Cinco motivos para publicar literatura do Brasil
PublishNews, Roberta Campassi, 12/08/2013
Editoras da Alemanha contam como e por que decidiram lançar obras de autores brasileiros

Há quase duas décadas não eram publicados tantos livros brasileiros na Alemanha quanto agora. Estimuladas pelas bolsas de tradução da Fundação Biblioteca Nacional e pela Feira de Frankfurt, que acontece em outubro e neste ano homenageia o Brasil, as editoras alemãs publicarão, entre 2012 e 2013, cerca de 250 títulos de autores brasileiros ou que têm o país como tema. Destes, 72 são publicações de obras literárias(romances, poesia e contos) e mais de 60 delas contaram com o subsídio da FBN (leia mais aqui).Mas o que na literatura brasileira, afinal, cativou os editores alemães? Por que eles decidiram investir na publicação de livros do Brasil? Confira cinco casos que ilustram as estratégias das editoras e a formação da onda da literatura brasileira na Alemanha.

1. Tradição

Com um catálogo extenso de autores latinoamericanos construído ao longo de algumas décadas, a Suhrkamp aproveitou o ensejo da Feira de Frankfurt para publicar um conjunto de obras brasileiras.

“Temos uma tradição de publicar literatura brasileira e temos as traduções de textos fundamentais”, afirma Frank Wegner, editor da Suhrkamp.“Vimos na Feira de Frankfurt uma oportunidade de reafirmar essa boa posição.”

Wegner selecionou 10 títulos para serem publicados este ano. Entre as reedições estão obras de Mário de Andrade, Sérgio Buarque de Holanda, Euclides da Cunha, Augusto Boal, João Ubaldo Ribeiro e Jô Soares. Como inéditos, a editora publica Barba ensopada de sangue, de Daniel Galera, e Manual prático da guerrilha, de Marcelo Ferroni.

Para o editor, os alemães não têm um interesse urgente pelo Brasil, o que contribuiu para que a literatura do país passasse anos sem ser editada com força na Alemanha. “Mas com Frankfurt, a Copa do Mundo e as Olimpíadas, isso provavelmente vai mudar”, ele avalia.

2. A força de um “clássico moderno”

Anos atrás, os editores da Schöffling, uma pequena editora de literatura de Frankfurt, cogitavam publicar Clarice Lispector. Em 2010, quando se anunciou que o Brasil seria o país convidado da Feira de Frankfurt em 2013, eles colocaram a ideia em prática.

Lispector faz parte do rol de autores brasileiros mais traduzidos para o alemão. Ao longo dos anos, onze de suas obras foram publicadas por diferentes editoras, a maioria pela Suhrkamp e pela Rowohlt. Mas já há algum tempo os títulos estavam esgotados e sem novas traduções.

A Schöffling negociou os direitos de Lispector com a agência espanhola Carmen Balcells e desenhou um projeto para reeditar toda a obra da autora em 10 anos. “Clarice Lispector é um clássico moderno e como tal merece sempre novas edições”, afirma Sabine Baumann, editora da casa. “Seus livros são altamente literários e complexos, por isso há sempre algo novo a descobrir neles”, afirma.

A editora publica agora em setembro Perto do coração selvagem, em uma tradução revista, e O lustre, este inédito em alemão, com tradução de Luis Ruby. Lança ainda a biografia de Lispector escrita por Ben Moser, que, segundo Baumann, será uma boa introdução à obra da autora para os leitores alemães que não a conhecem.

3. Amor à primeira leitura

Em outubro de 2011, pouco antes da Feira de Frankfurt, Luciana Villas-Boas, então diretora editorial da Record, bateu à porta das editoras alemãs para vender direitos de autores brasileiros.

O primeiro encontro foi com a DTV, editora de grande porte e abordagem comercial. Villas-Boas apresentou livros da Record à editora Silvia Schmid, que lê português, e saiu do encontro com a expectativa de receber um retorno em breve.

Mal sabia que a resposta viria já no dia seguinte. Silvia havia mergulhado em Arroz de Palma, de Francisco Azevedo, e fez uma oferta pelo livro. Estava apaixonada pela história.

Segundo Villas-Boas, o negócio foi fechado por um adiantamento de direitos autorais de 12 mil euros. A obra foi publicada na Alemanha em maio deste ano, com uma forte campanha de marketing. É, neste momento, um dos livros brasileiros facilmente encontrados nas livrarias do país.

Na mesma viagem, Villas-Boas vendeu direitos de obras de Ronaldo Wrobel e Rafael Cardoso para outras editoras. Por meio de uma parceria com a agente Tassy Barham, também negociou direitos de Edney Silvestre. “Foi fundamental visitar as editoras pessoalmente, sem isso eu duvido que teria conseguido fechar os negócios”, conclui Villas-Boas. O bom resultado, segundo ela, reforçou a vontade de abrir a sua própria agência literária, o que fez em 2012 ao sair da Record.

4. Nicho de mercado

A S. Fischer, uma grande editora de Frankfurt, tradicionalmente publica obras da América Latina, mas há cerca de quatro anos intensificou seu olhar para a literatura da região. Como resultado, o Brasil entrou na mira.

Budapeste, de Chico Buarque, foi o primeiro a ser publicado na leva de publicações recente. “Incluímos também títulos de Jorge Amado, porque queríamos dar ao projeto profundidade histórica”, afirma Hans Juergen Balmes, o editor responsável por literatura brasileira. A casa publicará ainda títulos de Rafael Cardoso, Luísa Costa Hölzl, Flávia Lins e Silva e uma antologia.

A Wagenbach também encontrou na literatura brasileira uma forma de criar um nicho de mercado e chamar a atenção dos livreiros, como já havia feito no passado com a literatura italiana e argentina. Por causa da Feira de Frankfurt, lançou no mês de maio um conjunto de obras do Brasil. “É o mínimo necessário para se ter uma ideia do que foi a literatura brasileira no século XX”, afirma Mauro Bosshard, editor.

Dos autores consagrados, a seleção inclui Guimarães Rosa, Graciliano Ramos, João Ubaldo Ribeiro e Rachel de Queirós, que já teve seu Três Marias reimpresso, após uma tiragem inicial de 2.500 exemplares. Da nova geração, a casa publica duas antologias e ainda Habitante irreal, de Paulo Scott. “Este foi um dos poucos romances contemporâneos brasileiros que me chamaram a atenção, por isso vamos lançá-lo na nossa coleção principal, que traz as propostas literárias mais interessantes atualmente”, conta Bosshard.

5. Aposta literária

A Feira de Frankfurt acendeu o interesse da pequena Assoziation A por obras brasileiras. A partir de uma consulta feita com amigos que vivem no Brasil, os editores receberam a recomendação de publicar Luiz Ruffato e Beatriz Bracher.

“Ruffato escreve de uma maneira avant-garde, revolucionária. Beatriz escreve de forma muito sofisticada, muito inteligente”, afirma Rainer Wendling, um dos dois sócios da Assoziation A, que são também os únicos funcionários fixos da editora. “Ambos nos fascinaram e por isso decidimos traduzi-los. Para uma editora pequena, é muito difícil encontrar autores realmente bons”, diz.

Um tanto de obstinação e trabalho duro rendeu bons resultados até agora. Eles eram muitos cavalos, de Ruffato, obteve boas resenhas na imprensa alemã e teve agora a segunda impressão, somando 4.000 exemplares impressos.

De Ruffato a editora lançou também, no mês passado Mamma, son tanto felice. Em agosto saem uma antologia organizada por ele e Antonio, de Beatriz Bracher. Na ocasião da Feira de Frankfurt, os dois autores vão rodar por 10 cidades de língua alemã divulgando suas obras, em um tour organizado pela própria Assoziation A.

Para a viagem, a editora conta com verba de associações regionais alemãs de promoção à literatura e também com ajuda da Fundação Biblioteca Nacional, por meio do programa de intercâmbio de autores brasileiros no exterior.

[12/08/2013 00:00:00]