Um Festival à margem
PublishNews, Leonardo Neto, 07/04/2014
Aconteceu no último final de semana o Festival da Mantiqueira

Para chegar à São Francisco Xavier, no alto da Serra da Mantiqueira, é preciso enfrentar uma sinuosa estrada que liga o pequeno distrito à cidade de São José dos Campos. À margem da rodovia, um onipresente rio cheio de corredeiras e curvas. No último final de semana, o PublishNews encarou o desafio de subir até o topo para acompanhar as movimentações do Festival da Mantiqueira, que, na sua 7ª edição, escolheu como tema o mote “À Margem” e levou ao pequeno e pacato distrito quase duas dezenas de autores para falarem sobre literatura fora do centro, do arco de visão, muitas vezes esquecida ou silenciada. O tema proposto pela jornalista e curadora Josélia Aguiar permeou as mesas de debates e conversas durante o evento.

Já na conferência de abertura, Cristovão Tezza deu o tom do evento ao defender que “na boa literatura, a margem está sempre no centro”. Em São Francisco Xavier, Tezza fez a segunda sessão de autógrafos do seu novíssimo O professor (Record) que acaba de sair do forno. Um dos pontos altos do festival foi a mesa em que se discutiu os 50 anos do Golpe Militar de 1964. Bernardo Kucinski (K – Expressão Popular), Daniel Aarão Reis (Ditadura e democracia no Brasil – Zahar), mediados por Noemi Jaffe, falaram sobre os reflexos do golpe na literatura. Kucinski emocionou a plateia ao falar que, para ele, a Ditadura ainda não acabou: “Eu ainda não enterrei a minha irmã. Não tem uma lápide com o nome dela escrito. A sociedade brasileira ainda não fez o funeral dos seus mortos“.

Outra mesa que ilustrou bem o tema proposto pela curadoria foi a que reuniu Daniel Mundurucu, Illan Brenman e Reginaldo Prandi. “É raro em um festival como esse ter uma mesa de autores que escrevem para público infantojuvenil”, observou Josélia. Autor que usa as suas origens judaicas para tratar de temas universais, Brenman elogiou a escolha da curadora: “Sem autor infantil de qualidade, não vai ter leitor de romances lá na frente”. Já Mundurucu, que carrega no seu nome a sua etnia, lembrou que a oralidade é um grande desafio para que autores indígenas cresçam e apareçam. “A gente é educado para falar. Escrever é uma coisa nova pra gente”, comentou. De acordo com o autor, hoje, existem mais de 300 povos que falam 180 línguas diferentes, totalizando quase um milhão de indivíduos e há mais de 100 títulos de autores indígenas, “tirando os meus, é claro... por que daí seria covardia”, brincou com a plateia. Mundurucu é autor de cerca de 40 títulos. A oralidade também foi lembrada por Reginaldo Prandi. Sociólogo de formação, Prandi enveredou seus estudos para as questões das religiões afro-brasileiras. “Muitas vezes, eu entrevistava os meus informantes para pesquisas, mas nunca mostrava o resultado do trabalho. Por isso resolvi escrever livros que contassem as histórias desses povos”, contou durante o festival.

Livros

Na tenda de venda de livros montada pela Saraiva no meio da praça principal de São Francisco Xavier o movimento foi grande, sobretudo depois das mesas, quando os autores seguiam para lá para sessões de autógrafos. A responsável pela loja não estava autorizada a falar no número das vendas, mas o que se notou, no final do evento, uma significativa baixa nas pilhas de livros.

O festival da Mantiqueira é uma realização do Governo do Estado de São Paulo, por meio da Associação Paulista dos Amigos da Arte (APAA), organização social de cultura que presta serviços ao governo paulista desde 2004. A organização do evento promete, nos próximos dias, colocar as íntegras das mesas de debates, conferências e conversas no canal do Youtube do Festival da Mantiqueira.

[07/04/2014 00:00:00]