Como gestor de uma entidade nacional, tive a oportunidade de observar um comportamento genérico que julgava ser apenas particular, uma dicotomia empresarial alarmante. Metade do meu dia à frente do negócio é dedicada aos ávidos e insistentes fornecedores com o desejo de serem incluídos no meu catálogo, e a outra, é buscando e insistindo com outros fornecedores para que estes façam parte do mesmo. Isso seria muito natural se não houvesse um alarmante detalhe: na primeira metade são fornecedores de papelaria e na segunda, de livros. Apesar de inúmeros casos de sucesso e parceria entre editoras e livrarias, este é um problema que atinge muitas livrarias país afora, principalmente fora dos holofotes.
O livreiro, por algum motivo, é empreendedor de um varejo, que em sua maioria das vezes é visto pela indústria editorial como um mal necessário. Essa estranha relação de negócios é fácil de se comparar principalmente no caso, de livrarias que também são papelarias. Enquanto indústrias de papelaria se dedicam em colocar seus produtos em cada esquina possível, mesmo sendo um produto altamente consolidado no mercado, as editoras fazem esforços seletivos.
O que o mercado editorial no Brasil, surpreendentemente ainda não demonstra compreender, é que um varejo forte e consolidado faz de toda a cadeia produtiva um segmento próspero. De maneira genérica, a indústria editorial é dominada por uma visão marqueteira, em que é dedicada a uma visibilidade seletiva e o varejo é relegado à particularidades.
Qualquer fornecedor da área de papelaria se constrange se tiver que oferecer um prazo de entrega superior a 15 dias, e sempre ao ter de oferecer isso, imediatamente tenta atrair o varejista com vantagens nas formas de pagamento com inúmeras soluções possíveis. Por que para esta indústria, assim como na gigantesca maioria delas, há uma verdade inquestionável: produto que não esta na gôndola, não vende. É uma forma mais rentável de compreender que só pode ganhar na loteria quem compra o bilhete.
As negativas do atendente ao consumidor em caso de falta, não serão muitas. O consumidor não perdoa, e neste caso, a indústria não é altruísta. Ela sabe que perde mais um canal varejista e consequentemente perde rentabilidade e lucro direto. Um varejo frágil torna a indústria refém, e nenhum industrial responsável ignora este fato.
Sem dúvida o mercado do livro tem suas particularidades, e muitas, mas também as semelhanças. Um exemplo é o papel fundamental dos distribuidores que também encontram, em alguns casos, a mesma dificuldade em lidar com as editoras. O que até mesmo as grandes livrarias já reconhecem, e as editoras geralmente ainda não notam com a devida importância para a sustentabilidade de sua própria produção, é que o pequeno varejo é O (maiúsculo) formador da massa consumidora. A concorrência é saudável pois é seletiva. Um mesmo consumidor pode adquirir itens semelhantes em vários lugares e em diferentes experiências de compra.
Aos domingos ele pode levar a família a uma das grandes livrarias da Avenida Paulista durante um passeio. E na semana aproveitar a hora do almoço para comprar um livro para a prova do filho, aproveitando a proximidade em um diferente lugar. Têm se vendido muito a ideia de uma livraria: café, espaço para eventos, funcionários altamente qualificados, acervo gigantesco e arquitetura convidativa. Mas este é um segmento para um tipo de varejo de livro. Um consumidor procura essencialmente duas coisas não necessariamente excludentes: preço e comodidade. Sendo a última relativizada pelos interesses objetivos e subjetivos do consumidor para aquela determinada compra.
Nenhum consumidor atravessa a cidade a não ser que seja absolutamente necessário do seu ponto de vista, e, nesse sentido, a pequena livraria é quem forma a próxima necessidade que cria volume, consumidores assíduos, e por fim a viabilidade para um negócio mais sofisticado ou de nicho, como uma livraria geek, infantil ou acadêmica.
Um negócio se começa vendendo o "arroz com feijão" e, ao se desenvolver, se diversifica, se profissionaliza e evolui. Quando o mercado como um todo não consegue prover sustentabilidade para isso, o produto passa a ter uma outra compreensão do consumidor. Já li comentários sobre pessoas que estão adquirindo "livros gourmet", e não foi no intuito de elogiar.
Esse modus operandi teve início com os livros didáticos, quando por conta de uma particularidade que assegura uma demanda deste segmento varejista, as editoras acharam que seria melhor negócio ignorar o estabelecimento dedicado ao varejo. As décadas se passaram e essa visão se pulverizou no mercado em conotações particulares de cada segmento. O varejo encontra-se cada vez mais frágil, localizado e concentrado. A qualidade educacional no país tem índices alarmantes com consequências caras à sociedade. O mercado do livro apresenta PIB constrangedor, ainda mais se eliminado os valores de compras governamentais. As políticas públicas se debruçam na produção editorial preocupada em suprir um conteúdo para a cidadania enquanto o varejo, a capilaridade da produção, segue décadas a míngua. Este modelo de negócio, não funciona.
Neste ano de dificuldades gerais, algumas editoras já estão redescobrindo a importância do varejo. O triste é imaginar que o devido valor ao varejo do livro, só venha após a perda. E como numa dessas histórias de um falso amor, em que um se acha mais importante que o outro, a esperança é que possamos recuperar esta relação antes do fim. Precisamos melhorar este relacionamento.
