Atomização: a edição como função em vez de indústria
PublishNews, 24/04/2013
Atomização: a edição como função em vez de indústria

O programa de publicação de livros criado pela Google sugere uma mudança abrangente no mercado editorial que conhecemos. O negócio de livros gerais está em transição há uns vinte anos em relação ao modelo do último século, e a internet é a principal responsável. A Amazon.com foi a principal catalisadora, com o print on demand (em especial a Lightining Source da Ingram) e e-books (principalmente da Amazon, mas de outras empresas também) como as tecnologias de apoio. Com muitos mais livros disponíveis, a função de afuniladores, que os editores e livreiros assumiam com orgulho, se torna um anacronismo.

A grande questão – pelo menos para mim – é para onde vai esta transição? Como será o mundo dos livros gerais quando eles não alcançarem mais os leitores através das livrarias, o que alguns até dizem que já aconteceu.

As vendas de livros gerais se dividem em três grandes partes: os livros vendidos em livrarias, livros impressos vendidos online e e-books. Os dois últimos tipos não precisam de lojas físicas, e a maioria das vendas é feita pela Amazon. Apenas os livros impressos vendidos em livrarias precisam (ou se beneficiam de) uma grande organização editorial.

O que o último relatório da Bowker nos informa é que 44% das vendas são online (incluindo e-books), 32% através de lojas físicas e o restante através de clubes de livros e “clubes de depósitos” (varejo físico para mim!) e todos os outros canais. Mas também informam que 30% das vendas são e-books, o que significa que os livros físicos só representam 14% das vendas online. Há muitas formas de contabilizar isso e o resultado de 20% de vendas de impressos por meio online me parece muito baixo.

Independente de como vemos a atual divisão de vendas, a proposta central que todos os editores ofereciam a todos os autores era “nós colocamos livros nas prateleiras” – no caso dos livros gerais. A realidade que acompanhava este discurso era “você não consegue fazer isso sozinho”.

As exigências para manter a promessa de “colocar livros nas prateleiras” incluíam o capital para investir e conhecimento especializado para transformar um manuscrito em inventário, um armazém físico para gerenciar o estoque e o envio destes livros, e uma rede de relacionamentos com os donos das prateleiras (nas livrarias) para ter o direito de colocar seus livros nelas. Estas eram as exigências mínimas para ser uma editora. Se você tivesse todas elas, só precisava ser esperto na hora de selecionar livros (no caso da não-ficção, quase sempre antes que estivessem completamente escritos), ter capacidade de desenvolvê-los, ser capaz de criar um pacote atrativo e gerenciar outra rede – de resenhistas e críticos além de, mais recentemente, blogueiros e megafones sociais – para divulgá-los ao público.

Tudo isso dava ao editor a capacidade de pagar antecipações aos autores que significavam, para todos menos os grandes escritores, uma parte minoritária da renda que o livro gerava. Mas, na verdade, a proposta central perdeu seu poder. Agora, só entre um quarto e metade das vendas – muito menos para ficção e muito mais para livros ilustrados – exige uma editora para “colocar livros nas prateleiras”. E este número está diminuindo. Em compensação, nenhum investimento em inventário é realmente necessário.

Sem esta exigência, as barreiras para entrar e se transformar em uma “editora de livros” colapsaram, especialmente se você está disposto a começar com e-books e pensar em impressos como uma oportunidade auxiliar. A Google está se tornando uma. A Amazon se transformou numa há muito tempo. NBC também. O Toronto Star e o The New York times se tornaram editoras de e-books. E, é claro, muitas dezenas de milhares de autores individuais, alguns poucos conseguindo bastante sucesso.

Logo – nos próximos 5 ou 10 anos – toda universidade (talvez a maioria dos departamentos dentro de uma universidade), todo escritório de advocacia, contabilidade e consultoria, certamente todo criador de conteúdo em outra mídia, assim como a maioria dos fabricantes e comerciantes também vai se tornar editor também.

Publicar vai se tornar uma função de muitas entidades, não uma capacidade reservada a alguns poucos atores que podem se chamar de indústria. Pense nisso desta forma. Se você tivesse falado a cada museu e firma de advocacia em 1995 que eles precisavam de uma página web, muitos teriam perguntado “para quê?” Se tivesse falado em 2005 que eles precisavam de um perfil no Facebook ou em 2008 que precisavam de uma conta de Twitter, teriam se perguntado para quê. Chegamos em um ponto onde todos eles precisam de uma estratégia de publicação e isso será tão óbvio a todas estas entidades daqui a um ou dois anos, assim como websites, perfis no Facebook e contas de Twitter são agora.

Esta é a atomização da edição, a dispersão de decisões editoriais e a origem de material publicado. Em pouco tempo, veremos uma indústria com um perfil totalmente diferente do que ela teve nos últimos duzentos anos.

Atomização é a verticalização levada a um extremo lógico recém-concebido. A autopublicação de autores já está afetando o mercado. Mas a introdução de autopublicação por entidades será ainda mais perturbador.

O mercado editorial não está imune às leis de oferta e demanda, e o preço dos livros está desabando. A maior parte da ficção autopublicada é ruim, mas uma pequena porcentagem do grande número de romances autopublicados são boas escolhas baratas para leitores de ficção, especialmente entre os gêneros literários. Este efeito “diamante no meio do lixo” está ficando cada vez mais evidente. Recentemente, a lista de mais vendidos do Digital Book World (compilada por Dan Lubart da ioBytes junto com nossos amigos da DBW) teve um livro autopublicado no posto mais alto pela primeira vez. Não será a última.

Editoras ainda têm muitas qualidades que são atraentes para os autores. Ainda há lojas com prateleiras nas quais colocar livros. E grandes editoras podem conseguir fortalecer a presença de um livro; é difícil acreditar que Cinquenta Tons de Cinza teria vendido as dezenas de milhões de cópias que vendeu como um livro autopublicado. A Random House fez uma diferença muito forte.

Mas o poder das editoras para usar esta capacidade de comandar uma parte do dinheiro “fácil” (sem investimentos em inventário ou forças de vendas exigidas) dos e-books, que era uma condição sine qua non para eles até bem recentemente, está evaporando.

Quando Hugh Howey estava nos primeiros estágios do que se transformou em um grande sucesso com o livro Wool, as editoras só ofereciam um acordo para publicar em formato impresso se ele também cedesse os direitos do e-book. Howey e sua agente, Kristin Nelson, acharam fácil resistir a estas ofertas, já que ele estava ganhando muito dinheiro com os e-books. Alguns meses depois, Simon & Schuster (de forma inteligente, na minha opinião) concordou em fechar com Howey um contrato só com os livros impressos para os direitos nos EUA.

Mais sobre atomização: por que as novas editoras estão chegando

Obviamente, isso tudo depende da validade do argumento de que uma quantidade substancial de edições comercialmente viáveis será publicada sem o financiamento das editoras. Claro, “viabilidade comercial” é um dos objetivos da editora; as novas entidades publicadoras têm outras formas de ganhar sem ter lucro a partir de seus livros.

Livros têm um poder místico e simbólico por uma razão. Durante três séculos, eles estiveram no centro da comunicação de histórias, informações e ideias de grande valor. O número de entidades geradoras de conteúdo que se adapta a esta descrição é muito maior do que o número de editoras, e inclui entidades que não têm nada a ver com o mercado editorial.

Porque distribuir um livro exige gerenciar uma grande variedade de detalhes e porque vender efetivamente sempre precisou de uma organização multifacetada e um investimento em inventário, que até recentemente só empresas dedicadas ao negócio dos livros poderia efetivamente ter.

Não é mais assim.

Por causa dos e-books e da distribuição digital, agora é possível fazer com que qualquer conteúdo empacotado como e-book – se for feito um marketing eficiente para sua audiência alvo – encontre seus leitores (ou seja encontrado por eles). As grandes editoras de hoje estão lutando para se reconectar com seus leitores em um universo informativo que foi redefinido. Enquanto isso, as redes pelas quais elas sempre se conectaram com os leitores no passado – livrarias e grandes comércios, até bibliotecas – estão se tornando cada vez menos relevantes pois os leitores leem cada vez mais em aparelhos e descobrem o que vão ler em suas interações online.

Mas onde há desafios e ajustes dolorosos das grandes editoras, há muitas oportunidades novas para quase todo empreendimento que se conecta com muitas pessoas e sabe algo sobre o que estas pessoas querem conhecer. E várias empresas estão percebendo isso.

Jeremy Greenfield é editor do site da Digital Book World; estamos com a DBW organizando a conferência anual deles. Muito antes de o post [acima] “prever” que entidades que não são editoras se tornariam editoras, Jeremy tinha feito uma lista delas. É impressionante. Quando perguntamos a Jeremy o que estava em sua lista, ele nos mandou este recado:

Mais recentemente, a Scientific American lançou uma série de e-books. A American Express Publishing lançou uma linha de e-books com a Vook. The Atlantic começou a publicar seus próprios livros. USA Today publicou USA Tomorrow, uma coleção de previsões de especialistas sobre o futuro dos Estados Unidos. Harlequin e Cosmopolitan assinaram um acordo para publicar vários e-books por mês juntas. Newsweek/Daily Beast entraram em uma parceria com a Vook para publicar e-books. A Playboy lançou uma série de contos para o Kindle, o Washington Post anunciou um programa de e-books e o Chronicle of Higher Education, uma publicação focada no campo da educação superior, lançou um negócio de e-books. Outras empresas conhecidas entrando nesta indústria são as editoras de revistas , Hearst e NBC News, uma divisão da NBC Universal. E o Wall Street Journal recentemente renovou seu programa de e-books.

Além deles sabemos de outros: o New York Times, o Toronto Star, o Chicago Tribune, o Boston Globe, TED Books, Esquire, Guardian, Wharton Business School, Exército dos EUA, Provincetown Public Library, Saturday Evening Post, Xiamen Bluebird Cartoon Company da China, o produtor de cartuns Fred Seibert criou a Frederator Books, a Brightline de Scott Rudin e Barry Diller, além de muitos outros.

Claro, todas estas são entidades de produção de conteúdo; muitas delas são até produtoras de conteúdo impresso. Mas simplesmente não tinham o poder para se tornarem editoras de livros antes da mudança no mercado.

Três empresas que começaram com ideias de gerar conteúdo próprio – Vook, Byliner e Atavist – são parceiros frequentes destas novas editoras, assim como de selos existentes das Seis Grandes como a Constellation da Perseus, Ingram, as novas editoras de e-books Open Road, Diversion e Rosetta, e outras empresas como INscribe e PressBooks. (Nem todas elas entraram nesse jogo ainda, mas certamente irão.) Estas empresas formam a primeira onda de editoras novatas e as aspirantes, até o momento, são todas geradoras de conteúdo.

Algumas delas não pensariam em si mesmas como criadoras de conteúdo. Não vai demorar para que todo museu, toda sociedade histórica, toda firma de consultoria e de advocacia ou contabilidade entre na festa.

Por exemplo, uma empresa de advocacia nossa conhecida nos avisou no ano passado que membros centrais de sua equipe tinham escrito um “White Paper” sobre mudanças na lei de marcas. Liguei para um sócio ali que eu conhecia e perguntei “por que não publicam como e-book?” Ele respondeu: “Não sei.”

Outro advogado a quem contei a história pacientemente me explicou que propriedade intelectual como esta era criada para ser entregue a possíveis clientes da firma e impressioná-los. Por que, ele me preguntou, deveríamos publicar como e-book? O que ganharíamos?

Muito simples. Alguém vai até a Amazon e procura “lei de marcas”. Você quer aparecer! E, na verdade, poderia cobrar $100 por seu White Paper. Não seria nada bom para vendas, mas teria o benefício de ser descoberto e estaria colocando um valor de mercado em algo que está distribuindo de graça. Você ganha duas vezes.

A próxima onda levará todo mundo: toda marca com seguidores, significado, reputação, site. O próximo grupo vai precisar de serviços editoriais que apresentem todo um novo conjunto de oportunidades para escritores, agentes e, especialmente, empacotadores. E apresentará uma oportunidade para que eu continue a desenvolver o tema da atomização em outro post.

[23/04/2013 21:00:00]