mas, o que me chamou mesmo a atenção na matéria foi seu parágrafo final, enquanto Portugal só a partir do próximo ano, passará a distribuir gratuitamente aos alunos todos os livros de textos ao Ensino Geral Básico, o Brasil começou a adotar esta política na primeira metade do século XX. Com grande investimento durante a Ditadura Militar e, após considerável redução, foi retomado nos anos 1990 até a adoção do atual PNLD, nos anos 2000, com contínuo incremento financeiro na compra e distribuição de livros até a atual e já conhecida conjuntura.
Sem dúvida, tivemos uma evolução salutar na educação brasileira a partir da última década do Século XX, com desenvolvimento mais significativo nos últimos 15 anos, mas ainda assim, estamos muito longe de acharmos que estamos satisfeitos com o que oferecemos as novas e futuras gerações de cidadãos brasileiros. Estamos tão distantes desta realidade que ainda hoje, sim, acho supérfluo ou mesmo superficial, o investimento que se fazia na compra de livros enquanto ainda discutimos o devido, merecido e justo reconhecimento financeiro do professor, que é na verdade a quantificação objetiva do reconhecimento simbólico do professor para a sociedade brasileira.
Sim, era muito legal continuar dizendo: somos o 2° maior comprador de livros do mundo. Seja lá o que isso queria dizer. Mas, a maneira como estávamos e ainda estamos a valorizar isso é simplesmente hipócrita. Quando nossos educadores, nossas escolas e suas estruturas físicas, nossas bibliotecas, e toda nossa estrutura educacional para a aprendizagem esta relegada à fala de: “estamos fazendo o possível”. Ou o famoso veja o copo meio cheio. Acontece que este possível, simplesmente não é suficiente para nosso sossego. A compra de livros tem servido como ótima propaganda demagógica, que tem causado inclusive a ressignificação do livro de objeto transformador à brinquedo pedagógico ou mera ferramenta.
Essa propaganda intelectual também tem servido à paz de uma determinada elite estranhamente cultural, assim como uma hemodiálise de um frágil mercado editorial. É como num berçário se investir na quantidade e qualidade de brinquedos e objetos disponibilizando todos gratuitamente para as crianças, enquanto os profissionais mais honrosos e essenciais as quaisquer sociedades estão tendo que se dedicar em condições de grandes dificuldades e adversidades, para dizer o mínimo.
Em um país em que ainda estamos discutindo questões primordiais numa sociedade moderna, como identidade, cidadania, respeito, democracia e igualdade, não posso jamais dizer que o acesso ao livro seja supérfluo. No entanto, diante da falta de prioridade do investimento no educador e na estrutura para com a vivência educacional, o acesso ao livro pode ser feito de outra maneira. Até estarmos numa realidade educacional mais satisfatória, não podemos como sociedade, demandar a distribuição de livros bancada pelo contribuinte e a serviço da subsistência empresarial.
