Brasília vive a festa do livro
PublishNews, Leonardo Neto, 15/04/2014
Bienal de Brasília deve movimentar, até a próxima segunda-feira mais R$ 9 milhões

Há quem diga que Brasília não nasceu do sonho megalomaníaco de JK e sim de uma profecia feita em 1883 por um padre italiano, que depois virou santo. Dom Bosco teria dito que entre os paralelos 15° e 20° nasceria uma grande civilização de onde emanariam leite e mel. Leite e mel, Brasília talvez não produza, mas, às vésperas de completar 54 anos, a Capital Federal quer se transformar em uma capital de leitores. Desde a última sexta-feira (11) e até o dia 21, acontece na Esplanada dos Ministérios a 2ª Bienal do Livro e da Leitura. Os organizadores esperam receber, até o fim do megaevento, mais de 250 mil pessoas. Elas estão circulando pelos 16,5 mil m²de tendas que abrigam mais de 200 expositores, salas de debates, cafés, além de espaços expositivos e para shows.

Na abertura, no dia 11, o auditório do Museu Nacional da República ficou lotado de pessoas interessadas em ver e ouvir o uruguaio Eduardo Galeano (foto), homenageado pela edição de 2014 do evento. O combativo e contestador Galeano, que chegou cercado por um séquito de seguranças e autoridades distritais, comentou que estava se sentindo sufocado por tanto amor. A plateia recebeu o escritor aos gritos de “Viva Mujica”, uma referência ao prafrentex presidente do Uruguai, e vaias sempre que eram citadas as autoridades do Distrito Federal. Com um português impecável, Galeano leu trechos de seus livros e arrancou gargalhadas da plateia ao lembrar fatos como o descobrimento das Américas ou o dia que a cidade de Sorocaba, no interior de São Paulo, fez um beijaço contra uma decisão de uma autoridade que proibira o beijo em locais públicos.

Saldão

No sábado, quando foram abertos os pavilhões de expositores o que se viu foi uma grande feira de livros e leitores disputados a gritos e a preços baixos. Estandes inteiros com livros vendidos até R$ 10. Uma das raras exceções é o estande de 150 m² montado pela distribuidora local Arco Íris. “Esse modelo de feira é necessário”, disse resignada Íris Borges, proprietária da distribuidora. No seu estande, o maior da feira, ela reúne 42 editoras e mais de 80 selos, além de ser representante exclusiva da Companhia das Letras e Brinque-Book. “O conceito de feira deixou de ser uma grande exposição de novos títulos para ser uma xepa de livros”, lamenta a livreira. Ela se referia às livrarias que conseguem pontas de estoques e encalhes a preços quase insignificativos e colocam à venda em eventos como esse. Em um dos estandes da Bienal, está instalada a Livro Muito Barato, que como o próprio nome diz, vende livros a preço de banana. Rogério Caires, responsável pela loja, conta que o que levou para Bienal é mesmo o que sobrou, o que não vendeu. “Comprei 300 mil livros e consegui um preço muito baixo”, contava para quem quisesse ouvir. Com isso, ele conseguiu colocar à venda o Guinness Book 2012, com capa dura e edição bem cuidada e livros da série Crepúsculo (Intrínseca) a R$ 10. Clássicos de Virginia Woof saem por R$ 15, mesmo preço do livro Capitu mandou flores, coletânea de contos criados por autores brasileiros com base na obra de Machado de Assis, editado pela Geração Editorial. No estande da Geração Editorial - cujo Publisher é Luiz Fernando Emediato, o curador da Bienal - , as vendas do livro não iam nada bem... Afinal, a edição de Capitu mandou flores estava sendo vendida a R$ 25.

São da Geração Editorial os livros de seis autores internacionais convidados para a Bienal. Entre eles, o presidente de Gana, John Dramani Mahama, autor do livro Meu primeiro Golpe de Estado e Naomi Wolf, autora de Vagina. Até o fim da tarde de domingo, de acordo com a responsável pelo estande da Geração, nenhum livro dos dois autores, destaques da programação da Bienal, tinha sido vendido. O tiro parece ter saído pela culatra.

Segundo Nilson Rodrigues, coordenador da Bienal, não há meios de controlar o que é vendido na feira. “Não controlamos, não queremos controlar e o que queremos é que pratiquem o preço baixo” disse o coordenador em entrevista ao PublishNews. De acordo com estimativas de Rodrigues, a Bienal deve movimentar algo em torno de R$ 9 milhões ou 500 mil livros vendidos.

Para ajudar nas vendas, o Governo do Distrito Federal criou o Passaporte Literário. As escolas do DF receberam vouchers que variam entre R$ 1.500 e R$ 5.500 para compras de livros. Os professores e alunos fazem uma espécie de curadoria para compor os acervos das bibliotecas escolares do DF. Ao todo, o passaporte deve movimentar R$ 4 milhões. Rodrigues conta que os professores receberam, antes do início da Bienal, um guia pedagógico que promete ajudar no garimpo de livros que possam interessar às escolas.

Cada estande pode vender, no máximo 10% do valor total do voucher. Ou seja, o professor, para gastar o passaporte na totalidade deve visitar, no mínimo dez estandes. “Essa regra atrapalhou um pouco a nossa estimativa de vendas. Eu esperava vender mais de R$ 600 mil, agora vou ter que rever isso... O investimento na Bienal talvez não se pague”, reclamou Íris Borges. Já Rodrigues conta que é exatamente isso o que quer evitar com essa medida implementada nessa edição. “Distribuidores e livrarias locais têm muito mais chances que um que vem de fora. Pode visitar as escolas antes, orientar os professores e, com isso, ganhar musculatura na briga pelo cliente. Com essa medida, evitamos que essa concorrência desleal aconteça”, contrapôs o organizador.

Destaques da Programação

Na terça-feira (15/04), Pierre Lévy, André Lemos e Liziane Guazina participam do seminário Novos formatos, novos gêneros e novas estéticas na internet, a partir das 18h30 no Auditório Nelson Rodrigues. Já Ana Maria Machado, Ana Miranda e Severino Francisco discutem a Literatura no Feminino no Auditório Jorge Amado, a partir das 19h. Ariano Suassuna recebe homenagem às 20h no Museu Nacional da República.

Na quarta-feira (16/04), Mia Couto, Carlos Nobre e Rosana Jatobá discutem com o presidente de Gana o tema A sociedade global e a utopia do desenvolvimento sustentável, a partir das 20h30, no Auditório Nelson Rodrigues. Um pouco antes, às 18h, John Dramani Mahama faz palestra e sessão de autógrafos do seu livro Meu primeiro golpe de Estado. Na sexta-feira (18), Domingos Pellegrini e Ignácio de Loyola Brandão discutem com Luiz Fernando Emediato, curador da Bienal, sobre a produção literária nos anos de chumbo, a partir das 11h30, no Auditório Jorge Amado e Ziraldo participa do seminário O golpe, a ditatura e o Brasil: 50 anos depois, a partir das 16h, no Auditório Jorge Amado.

[15/04/2014 00:00:00]