‘Desempacotando’ o mercado editorial: a quarta grande tendência
PublishNews, 12/06/2013
‘Desempacotando’ o mercado editorial

Há algumas semanas, escrevi que havia três grandes forças impulsionando o futuro do mercado: escala, verticalização e atomização.

Eu tinha esquecido meu próprio post sobre outra tendência: “unbundling”, ou “desempacotando”. O mercado editorial, no segmento geral que eu sigo mais de perto, mas em outros segmentos também, está vendo seu valor se tornando mais “unbundled” em várias formas.

Até recentemente, uma editora geral controlava todos os aspectos da publicação de um livro. Os serviços indispensáveis que as editoras ofereciam eram dois: o adiantamento e a rede de relacionamentos e infra-estrutura que colocava os livros nas prateleiras.

Como a editora arriscava seu capital e reputação com todo livro publicado, era natural que também lidaria com todos os passos de apoio: desenvolvimento e revisão, marketing e publicidade, design e manufatura.

Até a virada do século XXI, eram os autores excepcionais que tinham algum tipo de “plataforma” que poderia ser empregada para o marketing do livro: um programa de TV ou coluna de jornal ou fama que poderia servir de trampolim para promover o livro. Nesses casos, editoras reconheciam que o livro estava sendo “carregado” por algo que tinha seu próprio interesse comercial e não estava sujeito aos desejos ou horários de uma editora.

Agora, muitos de nós temos algum tipo de plataforma, uma “forma de chegar a uma audiência”. E, apesar de que a minha plataforma não é comparável à de Rush Limbaugh ou de Jay Leno, é minha e posso fazer o que eu quiser com ela. Muitas outras pessoas têm plataformas próprias que são muito mais poderosas do que a minha.

Podemos dizer que as próprias editoras começaram o processo de “unbundling” quando incitaram os autores a usarem suas plataformas para divulgar seus livros. Com o advento dos e-books e impulsionados pelos serviços CreateSpace oferecidos pela Amazon, acabou sendo possível para qualquer autor publicar seu próprio livro e àqueles com plataforma, mesmo ainda em construção, não precisavam mais do consentimento de um editor para colocar seu livro no mercado.

Meu amigo, o futurista David Houle (cujo novo livro Entering the Shift Age foi publicado pela Sourcebooks), ficou frustrado em 2007, quando não conseguiu se conectar com uma editora para publicar suas previsões. Ele estava começando seu blog, “Evolution Shift” e não tinha histórico ou audiência suficiente para persuadir alguma editora a publicar seu livro. Então publicou sozinho, através da Amazon, mesmo antes de ter um Kindle. Com os anos, David vendeu umas 7.000 cópias de seu livro, muitos através da Amazon, mas muitos outros através de suas próprias participações públicas como orador. (E o que ele ganhava por cópia era muito mais do que teria recebido através de um acordo de publicação.)

Desde que Houle publicou The Shift Age, há vários anos, uma indústria cresceu ao redor de serviços para editoras, chamados de “serviços de autores”. As ofertas centrais são para pegar o arquivo do criador (em Word ou InDesign) e torná-lo acessível em vários formatos de e-books na saída e depois interagir com os vendedores de e-books (entregando o arquivo e capturando as informações de vendas) do outro lado. Os serviços oferecidos pelas livrarias (e você consegue esta ajuda da Amazon, Apple, Barnes & Noble, e Kobo) não impedem o e-book de aparecer em outras livrarias. A Amazon é a única a oferecer uma opção de impressão.

O primeiro destes serviços na era do e-book fora das livrarias foi o Smashwords. Muitos outros vieram depois, como o Author Solutions, comprado há um ano pela Penguin, junto com um número de empresas que oferecem estes serviços no mundo de impressos que existia antes do Kindle. Todos vieram para reconhecer que as editoras fornecem mais do que os serviços essenciais em cada final do processo de publicação; elas também fornecem edição, empacotamento e serviços de marketing no meio. Então estes serviços foram aparecendo como ofertas discretas - “unbundled” - tanto através de fornecedores completos de serviços quanto de empresas independentes.

Agora há um agregador de fornecedores de serviço independente, BiblioCrunch, que apresenta um conjunto de freelancers que qualquer um pode acessar. Outro novato, NetMinds, que foi notícia há pouco ao publicar o livro de Nolan Bushnell, também fornece serviços de especialistas em muitas categorias.

Este efeito “unbundling” joga um papel interessante. Quando Hugh Howey vendeu os direitos de seu grande sucesso Wool para a Random House UK (antes de ter um editor nos EUA), os editores trabalharam com Howey e editaram um pouco, inclusive criando um capítulo adicional, para a nova edição. Howey pegou aquele componente do trabalho da Random House e foi capaz de disponibilizá-lo para a edição impressa que licenciou nos EUA para a Simon & Schuster e depois incorporou na versão em e-books que ele mesmo vendia.

Tudo isso evidencia que a proposta das editoras leva a duas observações estratégicas.

Como os serviços mudam de “autores” para “entidades” (o que eu chamo de atomização e da qual há novos exemplos quase todo dia), há um job description crítico que falta das ofertas. É o do “editor”. O editor toma as decisões gerais sobre o editorial, produção e recursos de marketing que são comprometidos a cada livro.

No ambiente de serviços ao autor, este papel pode ser útil, mas não faria falta em muitas circunstâncias. Não há uma decisão sobre “o que publicar”; o autor tem um livro. Há muito poucas decisões sobre “alocação de recursos” porque os discursos disponíveis para serem alocados são os do próprio autor.

Mas quando entidades de todo tipo veem os autores como os fornecedores primários de livros fora da indústria, o papel do editor se torna crítico. Decisões terão de ser feitas.

Há 26 categorias de assistentes disponíveis no BiblioCrunch. “Editor” não é uma delas.

Eu me encontrei na semana passada em Los Angeles com uma equipe de produtores e executivos que estão trabalhando em cima de uma ideia que tive: a de que Hollywood pode se tornar um importante centro de publicação de livros de ficção. Eles têm uma fonte de milhares de grandes histórias desenvolvidas na esperança de se tornarem um filme, mas que acabam não sendo financiadas, não recebem “a luz verde”, como eles dizem. Esta equipe tem mais de 100 projetos que são candidatos aos esforços de publicação de livros, mas não podem publicar todos eles. Precisam montar uma companhia, pagar para transformar os roteiros em novelas (ou, pelo menos, em narrativas), e colocá-los em e-books e provavelmente também em formatos de livros impressos. Então, eles me perguntaram, quais deveriam publicar primeiro?

Falei: “Não perguntem para mim, eu perguntaria a um publisher.” Dei o nome de dois bons e com experiência que estão atualmente desempregados. Estas pessoas possuem uma vasta experiência com todas as decisões exigidas: quais histórias são mais vendáveis como livros, qual o comprimento que os livros deveriam ter, em qual estilo eles deveriam ser escritos e qual deveria ser o título, a embalagem e a promoção.

Esta necessidade é ainda mais evidente quando se pensa sobre entidades de não-ficção que poderiam se tornar editoras. Se todo museu, biblioteca e departamento de uma universidade é “uma editora esperando acontecer” (e eu acredito que são), como poderiam funcionar sem um publisher?

Se você estivesse trabalhando para transformar um museu numa editora, começaria com um processo de descoberta que responderia a questões chave. Quem vem ao museu e o que você sabe sobre eles? Quem visita o site do museu e o que você sabe sobre eles? Qual propriedade intelectual (PI) você já possui e poderia ser publicada como livro? Qual é seu relacionamento com as fontes da PI e do marketing, como instituições acadêmicas, organizações sem fim lucrativo ou outros museus? Se você pedir dinheiro aos apoiadores do museu para financiar um programa de publicação, conseguiria?

Qual programa de publicações deveria sair destas respostas é algo que só um editor tem verdadeira experiência para descobrir. O editor é o primeiro serviço que a entidade precisa. Contratar um editor tem precedência sobre todas as outras contratações.

A Ingram Publisher Services teve um grande sucesso com uma série de livros de cozinha bastante cara ($625) (Modernist Cuisine: The Art and Science of Cooking) criado por Nathan Myhrvold, antigo executivo da Microsoft. Talvez perdido na história está o fato de que a primeira iniciativa de Myhrvold foi envolver Bruce Harris, o ex-publisher da Harmony Books, e ex-executivo de vendas da Random House. Harris tem a “edição” em seu DNA, e sem dúvida tomou decisões chave, provavelmente incluindo a Ingram em primeiro lugar, além de dirigir as atividades deles, que foram instrumentais para o sucesso do projeto.

Ou seja, contratar todos os serviços sem contratar um publisher é como montar um time de futebol sem goleiro.

A segunda observação estratégica é que a própria indústria, mas especialmente as editoras de títulos gerais, também estão sendo “unbundled”. Esforços díspares que as livrarias agregavam e uniam agora estão se separando.

Não estou pensando aqui na cadeia de valor de cada livro, que é supervisionado pelo publisher, mas na cadeia de valor para a indústria, que inclui a rede de suprimentos. Apesar de sempre terem existido algumas livrarias verticais – em Nova York, até alguns anos atrás elas iam de especialistas em arquitetura até especialistas em mistérios – a maioria dos livros eram vendidos em livrarias gerais que vendiam de tudo.

Mas e-books estão criando outra distinção, entre livros de narrativas, que funcionam como e-books, e todos os outros livros: de arte, de instruções ilustradas, referências e compêndios. Isso encoraja ainda mais as editoras que publicam narrativas a não publicar livros de outros tipos.

Cria-se assim também um problema de distribuição diferenciada. Editoras de romances e narrativa não-ficcional estão vendo o declínio das vendas de seus impressos compensado por aumento nas vendas de e-books. Eles têm um novo desafio de chegar às audiências e torná-las conscientes de seus livros, mas o problema deles não é exacerbado pela mudança de formato. Muitos dos seus leitores simplesmente passam do impresso ao digital em qualquer aparelho que querem usar e textos corridos sem cor não aumentam muitos os custos.

Mas isso não é verdade para editoras de outros livros. Com as livrarias fechando e os leitores mudando para formatos digitais, as editoras vão enfrentar questões existenciais. Não podem sofrer as reduções de livros impressos da mesma forma. Não conseguem fazer uma versão digital copiando o impresso. E, se fizerem, não vai vender.

Algumas editoras de livros ilustrados possuem distribuição robusta fora das livrarias, a museus ou lojas de presentes, por exemplo. Em alguns casos, os livros gerais já estavam diminuindo sua participação antes do começo da revolução do e-book.

Mas o impacto da mudança digital nas editoras que costumavam depender de uma saudável rede de livrarias é muito mais variável. O destino delas estava unido. Agora está sendo separado.


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i Unbundling é um neologismo para descrever como os aparelhos móveis, a conectividade à Internet, as tecnologias web, o acesso à mídia social e à informação estão afetando velhas instituições através da “quebra dos pacotes que elas antes ofereciam, fornecendo partes deles em escalas e custos antes impossíveis pela velha ordem”

[11/06/2013 21:00:00]