O 9 x 0 das biografias
PublishNews, Leonardo Neto, 11/06/2015
Em julgamento, STF dispensa biografias de autorização prévia de biografados e de seus herdeiros

Quarta-feira, 10 de junho de 2015: um dia para entrar na história do mercado editorial brasileiro. Na tarde desta quarta-feira, o Supremo Tribunal Federal votou, por unanimidade, a favor da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) 4.815 levada à corte maior da Justiça Brasileira pela Associação Nacional dos Editores de Livros (ANEL). Na tese, a entidade criada pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) para representar o setor na luta jurídica sustentava que os artigos 20 e 21 do Código Civil conteriam regras incompatíveis com a liberdade de expressão e de informação prevista na Constituição Federal. Seguindo a relatora do processo, a ministra Cármen Lúcia, os outros oito ministros do STF entenderam que a autorização prévia para publicação de biografias fere os preceitos constitucionais e, por isso, não pode ser exigida. Entenderam ainda que, em se havendo difamação ou calúnia, isso deve ser tratado na Justiça, com indenizações.

“O que não admite a Constituição do Brasil é que, sob o argumento de ter direito a manter trancada a sua porta, abolisse o direito à liberdade do outro de se expressar, de pensar, de criar obras literárias, especialmente no caso, obras biográficas, que dizem respeito não apenas ao biografado, mas à toda coletividade pela sua natureza de referenciabilidade que precisa ser aproveitado” argumentou a relatora. “Censura é forma de cala-boca. Pior, de calar a Constituição. O que não me parece constitucionalmente admissível é o esquartejamento da liberdade de todos em detrimento da liberdade de um. Cala a boca já morreu, é a Constituição do Brasil que garante", completou. [Clique aqui para ter acesso à íntegra do voto da ministra].

Em nota, a ANEL comemorou: “hoje, os brasileiros reconquistaram o direito de livre acesso ao conhecimento sobre a sua História (...). Esta decisão vem coroar três anos de empenho da ANEL e de muitos brasileiros pela plena liberdade de expressão no caso das biografias. Quando demos entrada com a ADIN, em julho de 2012, não poderíamos imaginar que a ação terminaria por deflagrar um amplo e vibrante debate público sobre a questão (...). Foi um exemplo de democracia em ação, fundamentado na pluralidade de pontos de vista e ampla liberdade para a expressão de opiniões diversas” diz a nota assinada por Roberto Feith, representante da ANEL.

Repercussão e consequências

A repercussão da decisão do STF foi imediata no meio literário brasileiro. Ao jornal O Globo, Paulo Cesar de Araújo, autor da biografia Roberto Carlos em detalhes, disse que fará nova versão do seu livro publicado originalmente pela Planeta em 2006 e recolhido das livrarias a pedido do biografado em 2007. “A Suprema Corte acabou com esse entulho autoritário da censura prévia. Meu livro voltará. Será atualizado. A publicação anterior era de 2006, Roberto Carlos não tinha feito ‘Esse cara sou eu’. Então, será uma obra ampliada e atualizada”, disse. “Tudo isso faz parte da história do Roberto Carlos. Ele sempre se declarou apolítico e pela primeira vez defendeu publicamente uma causa, a da censura prévia. E foi derrotado. Vou narrar isso em detalhes”, completou.

À Folha, Feith disse acreditar que agora as biografias não autorizadas devem proliferar. “Com certeza aparecerão autores que relutavam em se dedicar a livro que pudesse ser vetado”, disse. A mesma matéria lista alguns títulos que podem sair agora com a decisão do STF. Mário de Andrade, Raul Seixas, Manuel Bandeira e Lampião estão entre as figuras brasileiras que poderão ganhar biografias daqui em diante. “O argumento vale para Humberto Werneck, que anos atrás fechou contrato com a Cosac Naify, para biografar Manuel Bandeira, mas parou a pesquisa à espera de resolução legal. Vale também para editoras como a Companhia das Letras, que no momento avalia a biografia de Mário de Andrade assinada por Jason Tércio, feita sem anuência do sobrinho do escritor. Entre as próximas a sair, devem estar duas editadas por casas que vinham publicando não autorizadas. A Record anunciou uma biografia sobre o ex-deputado Roberto Jefferson, e a Geração Editorial colocará nas livrarias, no segundo semestre, Geraldo Vandré – o homem que disse não, de Jorge Fernando dos Santos”, diz a matéria assinada por Raquel Cozer.

[11/06/2015 00:00:00]